Família afegã sofre ameaças constantes do Taleban |
O Afeganistão dos sonhos de Abdul era um país pacífico e estável. Era um país cujos cidadãos não teria de viver com medo e onde os pais podiam enviar suas filhas à escola. E era um país com estradas decentes e hospitais. Quando Abdul assinou seu contrato de trabalho com a Alemanha, ele acreditava que estaria ajudando a transformar esta visão do Afeganistão em realidade.
Agora Abdul está sentado num café empoeirado em Cabul, mostrando fotos de seu tempo com o exército alemão, o Bundeswehr. Numa foto, o afegão está ao lado de um soldado loiro grandalhão da Alemanha que colocou o braço em volta dele. Abdul tomou sua primeira cerveja no campo Bundeswehr em Kunduz. "Bitte ein Bit", diz ele com uma risada, citando o slogan publicitário de uma conhecida marca de cerveja alemã. Certa vez ele comprou um bolo colorido de camadas para um aniversariante. "Eles eram meus amigos", diz Abdul.
Agora, seus amigos alemães foram para casa, e Abdul teme por sua vida. Ele está na mesma posição que muitos dos cerca de 1.700 cidadãos afegãos que trabalham ou trabalhavam para a Alemanha, para o Bundeswehr ou para o Ministério do Interior do país.
Islamistas do país os veem como traidores por cooperar com os estrangeiros. O Taleban tem declarado repetidas vezes que a morte espera aqueles que "colaboraram com o inimigo". Muitos funcionários afegãos da Otan já foram assassinados, enquanto outros podem enfrentar perspectivas sombrias quando seus protetores saírem do país.
Os aliados ocidentais planejam retirar suas forças de combate do Afeganistão até o fim de 2014, quando a missão da Isaf (Força Internacional de Assistência à Segurança) chegar oficialmente ao fim. Agora que a gigantesca operação militar está se encerrando, funcionários afegãos locais temem a vingança de seus compatriotas afegãos mais do que nunca. A Alemanha se beneficiou de seus ajudantes afegãos durante anos, e agora os afegãos estão esperando que a Alemanha os ajude.
Represálias do Taleban
Eles eram bem pagos pelo seu trabalho. Muitos tradutores recebiam cerca de 650 euros (US$ 848) por mês, ou cerca de dez vezes a renda média dos afegãos. Eles também poderiam ter reconhecido os riscos que estavam assumindo. E eles tampouco têm o direito legal de serem resgatados. Em outras palavras, o destino deles é principalmente uma questão moral.
"Quando os estrangeiros se forem, o Taleban vai nos bater até a morte como se fôssemos moscas", diz Abdul, 25. Ele se destaca nas ruas de Cabul, um jovem barbeado cercado por homens com barbas. Ele parece nervoso ao passar por mulheres pedindo esmola escondidas atrás de suas burcas, e homens carregando fuzis Kalashnikov. Ele está constantemente olhando ao redor.
Os primeiros telefonemas começaram há cerca de um ano. Quando ele respondeu ao seu telefone celular, ninguém falou nada do outro lado da linha, e quando ele ligou de volta para o número, o telefone já estava desligado. Os autores dos telefonemas anônimos finalmente começaram a fazer ameaças. Um deles disse: "Você ajuda os infiéis, você é um espião. Você vai morrer". Abdul jogou fora o chip de seu telefone. Ele se escondeu na casa de parentes em Cabul há alguns meses. Ele teve que deixar sua esposa e filha para trás em Kunduz.
Abdul trabalhou como intérprete para o Bundeswehr por mais de dois anos. Ele estava orgulhoso de seu trabalho no início, sabendo que os estrangeiros tinham ido ajudar os afegãos. Ele sentia que fazia parte do futuro de seu maravilhoso país.
Quando Abdul saía em patrulhas com os alemães, suas pernas costumavam tremer um pouco quando ele saía dos veículos de transporte Dingo. Ele fazia parte da OMLT (Operational Mentor and Liaison Team) em Kunduz, uma unidade na qual consultores alemães operavam em conjunto com soldados afegãos. Soldados da OMLT eram repetidamente emboscados por insurgentes ou atingidos por bombas de beira de estrada, e alguns morreram. Durante semanas, Abdul acampou com os alemães em postos avançados na província de Baghlan, uma área do Taleban. Eles dormiam em camas dobráveis, cercados pelas montanhas verdes onde suspeitavam que o inimigo estava escondido.
"Nós éramos os ouvidos e os olhos dos alemães", diz ele. Ele lembra que muitas vezes entraram em aldeias juntos e falaram com os anciãos locais. Quando um dos alemães dizia algo impróprio, algo que poderia incomodar as pessoas, ele simplesmente mudava um pouco a tradução.
Ele usava um uniforme durante essas operações. "Agora todo mundo lá conhece o meu rosto", diz ele. "Arrisquei minha vida pelos alemães". Um dos deveres de Abdul era reunir informações para o Bundeswehr, incluindo informações sobre amigos e vizinhos. Ele diz que uma vez ouviu um soldado do exército afegão incentivando o sentimento anti-alemão entre seus colegas soldados. Abdul inicialmente relatou o incidente ao comandante dos afegãos. Mas o oficial não estava interessado, então ele contou a seu supervisor alemão. O soldado afegão foi interrogado e transferido para outro local. Ele agora é um dos muitos de quem o intérprete teme uma vingança.
"Eu arrisquei minha vida pelos alemães", diz.
Ele está decepcionado que estes não queiram ajudá-lo. Outros países da Isaf, como os Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia, criaram programas generosos para o pessoal local e suas famílias. A França decidiu aceitar cerca de 170 de seus funcionários afegãos no país.
Mas até agora o governo alemão se recusou a implementar uma solução coletiva. Um anúncio do Ministério do Interior, que é o principal responsável, afirmou que a Alemanha está "consciente da sua responsabilidade especial para com os funcionários afegãos locais". Mas, segundo as autoridades em Berlim, a emigração para a Alemanha só será considerada se "houver provas de um perigo concreto para a vida e a integridade física que difere significativamente da ameaça potencial geral no Afeganistão", que tampouco pode ser evitada localmente.
Quando os funcionários afegãos têm preocupações, eles as levam para seu posto de serviço no Afeganistão. Uma "força-tarefa interagências", composta por representantes dos ministérios de Interior, Relações Internacionais e de Defesa, bem como o Ministério para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, então, avalia então as informações e analisa a "situação de ameaça individual" caso a caso.
O Ministério da Defesa alemão examinou 11 casos até o momento, mas em nenhum dos casos os examinadores concluíram que a emigração era justificável. Os ministérios alemães não se dispuseram a fornecer mais detalhes sobre seu critério.
"Um procedimento extra-legal, sem nenhuma transparência, foi estabelecido", diz o advogado Victor Pfaff, que representa alguns funcionários afegãos para a organização de interesse especial Pro Asyl. Pfaff argumenta que de acordo com o Artigo 22 da Lei de Residência Alemã, todo estrangeiro tem o direito de solicitar um visto alemão por "razões humanitárias urgentes", mas que este direito está sendo negado aos afegãos. Em vez disso, diz ele, o governo alemão os está obrigando a um procedimento especial, e com isso está praticamente negando-lhes a possibilidade de tomar medidas legais.
"O mouro fez sua parte e agora o mouro pode ir – isso é inaceitável", diz Elke Hoff, porta-voz da política de defesa do Partido Democrático Livre da Alemanha (FDP), que está tratando das questões que envolvem os funcionários afegãos. "Precisamos de uma solução específica", diz o especialista em defesa do Partido Verde, Omid Nouripour. "Essas pessoas estão sob ameaça porque nos ajudaram", o que resulta numa "obrigação moral". Nouripour acredita que o número de possíveis imigrantes é administrável. Afinal, nem todo funcionário de cozinha que ajudou os alemães terá de fugir do Taleban.
O governo alemão oferece dois principais argumentos em defesa de seus obstáculos. Primeiro, diz Berlin, seria prejudicial para a reconstrução do país se os funcionários dos alemães, que normalmente são bem treinados, fugissem para a Alemanha, o que também seria contrário aos desejos do governo afegão. Em segundo lugar, os alemães apontam que a situação da segurança melhorou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário