segunda-feira, 22 de abril de 2013
Análise: em termos de política, a França joga com o amedrontamento
Nós somos um povo de historiadores, sempre prontos tanto a invocar nostalgicamente páginas gloriosas da gesta nacional, quanto a falar masoquistamente de nossos episódios mais sombrios.
Mas historiadores amadores, fechados em uma releitura binária e pavloviana do passado, onde se repetem invariavelmente os grandes episódios dessa guerra civil fria que estrutura o cenário político há mais de dois séculos. Sans-culottes contra grandes senhores, distribuidores contra proprietários, revolucionários contra reacionários, progressistas contra conservadores, esquerda contra direita: os dois lados repetem à exaustão o ritual de seu confronto.
Por muito tempo, foi trágico: cortavam cabeças, morria-se em barricadas, exterminavam comunistas, tentavam tomar de assalto a Câmara dos Deputados. Esse tempo já passou, o que não é exatamente ruim! Mas é preciso apimentar as coisas e estimular as mentes: então joga-se com o amedrontamento.
Assim, durante décadas, a esquerda chamou de "fascista" qualquer um que não estivesse do seu lado. Furiosa por ter perdido o poder, a direita agora inverteu os papéis: para alterar o cronograma parlamentar, ela denuncia uma "ditadura"; por uma reforma do casamento que ela não conseguiu mudar, ela fala em um risco de "guerra civil"; quanto aos mais moderados de seus membros, eles falam em uma "crise de governo".
Então a esquerda mais razoável, a menos utópica – ou, em outras palavras, a mais temerosa -voltou ao poder? Pouco importa! A direita está reavivando contra ela os grandes medos históricos gravados em seu imaginário.
Maio de 68, em primeiro lugar. Nicolas Sarkozy, durante sua campanha de 2007, havia dado o sinal da revanche, atribuindo aos "acontecimentos" todos os males que afligiam a França: "O Maio de 68 introduziu o cinismo na sociedade e baixou o nível moral e político"; seus herdeiros "abriram mão do mérito e do esforço, enfraqueceram a autoridade do Estado e a ideia de cidadania, eles denigrem a identidade nacional"; em suma, ele concluiu que era tempo de "liquidar de uma vez por todas" esse legado.
Ninguém duvida que, para muitos dos opositores ao "casamento para todos", essa luta contra o "relativismo intelectual e moral" tem se destacado mais do que nunca. Mas, em uma dessas marotas referências da História, os mais "furiosos" deles imitam cartazes e slogans de 68, se iniciam nos protestos de rua e sonham com um "caos" capaz de paralisar, ou melhor, de desestabilizar o governo. Que tem medo disso, é verdade.
A crise econômica e social que vem minando o país nos últimos cinco anos, o escândalo Cahuzac que o assombra há duas semanas ressuscitaram uma outra referência emblemática, tanto à direita quanto à esquerda: a dos anos 1930, entre Ligas, Frente Popular e desastre de 1940.
Finanças descontroladas, crise globalizada, temor do declínio nacional, recuo protecionista, impotência dos governantes, rejeição aos políticos "todos podres!", xenofobia: tudo contribui paralelamente e um atribui ao outro a responsabilidade pelo "populismo" dominante. Culpa de uma esquerda incapaz e que está levando o país a uma catástrofe, dizem uns. Culpa de uma direita histérica que não teme mais abrir caminho para a extrema direita, dizem outros. Pouco importa a eles que a época, a França e a Europa de hoje sejam radicalmente diferentes das do passado; as fantasias de paixões do passado entravam o presente.
Resta o grande trauma da Revolução, durante muito tempo vista por parte da direita como a destruição – em nome da liberdade dos indivíduos e dos povos – da ordem natural de uma sociedade que se baseia na religião, nos costumes e nas tradições. Ideias ultrapassadas, dirão. Nem tanto, se prestarmos atenção naquele que foi o mentor de Nicolas Sarkozy durante cinco anos e pretende continuar sendo o mentor da direita no futuro. Em uma entrevista à "Figaro Magazine" do dia 5 de abril, Patrick Buisson começa criticando o "anticristianismo agressivo" e o "ódio do catolicismo" que marcaram, em sua opinião, o debate sobre o casamento homossexual. Seria tudo um "ateísmo de Estado", baseado na "religião da humanidade, onde o homem só encontra em si mesmo sua finalidade".
Para ele, o mal é profundo: "O fim do catolicismo como grandes relatos de comunidades que davam sentido à vida teria sido o momento-chave de um amplo processo de desligamento que resultou na sagração da escolha individual". Essa "ideologia do desejo" não somente dissolveu "todos os vínculos forjados através do tempo e da História", ela "minou a base antropológica dos valores tradicionais". É esse projeto de demolição que Buisson pretende denunciar e combater. Em suas recentes e empolgantes obras ("Le Mystère Français", "La République des Idées", Ed. Seuil), Hervé Le Bras e Emmanuel Todd lhe fazem indiretamente a réplica, na medida em que respondem aos analistas muito apressados e apreciadores de estereótipos.
Ao mapearem a evolução da sociedade e das mentalidades dos franceses, eles demonstram primeiramente que as mudanças aceleradas dos últimos trinta anos – salto no sistema de ensino, emancipação das mulheres, aumento na expectativa de vida, revolução dos costumes-, não apagaram, mas pelo contrário, "reativaram, reforçaram sistemas antropológicos e religiosos antigos".
Isso evidentemente não oculta a crise da sociedade pós-industrial e seus danos. Mas mostra que o "hiperindividualismo, a obsessão pelo gozo imediato ou a desregulamentação moral e financeira" não produzem inevitavelmente indivíduos "perdidos" e uma sociedade sem direção.
Na verdade é até o contrário. "Se passamos dos planos econômicos e das pesquisas de opinião para determinados dados objetivos, muitas vezes é uma outra França que aparece, tão otimista em seus comportamentos inconscientes quanto parece conscientemente pessimista". Em suma, uma França que está menos mal do que quer acreditar. Apesar de todos aqueles que gostam do amedrontamento.
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