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quinta-feira, 8 de março de 2012

Sírios feridos em Homs recebem tratamento no Líbano e contam suas histórias


Família de refugiados sírios, que fugiu da violência de Qusair, na Síria, é vista em um abrigo de Bekaa, no Líbano, nesta segunda-feira (5). Desafiando as patrulhas do exército sírio, centenas de pessoas fugiram para o Líbano nas últimas 24 horas para escapar da violência provocada pelos protestos contra o presidente Bashar al-Assad

“Baba Amro não existe mais. O bairro foi devastado, destruído pelo regime. Não há mais água, nem eletricidade, nem mesmo um pouco de arroz”, declara Abou Bakr, 25. O jovem é originário do bastião rebelde de Homs, assim como a maior parte dos feridos que têm chegado ao Líbano desde o fim de fevereiro.

Apoiado em um espesso travesseiro, no quarto de um hospital de Trípoli (no norte do Líbano), Abou Bakr, de barba cuidadosamente feita, escreve “seus pensamentos” enquanto assiste a um programa religioso transmitido pelo canal privado saudita Al-Majd al-Ilmiya. Vendo-o tão composto, quase se esquece que ele foi ferido no joelho direito por estilhaços de granada, no final de fevereiro. Ele, que recebeu os cuidados básicos em Baba Amro, chegou ao Líbano na segunda-feira (5) após dias avançando lentamente na direção da fronteira, escondendo-se das forças regulares.

“Homs é como uma grande casa onde reina a morte. A maior parte dos moradores de Baba Amro fugiu para os bairros vizinhos”, conta Abou Bakr. O jovem não é um civil, como ele disse inicialmente, aconselhado por sírios que coordenam a ajuda aos feridos. Sua robustez e determinação o entregam, antes que ele admita: ele é um combatente da brigada Al-Farouk. O grupo mais poderoso em Homs, ligado ao Exército Sírio Livre (ESL), estava presente em Baba Amro até seu “recuo tático”, no dia 1º de março, e a tomada do bairro pelo regime. Além disso, grande parte dos pacientes do hospital são combatentes.

Hussein, 20, é civil. E um sobrevivente assombrado pelas terríveis imagens que colheu em campo, durante mais de 20 dias de bombardeios intensivos. Originário de Baba Amro, ele fazia parte dos voluntários que levavam os feridos nas ruas do bairro insurgente para as casas, durante os ataques. No final de fevereiro, um casal e seu bebê recém-nascido entraram em um carro. Alguns minutos depois, caiu uma granada. Os três passageiros morreram. Hussein, que avançava na direção do veículo, foi atingido por uma nova explosão, nas costas, no braço direito e no pulmão.

Essa cena, como uma emboscada, é relatada por vários sírios sendo tratados no Líbano: uma primeira granada ou tiro de morteiro são lançados. Alguns minutos se passam. Quando uma silhueta se aproxima para prestar socorro, uma segunda salva é lançada. Hussein, que chegou a Trípoli no dia 1º de março, continua a sorrir apesar de seus graves ferimentos. “Quero voltar para a Síria para ajudar os outros. Depois da revolução, retomarei minha vida antiga: estudante e funcionário na loja da família”, diz.

Já Abou Bakr não esconde seu fervor religioso: “Mas se você nos vê como islamitas porque usamos barba, veja nossa humanidade! Amamos a paz. Fizemos de tudo para os jornalistas estrangeiros. Nós nos recusamos a voltar para uma lógica confessional. Não quero um regime religioso na Síria, e sim um governo que respeite a liberdade de culto.”

“Talvez as correntes islâmicas emerjam após a queda do regime. Mas não é por isso que lutamos, e sim pela liberdade!”, diz um outro combatente do ESL originário de Qusair (aldeia na fronteira libanesa), ferido na perna e tratado em um outro hospital de Trípoli.

Abou Khaled, 40, só pensa em uma coisa: “Deem-nos armas pesadas, para que ataquemos a família Assad! Quero vingar minha filha!” Originário dos arredores de Qusair, esse civil perdeu dois dedos da mão esquerda e seu tímpano esquerdo foi perfurado por um tiro de morteiro. Sua filha, de 7 anos de idade, morreu na hora. “Havíamos saído para comprar pão, de manhãzinha, só isso!”, ele diz, tremendo. “Por que vocês ajudaram os líbios e estão nos deixando morrer?” “Nós também temos petróleo e gás!”, reforça seu vizinho de quarto, Abou Mohammed, civil de 39 anos. Seu olho direito, perdido, está coberto com um curativo.

Não há mulheres nem crianças nesses hospitais. Com exceção de Khaled, 15. O adolescente tem um olhar triste, lúcido, de quem sabe que parte de sua vida ficou para trás. Ele teve sua perna amputada na altura do joelho direito, depois de ter pisado em uma mina ao tentar levar um ferido para o Líbano. Khaled não fala, ele vira a cabeça para a parede. Nesse quarto onde há camas demais, pacientes demais, falta espaço e se fuma para passar o tempo. Ninguém conseguiu falar com seus parentes, nem entre os refugiados de Baba Amro, nem em Qusair, pois as linhas telefônicas não funcionam.

Para esses cerca de 2.000 sírios que chegaram ao Líbano em 2 de março, a trégua no Líbano terminará assim que as feridas se cicatrizarem. Embora suas operações estejam sendo pagas por Beirute, é na verdade com grande discrição. Os jovens dizem estar esperando pela volta, mesmo que temam descobrir os abusos contra civis, na região de Homs, cujos rumores ecoam nos corredores dos hospitais. Eles não acreditam mais nas iniciativas políticas. “É preciso armar o ESL!”, eles repetem, em unanimidade.

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