As tensões entre altos generais e juízes no Paquistão vieram à tona na segunda-feira (5), quando o poderoso chefe do Exército e ministro-chefe da Suprema Corte do país emitiram declarações duras sugerindo um grau incomum de atrito entre eles.
Primeiro o chefe do Exército, o general Ashfaq Parvez Kayani, publicou uma declaração que foi amplamente interpretada como um ataque à Suprema Corte, que nas últimas semanas tem criticado duramente o longo histórico dos militares de interferência em assuntos públicos. Sem se referir diretamente à corte, Kayani disse que o país está passando por uma “fase definidora” e fez um alerta velado de “consequências negativas” caso as instituições de governo falhem em trabalhar em harmonia.
“Nenhum indivíduo ou instituição tem o monopólio para decidir o que é certo ou errado na definição do interesse nacional supremo”, supostamente teria dito Kayani em um discurso para oficiais, no Quartel General em Rawalpindi.
Duas horas depois, o gabinete do ministro-chefe Iftikhar Muhammad Chaudhry divulgou um discurso de nove páginas que ele fez para um grupo de burocratas visitantes, mas que parecia oportuno para rebater as críticas feitas por Kayani.
Nele, Chaudhry notou que a autoridade suprema de sua corte é definida pela Constituição. “Já se foram os tempos em que a estabilidade e a segurança do país eram definidas em termos do número de mísseis e tanques, como uma manifestação do poder à disposição do Estado”, ele acrescentou – uma referência clara às forças armadas, que governaram o Paquistão diretamente por pouco menos da metade dos 65 anos de história do país, e indiretamente em grande parte do restante do tempo.
A rixa entre as forças armadas e o Judiciário ofusca, pelo menos por ora, a luta mais tradicional entre os líderes civis e militares do Paquistão. Analistas disseram que é improvável que ela leve a um golpe militar direto, mas, com a proximidade das eleições no ano que vem, empurra a dinâmica flutuante entre os líderes políticos em uma nova direção.
“Kayani está buscando estabelecer limites para o ativismo da Suprema Corte”, disse Arif Rafiq, um acadêmico adjunto do Instituto do Oriente Médio, com sede em Washington. “O Exército historicamente se vê como guardião da estabilidade do Paquistão e como uma força de limpeza na política. A Suprema Corte de muitas formas usurpou esse papel.”
A tensão parece derivar de um caso tramitando há muito tempo no tribunal envolvendo alguns dos mais altos generais da reserva do país. No mês passado, a Suprema Corte ordenou ao governo a abertura de um processo criminal contra ex-chefes do Exército e da espionagem em um caso de fraude eleitoral, datado dos anos 90. Durante as audiências, o general Aslam Beg, um ex-chefe do Exército, e o general Asad Durrani, um ex-chefe do poderoso Diretório de Interserviços de Inteligência, foram acusados de fornecer dinheiro público para uma aliança de partidos políticos de direita que fazia oposição ao Partido do Povo do Paquistão de Benazir Bhutto.
Pelo menos nove generais da reserva estão sendo investigados pela Justiça por irregularidades financeiras em casos diferentes. O tribunal também pressionou as agências de inteligência militar no caso dos “desaparecimentos forçados” –a abdução ilegal, tortura e às vezes execução extrajudicial de militantes e rebeldes nacionalistas, especialmente na rebelde província do Baluquistão, no sudoeste do país.
Em seu discurso na segunda-feira, Kayani pareceu oferecer apoio indireto aos generais da reserva que foram acusados de interferência na política.
“Como todos buscamos pelo estado de direito, o princípio fundamental de que ninguém é culpado até que seja provado não deve ser esquecido”, ele disse. “Não vamos pré-julgar ninguém, quer a pessoa seja civil ou militar, e estender isso, desnecessariamente, para minar as respectivas instituições.”
Kayani acrescentou que “qualquer esforço que, de modo intencional ou não, finque uma cunha entre o povo e as Forças Armadas do Paquistão, mina o interesse nacional maior”.
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