Josef Ackermann, banqueiro do Deutsche Bank |
O presidente do Deutsche Bank, Josef Ackermann, que está deixando o cargo, deu a sua última entrevista coletiva à imprensa na quinta-feira (02). O legado dele será a transformação da maior instituição financeira da Alemanha em uma máquina de lucros Mas, ao final, Ackermann perdeu o controle sobre os espectros que ele próprio invocou dentro da instituição.
Mais uma vez, este foi o dia de Josef Ackermann. O presidente do Deutsche Bank ocupou o centro das atenções durante uma entrevista coletiva à imprensa para apresentar os resultados anuais do banco. Essa seria a décima e última vez em que Ackermann presidiria uma reunião desse tipo.
E o evento acabou representando o tipo de partida que ele desejava. No início de 2011, ele havia previsto com confiança lucros brutos de 10 bilhões de euros (US$ 13 bilhões), um recorde que ele desejava que fosse o seu legado. Mas a crise do euro arruinou essa aspiração de Ackermann. O total foi de 5,4 bilhões de euros – o que não é nada mais do que uma média anual para Ackermann.
Quando esse banqueiro suíço passar o cargo, em maio deste ano, a Anshu Jain e Jürgen Fitschen, ele deixará atrás de si um Deutsche Bank que é radicalmente diferente da instituição financeira cuja chefia ele assumiu em 2006. Aquilo que antigamente era uma instituição de crédito alemã de sucesso, mas conservadora transformou-se em um banco global de investimento – um banco que desempenha um papel em todos os mercados internacionais importantes e que aufere lucros gigantescos.
Entretanto, muita gente na Alemanha encara o crescimento do banco com ceticismo. Ackermann transformou-se no garoto propaganda do país para o capitalismo financeiro sem escrúpulos e a mídia pouco contribuiu para acabar com essa impressão. Ele é considerado um indivíduo que só se interessa pela maximização dos lucros – um princípio econômico desacreditado pelos alemães, e, que perdeu toda a aceitação após o início da crise financeira.
Mas a ideia de reformar radicalmente o Deutsche Bank não foi apresentada originalmente por Ackermann: isso foi um processo que ele herdou dos seus predecessores. Já em 1997, o então presidente do banco, Hilmar Kopper, estabeleceu uma meta de 25% de lucros sobre equities. Pouco depois, Ackermann assumiu a responsabilidade pelo crescente departamento de investimentos bancários do Deutsche Bank, o que significou que ele ficou responsável por transformar a meta de Kopper em realidade. Afinal de contas, era evidente desde o princípio que lucros de 25% sobre equities não poderiam ser obtidos por meio de atividades comerciais e bancárias tradicionais.
O lado negro da atividade de investimentos
Quando Ackermann tornou-se o primeiro porta-voz da diretoria administrativa, em 2002 – e especialmente depois que ele foi nomeado presidente da diretoria quatro anos depois –, os lucros de 25% sobre equities tornaram-se também o mantra dele. Ele jamais perdeu essa meta de vista, e mostrou-se disposto a correr grandes riscos para alcançá-la. Durante a sua gestão, o Deutsche Bank transformou-se em dos maiores negociadores de derivativos do mundo. Nos Estados Unidos, esse banco, cuja sede fica em Frankfurt, mergulhou no mercado imobiliário, muitas vezes utilizando métodos duvidosos que resultaram em vários processos judiciais ainda pendentes contra o Deutsche Bank em tribunais norte-americanos.
Mas a crise financeira fez com que Ackermann reavaliasse a sua abordagem. Esse método revelou o lado negro das atividades bancárias de investimentos e expôs claramente a debilidade desse modelo de negócios unilateral adotado por Ackermann. Em 2008, o Deutsche Bank perdeu 3,8 bilhões de euros, na primeira ocasião na sua orgulhosa história que a instituição teve prejuízos – e para Ackermann isso representou uma humilhação.
A partir de então, o equilíbrio virou o seu novo mantra. A companhia não deveria mais depender completamente das atividades de investimento. Um resultado imediato dessa nova filosofia foi a aquisição, dirigida por Ackermann, de ações majoritárias do Postbank, um banco tradicional para pequenos poupadores. Essa foi uma media que ele próprio teria desprezado apenas alguns anos antes. Mas agora, as poupanças de velhinhas iriam proporcionar ao Deutsche Bank uma maior estabilidade. Dentro do Deutsche Bank, o próprio Ackermann transformou-se em uma espécie de moderador entre os dois mundos: de um lado os banqueiros de investimento em Londres sedentos de lucros e do outro a entediante atividade de poupança em Bonn.
Essa não foi a única evolução experimentada por Ackermann nos últimos anos: ele transformou-se também de um puro empresário em um banqueiro sensível a questões políticas. Essa foi uma progressão experimentada por vários dos seus predecessores no Deutsche Bank, desde Hermann Josef Abs até Alfred Herrhausen e Kopper. Todos eles também viam a sua posição como possuindo um elemento político. Eles foram, até certo ponto, porta-vozes da economia alemã – e, como resultado, foram adorados e detestados.
Desempenhando dois papéis
Ackermann não desejava de fato dar continuidade a essa tradição. Quando ele tornou-se o porta-voz da diretoria, há uma década, Berlim parecia muito distante. Agora, porém, ele viaja regularmente para a capital alemã, e não apenas porque as suas filhas moram lá. Todas as vezes que o banco teve que ser salvo, em que uma falência foi evitada ou em que um grupo de parlamentares alemães deu conselhos a respeito da crise financeira, Ackermann esteve presente. E nem todos os que trabalham no Deutsche Bank ficaram satisfeitos com essas frequentes incursões dele pelo palco político. Em várias ocasiões nos últimos anos ele foi acusado por líderes do banco de negligenciar as suas responsabilidades gerenciais.
Ackermann esperava continuar desempenhando ambos os papéis – o de ministro das relações exteriores do banco e o de moderador interno da instituição – mesmo após deixar o cargo. O plano original dele era deixar a presidência do banco e ocupar uma cadeira na diretoria. Em tal cargo, ele teria sido capaz de administrar o seu próprio legado.
Mas as coisas não saíram conforme ele planejava. Ackermann deverá deixar o cargo no final de maio, mas os seus sucessores terão a tarefa cotidiana de administrar o banco já nesta semana, agora que os resultados anuais foram apresentados à imprensa.
Após a saída de Ackermann, o banco passa a ser liderado por um triunvirato: Jain e Fitschen desempenharão conjuntamente o papel de presidentes e Paul Achleitner – que já foi membro da diretoria do Allianz e diretor da sucursal da Alemanha do banco de investimento norte-americano Goldman Sachs – assumirá a chefia da diretoria. Na reunião econômica de cúpula em Davos, o trio posou para diversas fotos. O fato de Ackermann não ter aparecido nessas fotografias é bastante significativo.
Controle dos espectros
O futuro do banco depende agora de quais dos três assumirá o papel de liderança. A maioria dos analistas acredita que Jain, que nasceu na Índia, será o escolhido. Afinal de contas, Achleitner não terá nenhuma função de operação na gerência do banco e Fitschen, que fará 64 anos de idade no próximo outono alemão, é considerado por muita gente como uma solução interina.
Além do mais, o grupo de banqueiros de investimento como Jain é considerado a facção mais forte dentro do Deutsche Bank. Nos últimos anos, eles receberam uma quantidade tão grande de opções de ações que se tornaram os maiores acionistas do banco, sendo donos de cerca de um quinto da companhia. Achleitner não terá como ignorar o poder de votação desse grupo.
No entanto, a era Ackermann foi muito menos rentável para o resto dos acionistas. O preço das ações do Deutsche Bank caiu pela metade na década durante a qual ele esteve à frente da instituição – apesar da sua meta de aumentar o valor dos títulos que estão nas mãos dos acionistas.
Jain também buscará essa meta. Importantes bancos de investimento deixaram claro que gostariam de ver o Deutsche Bank continuar desempenhando um papel importante nos mercados financeiros globais. E, caso Jain concentre de fato o poder em suas mãos, o setor de atividades bancárias de investimento continuará sendo, sem dúvida alguma, uma área vital, limitadas apenas por novas e mais rígidas regulamentações legais.
O próprio Ackermann não fará mais parte do processo de tomada de decisões. Os espectros que ele no passado conjurou tornaram-se autônomos e estão buscando poder. Ackermann não tem mais nenhum controle sobre eles.
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