segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
Jornalistas deixam Al Jazeera e dizem que TV árabe faz propaganda de governos
O relógio de Aktham Suliman estava sempre adiantado. Apesar de ele morar em Berlim, seu relógio de pulso marcava o horário de Doha, a capital do emirado de Qatar, que também é o lar da Al Jazeera, a rede de notícias que empregava Suliman, nascido em Damasco, como correspondente na Alemanha desde 2002.
"O horário de Doha era o horário da Jazeera", diz ele. "Era uma honra trabalhar para esta rede".
Um ano e meio atrás, Suliman, 42, ajustou seu relógio de volta para o horário alemão, tendo se desencantado com a Al-Jazeera. E não foi apenas porque a rede parecia menos interessada nas reportagens sobre a Europa. Em vez disso, Suliman teve a sensação que não tinha mais permissão para trabalhar como jornalista independente.
Em agosto último, ele pediu demissão. "Antes do início da Primavera Árabe, éramos a voz da mudança", diz ele, "uma plataforma para críticos e ativistas políticos da região. Agora, a Al Jazeera se tornou uma distribuidora de propaganda".
Suliman não é o único amargamente desapontado. A rede de televisão árabe recentemente sofreu um êxodo de colaboradores proeminentes. Repórteres e âncoras em cidades como Paris, Londres, Moscou, Beirute e Cairo deixaram a Al Jazeera, apesar das condições de trabalho consideradas de luxo e escritórios bem localizados. E apesar da rede estar investindo US$ 500 milhões (em torno de R$ 1 bilhão) nos EUA, para alcançar ainda mais telespectadores do maior mercado de televisão do mundo – no qual sua maior competidora, a CNN, está em casa.
A Al Jazeera tem mais de 3.000 funcionários e 65 escritórios de correspondentes no mundo todo – e telespectadores em 50 milhões de lares pelo mundo árabe. Mas também tem um problema: mais do que nunca, os críticos alegam que a rede está seguindo uma agenda política clara e não está aderindo aos princípios da independência jornalística.
Tais acusações também já foram feitas contra redes Ocidentais, é claro. Mas esse tipo de acusação coloca a Al Jazeera ao lado da Fox News – que segue o viés político do magnata da mídia conservador Rupert Murdoch nos EUA - e não ao lado da CNN.
Objetividade em um mundo de censura
De fato, a programação árabe da Al Jazeera –que significa "a ilha", em árabe- foi lançada em 1996 com um objetivo nobre: queria servir de meio objetivo em um mundo de rigorosa censura.
A rede colocou no ar mensagens de Osaba Bin Laden, gerando críticas revoltadas dos EUA, que a chamaram de "rede terrorista". Ao mesmo tempo, era o único meio árabe que regularmente convidava políticos israelenses para debates. Seus correspondentes não hesitavam em chamar o ex-presidente iraquiano Saddam Hussein de "ditador" –e o governante egípcio Hosni Mubarak de "frouxo". E mais, os jornalistas da rede falavam dos dissidentes, inclusive membros da Irmandade Muçulmana, que eram forçados a apodrecer na prisão por anos sob o regime de Mubarak. Tal jornalismo corajoso e informativo deu a Al Jazeera uma série de prêmios.
Com a Primavera Árabe, porém, muitos antigos dissidentes subiram ao poder na região –e esses líderes iniciantes muitas vezes têm pouco respeito pelos princípios democráticos. A Al Jazeera, porém, bajulou desavergonhadamente esses novos governantes.
Hoje, quando os egípcios protestam contra o presidente Mohammad Morsi e o governo da Irmandade Muçulmana, muitas vezes são criticados pela Al Jazeera, ao estilo da antiga rede de televisão pró-governo. Por outro lado, de acordo com o ex-correspondente Suliman, os executivos da Al Jazeera determinaram que os decretos de Morsi devem ser retratados como pérolas de sabedoria. "Tal abordagem ditatorial teria sido impensável antes", diz ele. "No Egito, viramos uma emissora de Morsi".
Isso é algo bastante surpreendente considerando que o xeque Hamad Bin Khalifa Al Thani, emir do Qatar e patrocinador da rede, costumava proibir uma venda de influência tão evidente. As paredes da moderna sede do canal em Doha são decoradas com citações de pensadores livres como Bob Dylan e Mahatma Gandhi.
Mas o emir, que também tem um estilo autocrático de liderança e ocasionalmente coloca jornalistas malquistos atrás das barras, está tendo cada vez mais dificuldades com os espíritos independentes que trabalham em seu projeto favorito.
"Tive que me demitir"
Um correspondente proeminente que, até um ano atrás, costumava trabalhar para a rede em Beirute disse: "A Al Jazeera toma uma posição clara em cada país –que não se baseia em prioridades jornalísticas, e sim dos interesses do Ministro de Relações Exteriores do Qatar", diz ele. "Para manter minha integridade como repórter, tive que me demitir".
Os críticos dizem que o emir agora essencialmente confia apenas em seu próprio pessoal: o diretor geral da rede hoje é um parente do emir, assim como presidente do conselho consultivo. Aparentemente, eles devem seguir as diretrizes políticas estabelecidas pelo palácio –em vez de servir aos interesses dos telespectadores. Graças a sua riqueza em petróleo, o Qatar é abençoado com a segunda maior renda per capita do mundo e é um agente geopolítico importante, com interesses claros.
Quando por exemplo, houve manifestações em massa contra o regime vizinho no Bahrein, um aliado próximo ao emir, a Al Jazeera praticamente ignorou a situação. Na Síria, por outro lado, onde o Qatar apoia os oponentes islâmicos do presidente Bashar Assad com dinheiro e armas, os jornalistas da rede são extremamente próximos aos rebeldes. Tal proximidade pode ser perigosa em todos os aspectos, até fatal –como sugerido por um vídeo que circula online.
As imagens mostram um entroncamento perto de Daraa, no Sul da Síria. Um membro do Exército Livre da Síria, da oposição, vestindo um colete a prova de balas, corre pela rua nos subúrbios de Bursa Al-Harir, cercada há nove meses pelas tropas leais ao regime de Assad. Um segundo homem vem atrás, usando apenas um casaco de algodão. A algumas centenas de metros de distância, há uma unidade de policiamento do exército sírio. Os soldados abrem fogo e uma série de tiros derruba o indivíduo de casaco de algodão.
Seu nome era Mohammed Al-Musalma e ele tinha 33 anos de idade. Ele trabalhava para a Al Jazeera sob o pseudônimo de Mohammed Al-Horani desde abril de 2012. Ele recebia seu salário da rede e era conhecido como um dos mais experientes jornalistas cidadãos de Daraa e da região circundante. Musalma era um dos inúmeros ativistas locais que filmam o máximo que podem na esperança da Al Jazeera divulgar parte de seu material.
"Impõe perigo"
Sua morte levantou questões. Para começar, correr pela rua a plena vista do posto do inimigo é extraordinariamente arriscado. E apesar de fazer sentido Musalma não estar usando nada que o identificasse como membro da imprensa -os repórteres são desaconselhados a fazer isso na Síria- as organizações da mídia costumam fornecer aos funcionários equipamentos de segurança, inclusive coletes a prova de balas. A Al-Jazeera, contudo parece não oferecer esse tipo de proteção para ativistas locais que trabalham para a empresa como correspondentes baratos de meio expediente.
Suliman diz que ele e uma série de colegas levantaram esse assunto durante uma visita à sede em Doha poucos meses antes da morte de Musalma. "A falta de uma diferenciação clara entre ativistas e jornalistas impõe um perigo a todos", diz ele.
De acordo com Suliman, o editor chefe elogiou a ideia de uma clara diferenciação. Mas nada aconteceu –exceto que o vídeo chocante foi deletado do site da Al Jazeera onde tinha sido primeiramente postado.
Na primavera de 2011, depois que um câmera da Al-Jazeera, Ali Hassan Al-Jaber, foi morto na Líbia pelas forças do governo, a rede prometeu que ia examinar a questão de maior proteção para seus funcionários, diz Suliman. Mas segundo ele nada foi feito sobre o problema tampouco na época.
Apesar de inúmeros pedidos do "Spiegel", a rede recusou-se a comentar as alegações. As manchetes negativas chegam em um mau momento para a Al Jazeera. Há anos que sua filial em língua inglesa vinha tentando ganhar terreno no lucrativo mercado americano, mas as principais companhias americanas de televisão a cabo deram a ela muito pouco espaço.
Expansão nos EUA
No início deste ano, a Al Jazeera gastou US$ 500 milhões para comprar a Current TV, que foi fundada pelo ex-vice-presidente Al Gore, entre outros. O canal, que tende para a esquerda, foi um fiasco com os telespectadores, com índices sofridamente baixos; ele pode, contudo, ser assistido por mais de 40 milhões de lares americanos.
"É claro que o preço é muito alto para um canal voltado para um nicho específico, mas o emir do Qatar queria finalmente expandir nos EUA", diz o professor de jornalismo norte-americano Philip Seib, da Universidade da Califórnia do Sul. Seib diz que a Al Jazeera vem sofrendo maior competição no mercado interno árabe por redes locais e rivais internacionais. Ele acredita que a expansão nos EUA é uma consequência lógica desse desdobramento.
Será que o enorme investimento se pagará? O mercado para notícias estrangeiras continua a encolher nos EUA e o público tem reservas contra a rede árabe. Ann Coulter, a colunista americana conservadora ferrenha, recentemente zombou no Twitter: "Al Qaeda só conseguiu oferecer US$ 400 milhões".
Tal preconceito só pode ser derrubado por um jornalismo de primeira qualidade. A Al Jazeera anunciou 160 novas vagas em até 10 novos escritórios norte-americanos e já recebeu mais de 8.000 currículos. Afinal, a crise da mídia também custou os empregos de muitos jornalistas americanos.
Mas também há um crescente descontentamento nos EUA com a forma como Doha tenta manipular a opinião pública. O pessoal da rede recentemente reclamou que um discurso pelo emir na ONU tornou-se a principal história no noticiário noturno da Al Jazeera.
"É a mesma coisa em toda parte no ramo da mídia: aquele que paga estabelece o tom", diz o especialista em televisão Seib. Ironicamente, porém, a rede de notícias de Doha inicialmente queria ser mais do que apenas um modelo empresarial. De acordo com sua própria descrição, ela aspirava ser "uma voz para quem não tem".
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Cadê esse video sobre Mohammed Al-Musalma ??
ResponderExcluirMichel, vc sabe que a imprensa árabe e persa só muda o tom mesmo para Síria, já vi vídeo no youtube de gente criticando a Presstv por apoiar os levantes(sem dificuldade encontrei esse aqui http://www.youtube.com/watch?v=QuUiQrk0XBg).
ResponderExcluirO entusiasmo com a queda do Mubarak é só ver o sorriso do presidente iraniano no Egito e ver que pela primeira, o Cairo não apoia atacar o país. Tunisia e Líbia já bateram ponto em Teerã, só Yemen onde não mudou muita coisa, o Irã é hostil ao governo (e foi pego um navio enviando armas).
A questão é que depois de 2 anos a opinião pública da rua do OM está divida em dois extremos tão irreconciliáveis quanto os envolvidos no combate, praticamente todos os sírios com alguma simpatia pelo al-Assad se demitiram, assim como vários jornalistas da imprensa síria fugiram para exílio.
Vendo a manifestação principalmente de libaneses tenho que a voz está sendo mostrada tanto para um lado ou outro, usando uma analogia lá é agora ou vc é caprichoso ou é garantido, não existe uma terceira posição e a torcida é acirrada.
se demitiram da al-Jazeera e os do exílio são da imprensa oficial síria.
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