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terça-feira, 2 de julho de 2013

Tropeços não destroem relevância americana

Edward Snowden
A odisseia de Edward Snowden pode ser lida como uma parábola sobre a redução do poder americano. O maior expoente da liberdade da internet e dos direitos humanos digitais revela ser antes de mais nada um praticante da vigilância secreta em massa, e as nações criticadas justamente por controlar e limitar o discurso on-line -China e Rússia- desafiam o gigante, recusando-se a entregar à Justiça americana o delator.

No momento em que escrevo, não se sabe como o episódio de Snowden vai terminar. Já está claro, contudo, que sua fuga ágil do Havaí para Hong Kong e de lá para Moscou ilustrou que, se os EUA ainda têm a primazia, já não desfrutam do domínio.

Talvez tenha sido a frustração com esse dilema do século 21 que levou o secretário de Estado, John Kerry, a comentar com ironia pouco diplomática: "Será que Snowden escolheu a Rússia ou a China porque elas são grandes redutos da liberdade na internet?". Seu comentário não deixa de fazer sentido, mas isso não vai ajudar sua causa.

Os excessos dos EUA desde o 11 de Setembro têm custado caro ao Tesouro. Têm custado igualmente caro em termos subjetivos: a avaliação do país. Muitas pessoas hoje veem Snowden como um homem justo que desferiu um golpe correto e necessário contra um gigante que comete espionagem. Simpatizo com os atos de Snowden, porque creio que o ponto de equilíbrio entre segurança e liberdade se perdeu nos Estados Unidos, mas não simpatizo com aqueles que odeiam a América. Acho que previsões sobre o declínio dos Estados Unidos são exageradas.

Nos últimos 12 anos, o país travou duas guerras sem vitória, no Iraque e no Afeganistão. Ao custo de bem mais que US$ 1 trilhão, sobreviveu ao derretimento financeiro devastador de 2008 e passou por uma recuperação fraca, com baixo crescimento do emprego. O país assistiu à ascensão do resto do mundo, especialmente da China, cuja economia será maior que a americana dentro de uma década. O deslocamento de poder para a Ásia é inegável.

Então será que a diluição do poder às expensas dos governos é inerente à ascensão das mídias sociais sem fronteiras? A alta dívida e a polarização política consomem a vontade nacional dos EUA. Apesar de todos os esforços do presidente Obama para restaurar a imagem do país pós-Iraque, desabafar raiva antiamericana é um "esporte" popular -quer seja contra os ataques com "drones" e a instalação de "big data" no Utah ou simplesmente devido à angústia existencial quase adolescente que produziu os responsáveis pelas bombas em Boston.

Os americanos estão fartos da guerra e da construção de nações, com razão. O momento unipolar da década de 1990 já ficou para trás há muito tempo. Hoje muitos americanos concordam com o conselho de George Washington em seu discurso de despedida, em 1796: "Por que deixar nosso país para nos postarmos sobre território estrangeiro?".

Mas existe outra história. Os EUA ainda é responsável por bem mais que um terço dos gastos militares mundiais, é o único país capaz de projetar força militar globalmente e mantém as guarnições militares que constituem a base estrutural de uma "Pax Americana" duradoura.

Em termos per capita, a economia da China ainda não passa de uma fração do tamanho da economia americana. As universidades americanas são ímãs que atraem talentos globais, assim como suas empresas de tecnologia. Em um mundo conectado em rede, as redes são principalmente americanas. O dinamismo criativo produz inovações em áreas como a bio e a nanotecnologia, em ritmo mais veloz que em qualquer outro país.

A demografia favorece a América mais que a maioria dos outros países desenvolvidos, com suas populações declinantes (1,5 milhão de pessoas na Alemanha tinha sumido num censo recente!). A autossuficiência energética dos EUA está a menos de uma geração de distância, numa mudança dramática. O "soft power" de Hollywood não dá sinais de estar diminuindo. O antiamericanismo às vezes é retratado como sendo maior do que é de fato. Muitos europeus e árabes de classe média encerram uma diatribe contra "imperialistas" americanos com uma pergunta como "por falar nisso, será que você pode ajudar minha filha a entrar em Harvard?".

Doze anos depois de iniciada a Grande Desorientação que se seguiu aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, o sistema político americano continua a ser resiliente. A guerra ao terror que o presidente Obama prometeu encerrar desequilibrou o sistema de freios e contrapesos dos EUA. Mas não o destruiu. Adversários dos programas de vigilância expostos por Snowden já tomaram medidas no Congresso para limitá-los. O senador Patrick J. Leahy apresentou uma legislação que visa reforçar as salvaguardas de privacidade.

China e Rússia usam a internet para suprimir a dissensão e limitar os direitos individuais. Isso é muito diferente de usá-la para barrar potenciais ataques terroristas. Os excessos podem e devem ser corrigidos, e os EUA possuem os mecanismos para isso, como sugere o projeto de lei apresentado por Leahy. O "schadenfreude" induzido por Snowden é exagerado.

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