Mohammed Morsi |
A luta pelo poder no Egito está esquentando, enquanto o presidente Mohammed Morsi luta para conter a influência do que restou do regime anterior à revolução. Agora, com os juízes da era de Mubarak em greve, os comentadores alemães dizem que o caminho para a democracia parece ainda mais atribulado.
As últimas semanas testemunharam uma crise na revolução da primavera árabe do Egito: manifestações a favor e contra o presidente Mohammed Morsi; ameaças de invalidação da assembleia que redigiu a nova constituição; uma declaração por parte do presidente de estar acima da justiça e agora uma greve do judiciário do país. O sucesso da luta para estabelecer uma nova democracia há muito é questionado.
Os juízes nomeados durante a ditadura de Hosni Mubarak já tinham antes dissolvido o corpo de legisladores eleitos pelo povo. Portanto, era compreensível a preocupação dos líderes da nova guarda que a Suprema Corte Constitucional pudesse invalidar a assembleia dominada por islâmicos que redigiu uma nova constituição para o país. Tal medida teria atrasado a revolução significativamente.
O presidente Morsi procurou reagir aos juízes da era de Mubarak declarando que suas ações estavam acima da revisão judicial. Seus oponentes viram isso como um passo para a ditadura. Para seus partidários, foi uma medida justificada contra um judiciário antidemocrático.
Morsi prometeu entregar seu status acima da Justiça se os eleitores egípcios aprovarem a constituição provisória em um referendo no dia 15 de dezembro. Contudo, seus oponentes, que incluem reformistas seculares e membros da minoria cóptica, não estão inteiramente confortáveis com essa constituição, que mantém o islã como principal fonte de todas as leis. Dezenas de milhares protestaram contra o presidente Morsi e a constituição no final de semana no Cairo e estão prometendo continuar em sua campanha.
Em meio a todo esse tumulto, os manifestantes pró-Morsi reuniram-se diante da Corte Constitucional e impediram a entrada dos juízes. Os juízes responderam entrando em greve e recusando-se a supervisionar o referendo do dia 15 de dezembro.
Na segunda-feira (3), a mídia alemã enfatizou o alto risco que corre o Egito e disse que, enquanto é compreensível que a Irmandade Muçulmana queira minar o judiciário pré-revolucionário, da mesma forma são compreensíveis os protestos contra as ações da Irmandade.
O jornal conservador “Die Welt” escreve: “O Egito está em uma falha entre dois continentes, não apenas geologicamente, e a costa europeia está próxima. O que move o Egito hoje move a região amanhã, e as ondas de choque podem muito bem gerar medo e terror entre os europeus. O futuro do Egito vai indicar para todo o mundo islâmico se a democracia e a vida baseada no Alcorão são reconciliáveis”.
“O ministro de relações exteriores alemão, que tem que dedicar cada vez mais de seu tempo ao Oriente Médio, expressou com palavras duras sua preocupação. Há uma ameaça, disse ele, de uma ‘divisão da sociedade’, ou seja, revolução continuada e provável violência. O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, ameaçou um fim da cooperação econômica e política – como se Bruxelas tivesse outro Egito de reserva.”
“De fato, os europeus devem ser extremamente cautelosos com conselhos não solicitados. As dificuldades materiais que alimentaram o levante contra Mubarak continuam a existir. A falta de trabalho, a frustração e a truculência do regime são forças que podem prolongar a inquietação”.
O jornal de esquerda “Die Tageszeitung” escreve: “As amplas manifestações contra as ações mais recentes do presidente Mohammed Morsi são alimentadas pela frustração e medo entre não islâmicos. As frentes parecem inalteráveis: os círculos políticos islâmicos de um lado, os reformistas seculares e os membros das minorias religiosas do outro.”
“Morsi, que quer ser presidente de todos os egípcios, sente-se injustamente atacado. O antigo regime estava tentando, com a ajuda dos juízes da era Mubarak, deter a revolução, cujas eleições livres colocaram grupos em desvantagem contra os vencedores. E Morsi retomou a velha teoria da conspiração, aquela que diz que poderes estrangeiros estão por trás dos protestos.”
“Isso não equivale a uma contrarrevolução. Em vez disso, os egípcios estão expressando sua profunda desconfiança das autoridades, que nunca os trataram como cidadãos responsáveis. Em troca, o presidente negligenciou a tarefa de deixar o povo tranquilo, de dizer para eles que a nova constituição protege as novas liberdades que antes não existiam e que seu poder absoluto vai durar apenas até a ratificação da constituição, que será votada no dia 15 de dezembro. Com um pouco mais de habilidade da parte dele, os egípcios certamente teriam deixado essas duas semanas passarem sem protestos”.
O “Süddeutsche Zeitung”, de centro-esquerda, escreve: “Os juízes devem obrigatoriamente ser independentes. Arriscar a vida não faz parte de seu trabalho. Assim, é compreensível que os juízes da corte constitucional do Egito tenham sustentado uma decisão sobre o altamente criticado curso de ação tomado pelo presidente Mohammed Morsi, enquanto uma multidão gritava irada. Os capangas de Morsi, reunidos na frente da corte de Cairo, tinham ameaçado incendiar o prédio. O presidente da Irmandade Muçulmana não foi nada respeitoso com o judiciário.”
“Depois da vitória democrática do presidente islâmico do Egito, a comunidade internacional recebeu-o bem. Agora, a Irmandade Muçulmana está se arrogando o direito de tratar os juízes desafetos de Morsi com os métodos das ruas, enquanto elogia a vontade democrática.”
“É verdade, uma provável maioria está por trás do decreto constitucional do presidente, e os juízes da era Mubarak sem dúvida perseguiram uma política de obstrução. Mas tudo isso não justifica derrubar os pilares institucionais do Estado e legitimá-lo com um referendo como ‘democrático’”.
O “Frankfurter Allgemeine Zeitung”, de centro-direita, escreve: “Dos três cenários de como o Egito poderia se desenvolver depois de Mubarak, um está perdendo o sentido: a rebelião por meio de instituições do antigo regime, cujas vidas o novo poder agora está tornando difícil. A maior parte dos egípcios entende que a polícia, antes odiada, sumiu das ruas e que a criminalidade está subindo. E muitos egípcios estão vendo a greve dos juízes da era de Mubarak, que colocaram empecilhos no caminho dos novos detentores de poder, mais como ponto para Morsi do que como declaração moral do judiciário”.
“As velhas instituições não vão desistir de sua resistência tão cedo. Em primeiro plano agora estão os dois outros cenários. A Irmandade Muçulmana não mexe no antigo regime, mas o ocupa com seus próprios seguidores, ou permite que ocorra uma abertura controlada. Morsi alega estar seguindo este último. Mas as evidências sugerem que o primeiro cenário é mais provável”.
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