Stachus é uma das praças mais bonitas de Munique, com ricas tradições e cheia de pedestres - perfeita para os objetivos de Michael Stürzenberger. Com a mão fechada em punho, ele anda de um lado para outro gritando: "O Corão é o livro mais perigoso do mundo". Como algumas dúzias de pessoas vieram protestar contra Stürzenberger, policiais com coletes à prova de bala vigiam a área.
Dez anos atrás, Stürzenberger, 49, foi o porta-voz do escritório em Munique da União Social Cristã (CSU na sigla em alemão), o partido irmão na Baviera da União Democrata Cristã (CDU) da chanceler Angela Merkel. Mas desde 2012 ele tem atuado em um partido dissidente chamado Die Freiheit ("A Liberdade"), do qual foi eleito presidente federal três meses atrás. Ele prega o ódio contra o islã e compara o Corão a "Mein Kampf" de Hitler. Nos últimos dois anos ele colheu assinaturas contra o plano de construção de um centro islâmico em Munique. Já realizou mais de cem protestos anti-islâmicos.
O líder do Freiheit não está sozinho. Vários seguidores o acompanham na Stachus, alguns carregando cartazes como "Sem mesquita em Stachus" ou "Parem os inimigos da democracia". Stürzenberger grita que a xariá manda os homens baterem nas mulheres. Sua voz é estridente: "Não queremos isso na Baviera!" Um aposentado pergunta onde pode assinar "contra o islã".
Para a maioria dos habitantes de Munique, os ataques verbais de Stürzenberger são uma vergonha. A vereadora da CSU Marian Hoffman compara sua incitações aos "discursos hipnóticos dos nazistas". O governo do prefeito Christian Ude, membro dos Social Democratas, de centro-esquerda, está preocupado com um possível conflito durante as próximas eleições locais. Munique, diz ele, tornou-se o foco de "experimentação" de radicais anti-islâmicos, com os populistas de direita do Die Freiheit testando se a maioria apoia seus ataques à minoria muçulmana. Se Stürzenberger reunir assinaturas suficientes para uma iniciativa civil contra a mesquita, enviará um sinal por toda a Baviera e além dela de que os muçulmanos não são bem-vindos.
O crescente movimento anti-islã
Houve vários movimentos como o de Stürzenberger na Alemanha nos últimos anos. Geralmente eles começam em reação à construção de uma mesquita: a relutância se transforma em resistência, depois em ódio e violência. Nos últimos dois anos houve ataques incendiários contra casas de oração muçulmanas em Berlim, Hanau e Hanôver. O site Politicamente Incorreto, o mais visível inimigo do islã em língua alemã, tem até 120 mil visitantes por dia.
Além do Die Freiheit, os radicais anti-islâmicos fundaram o partido político Pró-Alemanha e o movimento de cidadãos Pax Europa. Atualmente eles tentam adquirir influência sobre o partido eurocético Alternativa para a Alemanha (AfD na sigla em alemão) - o ex-presidente federal do Die Freiheit pediu que seus seguidores apoiem a AfD nas eleições europeias em maio próximo.
Segundo um estudo da Fundação Friedrich Ebert, 56% dos alemães consideram o islã "uma religião arcaica, incapaz de se encaixar na vida moderna", e muitos acreditam que a liberdade religiosa para os muçulmanos deveria ser "substancialmente restrita".
Há várias explicações possíveis para o aumento do ceticismo contra o islã na Alemanha. Uma delas é que muitos imigrantes muçulmanos da terceira geração estão vivendo de maneira mais rígida que seus pais, o que os torna mais visíveis. E também em alguns bairros de grandes cidades alemãs as meninas muçulmanas têm medo de sair sem um lenço na cabeça. Também houve recentemente várias reportagens na mídia alemã sobre homens de etnia germânica convertendo-se ao islamismo, tornando-se radicais e indo ao Paquistão para receber treinamento terrorista. Só na semana passada o ministro do Interior advertiu que ao todo 300 jihadistas alemães deixaram o país para combater na Síria.
Hans-Georg Maassen, presidente do Escritório Federal para Proteção da Constituição (BfV), a agência de inteligência interna da Alemanha, vê uma "correlação" entre as atividades dos salafistas radicais e a agitação de extrema-direita.
Há cerca de 4 milhões de muçulmanos na Alemanha, e aproximadamente a metade deles tem passaporte alemão. O BfV estima que cerca de 42 mil (ou 1%) deles sejam fundamentalistas e mil são potencialmente violentos.
Os anti-islâmicos geralmente não diferenciam entre sunitas, xiitas e alauítas, ou entre militantes islâmicos e fiéis pacíficos. Em sua imaginação, o islã não é uma religião, mas uma ideologia política que deve ser combatida. Os muçulmanos são acusados de tentar dominar o mundo, minando a soberania de países democráticos, infiltrando-se em seus sistemas jurídicos. A plataforma da internet Politicamente Incorreto diz: "A disseminação do islã significa que nossos descendentes - e provavelmente nós também - viverão em uma ordem social dominada pelo islã, orientada para a xariá e o Corão e não mais pela Constituição e os direitos humanos".
O site do projeto "Nürnberg 2.0" mostra cartazes de "procurado" de supostos ativistas muçulmanos - juízes, jornalistas, políticos - que devem ser levados à justiça por causa da "islamização da Alemanha", na linha dos "julgamentos dos crimes de guerra em Nuremberg em 1945".
No verão de 2013, um vídeo de uma autodenominada "Facção Anti-Islã" circulou no Politicamente Incorreto. Ele mostrava um Corão sendo queimado sobre um cepo de árvore precedido pela aparição de três homens com máscaras de papel-alumínio que então queimam outro Corão e se dirigem aos muçulmanos com a voz distorcida: "Vocês são a religião mais fascista e cheia de ódio que existe". Depois o vídeo mostra imagens de decapitações, fanáticos besuntados de sangue, corpos de mulheres mutilados e rostos desfigurados. Termina com as palavras: "Não dê uma chance ao islã!" A promotoria do estado de Munique abriu um processo contra os criadores do vídeo.
Ataques numerosos
O Politicamente Incorreto (PI) foi fundado por Stefan Herre, um professor de Colônia. A influência de Herre vai além da internet: ele conhece populistas de extrema-direita como Geert Wilders, da Holanda, e islamófobos como o pastor americano Terry Jones. Grupos locais do PI se formaram em muitas cidades alemãs, assim como na Áustria e na Suíça; a filial do PI em Munique está sendo monitorada pela inteligência do estado da Baviera.
Quando Matthias Rohe, um estudioso do islã na Baviera que defende uma visão mais matizada da religião, faz uma palestra, muitas vezes é vaiado e insultado por anti-islâmicos. Um comentário no PI diz: "No futuro, as pessoas que participarem das palestras de Rohe devem lembrar de levar o equipamento adequado: um pano de chão e um balde, uma câmera, uma grande cruz... e uma faca bem afiada".
Em meados de novembro, o Departamento de Bombeiros de Leipzig foi chamado à propriedade da congregação muçulmana Ahmadiyya, onde uma lata de lixo estava pegando fogo. Ao lado dela, os socorristas encontraram cinco cabeças de porcos ensanguentadas e empaladas em varas de madeira. O chão tinha sido coberto com um líquido vermelho. A polícia suspeita que radicais de direita foram os responsáveis.
A congregação Ahmadiyya está planejando uma mesquita com dois minaretes decorativos e salas de oração para cerca de cem fiéis no bairro Gohlis em Leipzig. Duas semanas antes do ataque, o Partido Nacional Democrático (NPD, de extrema-direita) havia realizado uma manifestação. No final da semana passada mais de 10 mil cidadãos assinaram uma petição chamada "Gohlis diz não!". Um político da CDU foi instrumental para lançar a petição; os organizadores insistem que uma mesquita "destruiria" a personalidade do bairro.
Maior visibilidade provoca ódio
Não há dúvida de que o islã se tornou mais visível na Alemanha nos últimos anos. Hoje os muçulmanos ocupam posições mais elevadas na política e na economia. As mesquitas não são mais construídas apenas em áreas industriais nas periferias das cidades, mas, como em Leipzig, no centro. Mas segundo Yasemin Shooman, da Academia do Museu Judaico em Berlim, essa constante integração muçulmana é, paradoxalmente, um dos motivos do fortalecimento do preconceito antimuçulmano.
O NPD reconheceu como transformar o ceticismo e o ódio ao islã em capital político. No jornal do partido, "Deutsche Stimme" (Voz Alemã), um artigo descreve como campanhas contra os muçulmanos podem ser usadas para "abrir portas para sentimentos anti-imigração muito mais amplos": "Os muçulmanos - com suas origens, costumes e religiosidade estranhos - criam inquietação, medo e resistência entre a maioria dos alemães. O NPD é, portanto, aconselhado de uma perspectiva de tática eleitoral a concentrar a questão imigrante na questão muçulmana e apresentar os muçulmanos como um espaço no qual projetar tudo o que o alemão médio não gosta nos imigrantes".
Maren Brandenburger, diretora do serviço de inteligência da Baixa Saxônia, confirma que os neonazistas cada vez mais incitam o ódio contra os muçulmanos, fenômeno que ela considera uma "reorientação estratégica do extremismo de direita organizado". O sentimento anti-islâmico hoje vem disfarçado como o alemão ou alemã médios.
"Que isso derreta na sua boca"
No centro cívico de Bonn-Bad Godesberg, cerca de 50 homens e mulheres idosos ouvem uma palestra de Marie-Luise Hoffmann-Polzoni, a presidente da associação Mulheres pela Liberdade. Seu tema: "A xariá versus direitos humanos". Sobre uma mesa há livros alemães com títulos como "O Sistema da Jihad" e "Liberdade em Perigo". Na parede vê-se a foto de um homem com as costas cobertas de cortes, supostamente vítima de açoitamento por ter-se convertido do islã ao cristianismo.
Hoffmann-Polzoni usa um vestido preto de franjas e fala com a voz modulada. A visão do islã que ela pinta é sombria: apedrejamentos, crucificações e decapitações são esperadas pelos muçulmanos como penas por supostos crimes como o adultério. "Imaginem isso", ela murmura.
O discurso antimuçulmano encontrou o caminho para o centro da sociedade, espicaçado por políticos como Hans-Jürgen Irmer, o vice-líder da CDU em Hesse. Ele advertiu o Parlamento estadual de que "o islã está dedicado à dominação global" e que "não precisamos de mais muçulmanos, precisamos de menos". Grupos muçulmanos não podem ser confiáveis, diz ele, porque enganar os não muçulmanos é uma parte central do islamismo.
Simplesmente a expressão de uma opinião? De um ponto de vista legal, o islã pode ser criticado tão duramente quanto o cristianismo na Alemanha, diz Maassen. No caso do Politicamente Incorreto, as autoridades não têm certeza se devem considerá-lo uma plataforma digital ou uma organização com líderes. Monitorar um blog por suas opiniões é considerado legalmente questionável. Autoridades de inteligência falam em uma "área cinzenta".
Solução: leis para crimes de ódio no estilo americano?
Mas talvez as áreas cinzentas possam ser eliminadas. Na última terça-feira, a comissão antirracismo do Conselho da Europa criticou o governo alemão por não implementar uma iniciativa para incluir um dispositivo no Código Penal que "torne os motivos racistas um fator agravante" em crimes. Países como o Reino Unido e os EUA estão mais avançados nesse caminho: têm leis contra os chamados crimes de ódio, principalmente para proteger os imigrantes.
Ender Çetin, 37, é uma vítima do ódio e do racismo. O diretor da Associação da Mesquita Sehitlik em Berlim foi atacado várias vezes nos últimos três anos. Além disso, houve quatro ataques incendiários contra a mesquita, balões cheios de tinta foram atirados nas paredes, túmulos foram cobertos com suásticas e certa vez apareceu uma cabeça de porco diante da porta. Em abril, Çetin recebeu uma carta: se não deixar imediatamente a Alemanha, será morto.
Çetin pediu proteção policial, mas as autoridades minimizaram a questão. Muitos membros de sua congregação estão com medo, diz ele, especialmente depois da série de assassinatos cometidos pelo trio neonazista NSU. Agora ele instalou câmeras de segurança, pagas por doações privadas, na entrada da mesquita.
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