Social Icons

https://twitter.com/blogoinformantefacebookhttps://plus.google.com/103661639773939601688rss feedemail

terça-feira, 2 de abril de 2013

Muito para poucos: Milagre econômico da Índia exclui os pobres


Diferentemente da China, o milagre econômico da Índia não beneficiou os pobres. Em vez disso, os ricos estão ficando mais ricos nesta terra notoriamente dividida, e o apoio do governo não consegue alcançar os necessitados.

"Sou a princesa Shahnaz Husain", diz a diva dos cosméticos da Índia, com uma voz rouca, quando recebe os convidados em seu palacete em Nova Déli e gentilmente convida-os a se sentarem. Seu penteado faz seu cabelo castanho parecer uma crina de fogo, e seu vestido listrado vermelho brilha tanto quanto suas sandálias douradas de salto alto.

Poucos momentos antes, parecia inimaginável que uma pessoa pudesse se sobressair contra o esplendor florido dessa sala de estar indiana. Cisnes de porcelana dourados reluzem sob mesas de vidro em tapetes persas. Um cachorro de cerâmica com seus filhotes descansa em frente à lareira. As paredes resplandecem com pinturas coloridas de arranjos florais em enormes molduras douradas excessivamente ornadas.

Ainda assim, estranhamente, ela domina toda a cena: a princesa Shahnaz, que reina sobre mais de 400 salões de beleza na Índia e em todo o mundo. O nome dela adorna cremes de beleza e xampus produzidos com plantas medicinais, e ela vende seus produtos em lojas elegantes de Londres a Tóquio --em embalagens enfeitadas com sua imagem quando era mais jovem.

Shahnaz não revela sua idade, mas por quatro décadas ela e sua empresa personificaram o milagre econômico da Índia. Apesar de ter crescido em boas circunstâncias --o pai era juiz e a mãe alega ser uma princesa de uma dinastia real--, ela deve seu sucesso comercial à ascensão da classe média indiana.

Seus clientes são primariamente novos ricos indianos. Recentemente, Shahnaz começou a oferecer a eles um creme milagroso que supostamente impede a pele de envelhecer. "Será um sucesso", diz ela.

Shahnaz pertence à minoria muçulmana da Índia, mas, como seus compatriotas hindus, ela está se programando para a vida após a morte fazendo boas ações em prol dos pobres.

Quando anda com seu chofer pelas ruas de Nova Déli em seu Rolls-Royce prateado, pedintes correm para o carro a cada cruzamento. "Claro, eles conhecem meu carro", diz ela, "e eu sempre tenho algumas rúpias na mão para eles".

Shahnaz recentemente ajudou um homem sem pernas que estava pedindo esmolas em um sinal. Ela arrumou um emprego para ele em uma de suas fábricas de cosméticos. "Encontrei uma vaga para ele de vigia no portão onde pode ficar sentado."

Ela conta muitas histórias desse tipo. Por exemplo, há a história de uma operária com manchas pretas no rosto que esperou na frente da mansão todos os dias até que Shahnaz apiedou-se dela e deu à pobre mulher um creme para manchas na pele --um produto caro demais para o indiano médio. E mais: ela financiou seus estudos em uma de suas escolas de cosméticos.

Até hoje, durante a época fria do ano, a filantropa rica diz ter cobertores de lã na entrada da mansão para os pobres com frio. Ela parece se comover por seus próprios esforços para ajudar os menos afortunados. Ela não vê a pobreza como um problema especificamente indiano. "Há mendigos em todo lugar do mundo", diz ela, "até em Londres e em Paris".

Prosperidade crescente, pobreza persistente
Uma análise da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) conclui que o grande abismo entre pobres e ricos está crescendo na Índia mais rápido do que em qualquer outro lugar do planeta. Apesar de a maior democracia do mundo ter, em 1976, adotado uma emenda à sua constituição para declarar que era um Estado socialista, o fato é que o país está fracassando em dar às massas uma parcela justa do milagre econômico do país.

Essa é uma das principais diferenças entre a Índia e a China, a potência rival asiática: na China, cerca de 13% da população recebe o equivalente a menos de US$ 1,25 (em torno de R$ 2,50) por dia, enquanto um terço de todos os indianos têm que se virar com a mesma quantia.

Especialistas da Universidade de Oxford concluíram que o nível de pobreza no Estado central da Índia de Madhya Pradesh é quase equivalente ao da República Democrática do Congo, país do centro da África que foi destruído em anos de guerra civil. Para piorar as coisas, se a comparação for feita em termos de nutrição, a situação em Madhya Pradesh é significativamente pior que no Congo.

Críticos como Atul Kohli, cientista político e professor da Universidade de Princeton, alegam que o rápido crescimento econômico da Índia, que começou nos anos 80, não levou a uma redução da pobreza. O livro de Kohli de 2012, "Poverty Amid Plenty in the New India" ("Pobreza em meio à abundância na Nova Índia", em tradução livre), atraiu atenção mundial.

Shankar Singh é um dos que sonha em vão com uma vida melhor. Com 53 anos de idade, ele trabalha a algumas quadras da residência de Shahnaz, como vigia no parque Panchsheel, um enclave para os ricos cercado de muros e portões. Ele protege a casa de um empresário sikh.

O chefe de Shankar conseguiu sua fortuna vendendo lavatórios e vasos, mas seu guarda de segurança ainda vive com a mulher e seis filhos em uma choupana pobre bem atrás da comunidade cercada --além dos muros, onde cães de rua e vacas escavam o lixo dos ricos.

É aqui que jardineiros, cozinheiros, motoristas e mordomos dos novos ricos vivem. Seu bairro talvez seja uma das melhores favelas de Déli, mas os moradores vivem em temor constante de que voltarão a cair em pobreza abjeta caso adoeçam ou sejam demitidos. De acordo com os resultados da análise da OCDE, empregos informais sem qualquer proteção contra demissões são mais prevalecentes na Índia do que em qualquer outra economia emergente.

Saudades de casa
No início da tarde, Shankar está descansando em sua casa sem janelas, se preparando para o turno da noite. Ele está usando o mesmo boné de beisebol escuro que usa no trabalho. Há um pequeno altar hindu pendurado na parede. Shankar adora o auspicioso deus Shiva, que traz boa sorte.

Shankar e sua família ainda esperam que sua sorte mude. Eles não têm banheiro. Ele e seus filhos se lavam na frente da porta todo dia, enquanto a mulher e as filhas de alguma forma tomam banho dentro de casa. Eles só recebem água entre 3h e 6h da manhã, então é nessa hora que todos os vizinhos rapidamente enchem seus baldes e panelas.

Quando Shankar mudou-se da província de Uttar Pradesh para Déli, há 32 anos, ele sonhava com uma vida melhor. Há sete anos que não volta para casa porque não pode pagar os custos da viagem. Shankar ganha 8.000 rúpias por mês, o equivalente a R$ 300. Ele paga 2.000 rúpias por mês de aluguel e vive com o resto.

Ele não consegue nem prestar homenagem aos deuses hindus com fogos de artifício modestos no Diwali, o festival de luzes hindu. Em vez disso, ele observa com espanto o parque Panchsheel, onde indianos abastados fazem demonstrações de fogos de artifício mais extravagantes a cada ano.

Shankar diz que sonha em rever seus parentes em sua aldeia. E, ao falar sobre os campos de mostarda, que estão atualmente floridos e amarelos, o repórter tem a ideia de acompanhá-lo à sua aldeia, à custa de "Spiegel".

Mas, primeiro, o chefe de Shankar tem que ser convencido a dar a ele um ou dois dias de folga. Ele concorda, mas apenas sob uma condição: Shankar só poderá viajar de trem e na classe mais barata, não de avião. Ele diz que seu funcionário não deve se acostumar a uma vida de luxo.

A intenção é evitar o obscurecimento da diferença entre os pobres e os ricos. A família de Shankar pertence à mais baixa casta de agricultores e, para piorar as coisas, ele vem do Nepal, o que dá a ele um status ainda mais baixo na sociedade indiana.

Parte 2: Uma viagem de volta no tempo
Uttar Pradesh é um dos Estados mais pobres da Índia, e as pessoas aqui estão particularmente presas a sua dependência tradicional dos grandes proprietários de terras. A fragmentação da sociedade indiana em castas e religiões distorce a modernização --e impede que os pobres da Índia se unam na revolta contra os ricos.

Ao passar por Lucknow, a capital de Uttar Pradesh, Shankar se maravilha com as estruturas monumentais construídas pela antiga governadora do Estado, uma mulher chamada Mayawati. Ela governou por quase duas décadas antes de renunciar em 2012. Mayawati pertence à casta dos "intocáveis" e é um exemplo de como políticos populistas atraem os pobres --e os desapontam repetidamente. Elefantes gravados em pedra, o símbolo do partido centrista de Mayawati, Bahujan Samaj (BSP), guardam a entrada de um gigantesco parque novo. A poucas quadras dali há uma estátua da própria Mayawati.

É aproximadamente uma viagem de quatro horas pela estrada de Lucknow para Rautpar, a aldeia de Shankar, perto da cidade de Gorakhpur. Há cabanas de palha e bancas de comida dos dois lados da estrada. Os únicos sinais das ambições de alta tecnologia da Índia aqui são os postes de telefone celular em toda parte, espalhados pelos campos de trigo. Mais de 800 milhões de indianos usam telefones celulares, e ainda assim mais da metade da população não tem acesso a banheiros sanitários.

Shankar tem que viajar as últimas centenas de metros para sua aldeia a pé. A trilha pelos campos leva a cabanas feitas de telhas e barro. Uma multidão de vizinhos se reúne a sua volta. Eles o veem como o tio rico de Déli.

É como uma volta à Idade Média, já que quase tudo aqui é feito de barro: o piso, as paredes e o forno onde sua cunhada cozinha, do lado de fora da casa. Mahatma Gandhi teria aprovado. Afinal, foi nas aldeias indianas que o lendário combatente pela liberdade procurou a identidade nacional. Mas seu romantismo agrário ainda continua a frear a industrialização.

Shankar tira roupas usadas da mala e, com um sorriso no rosto, as distribui entre os parentes. Por apenas um momento ele está no centro das atenções. A maior parte dos jovens aqui gostaria de seguir seu exemplo e se mudar. Contudo, diferentemente da China, a Índia tem poucas fábricas com vagas de salários baixos para empregar as massas do campo.

Não é pobre o suficiente para receber ajuda
De fato, são primariamente os relativamente bem educados que se beneficiam do milagre econômico indiano: engenheiros de TI e graduados que falam inglês fluente e trabalham nos call centers.

Lá fora no campo, porém, a única esperança é o Ato de Garantia Nacional de Emprego Rural. Essa lei de 2005 garante a todo adulto do país cem horas de trabalho pago por ano. Sob a lei, o governo atualmente paga aos pobres do país mais de US$ 7 bilhões para melhorar as estradas e construir pontes. Isso é melhor do que esmolar.

Além disso, a Índia ajuda seus pobres com rações alimentares e outros subsídios. Mas a ajuda muitas vezes não alcança aqueles em necessidade. Em uma tentativa de cortar o intermediário corrupto, o governo vem fazendo transferências de dinheiro desde janeiro. Agora deposita diretamente bolsas e pensões nas contas de cerca de 245 mil indivíduos em 20 Estados.

Mas o que o partido do Congresso Nacional Indiano governante chama de "reforma pioneira" é criticado pela oposição como truque político para comprar votos para as eleições parlamentares de 2014.

Em qualquer caso, Shankar nada recebe dessa bonança. Seu salário é alto demais para se beneficiar desse programa, mas ainda não é suficiente. De fato, ele precisa de um médico urgentemente para tirar uma pinta teimosa que cresce em seu nariz. "Custa cerca de 4.000 rúpias", diz ele, "e eu não tenho essa quantia".

Os limites da filantropia
Enquanto isso, os vizinhos ricos no Parque Panchsheel buscam formas cada vez mais criativas de gastar dinheiro. Dijeet Tituts, alto advogado que representa clientes estrangeiros, adora andar pelas ruas de Déli com seu Chevrolet Bel Air vermelho de 1957. No sul da cidade, onde a aristocracia endinheirada gosta de passar os finais de semana em residências de campo extravagantes, o advogado de 48 anos está construindo um museu para sua coleção crescente de carros antigos --um hangar com mais de 2.000 metros quadrados.

O bairro de luxo com as chamadas casas de fazenda fica em uma estrada de barro. Os condôminos ricos usam muros e arame farpado para se isolar da miséria fora de suas mansões.

"Primeiro, comprei uma casa, depois a segunda e aí me perguntei: o que eu compro agora?" Titus está usando um par de óculos de ouro elegante enquanto acaricia a frente brilhosa de um Buick 90L prateado dos anos 30.

Ao colecionar esses carros antigos de primeira linha, ele encontrou um hobby que atrai a atenção até dos mais ricos da Índia. Anos atrás, os marajás andavam com seus motoristas em muitos dos veículos históricos. Hoje, a aristocracia endinheirada da Índia se reúne sob palmeiras e admira os carros de Titus enquanto bebe seus drinques. Ele já colecionava móveis de antiguidade e os guarda em outra seção do enorme hangar.

Como a princesa Shahnaz, Titus pensa nos pobres. Ocasionalmente visita as favelas para ajudar as crianças a receberem um educação melhor. Algumas vezes os convida para sua casa, mostra os carros antigos e se delicia os olhares maravilhados.

Mas Titus admite que nem ele pode mudar a Índia. "Minha filantropia é só uma gota no oceano", diz ele antes de andar mais e mostrar outro carro, um Rolls-Royce 20/25 de 1934, um exemplar particularmente impressionante de sua coleção exclusiva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário