Tanques franceses na Argélia |
“É um falso aniversário para um falso armistício”, condena Philippe Schmitt, presidente da União Nacional dos Combatentes (UNC). “O 19 de março não é o aniversário do fim da guerra, mas o início dos massacres de europeus e de harkis”. “E os 534 militares mortos após essa data?”, diz.
Para a UNC, comemorar o 19 de março é um insulto a essas vítimas. “Sem fazer um julgamento coletivo sobre essa tragédia, a Fnaca escolheu o cessar-fogo como data histórica”, responde Guy Darmanin, seu presidente. “Essa data foi aprovada por 90,8% dos franceses da metrópole na ocasião do referendo organizado por De Gaulle em 8 de abril de 1962”.
Aos argumentos apresentados pela Fnaca, os anti-19 de março respondem que os acordos de Evian constituem uma derrota política e moral da França, cujo exército foi vitorioso no local. “Seria como comemorar o 24 de junho de 1940”, data da assinatura do armistício entre a França e a Itália fascista, acredita a UNC. “Até hoje”, admite Guy Pervillé, “as datas comemorativas foram escolhidas por serem positivas e agregarem, a exemplo do 11 de novembro de 1918, que reúne tanto nacionalistas quanto pacifistas”.
Cinquenta anos após o fim da guerra da Argélia, a batalha da memória parece longe de estar decidida. Os embates sobre a data de comemoração “escondem um debate ideológico sobre o significado a ser dado à guerra da Argélia”, já declarava o socialista Jean-Pierre Massenet, então secretário de Estado para os ex-combatentes, durante um congresso da Fnaca no dia 1º de outubro de 2000. Assim, em torno do 19 de março há duas memórias da guerra que disputam entre si. Só que “a escolha de uma data é somente uma etapa para a escolha de uma mensagem, entre franceses, e depois entre franceses e argelinos, que pode unir e permitir uma reconciliação”, esclarece Guy Pervillé.
Quando o Estado decidiu, 37 anos depois, dar o nome de “guerra” aos “acontecimentos” passados na Argélia entre 1º de novembro de 1954 e 19 de março de 1962, através da lei de 18 de outubro de 1999, a sequência lógica seria encontrar uma data para marcar seu fim. No ano seguinte, várias propostas de lei, apoiadas pela maioria de esquerda e por representantes da direita, foram apresentadas para oficializar o 19 de março. A aproximação das eleições da primavera de 2002 e as ameaças dos “anti-19 de março” triunfaram sobre a determinação do governo de Lionel Jospin.
Com a volta da direita ao poder, em maio de 2002, “essas propostas de lei caíram no esquecimento”, comenta Guy Pervillé. O presidente Jacques Chirac confiou o cuidado de decisão a uma comissão nacional, dentro da qual o historiador Jean Favier reuniu uma dezena de associações representativas dos combatentes.
Com exceção da Fnaca, um consenso surgiu em torno do 5 de dezembro, aniversário da inauguração do memorial em homenagem aos militares mortos na África do Norte, em Quai Branly, Paris, feita pelo presidente Chirac em 2002. Pelo decreto do dia 26 de setembro de 2003, o 5 de dezembro se tornava Dia Nacional de Homenagem aos “mortos pela França” durante a guerra da Argélia e os combates do Marrocos e da Tunísia. “Para nós, é a data oficial da República Francesa”, diz Philippe Schmitt, que esperava então “que o 5 de dezembro trouxesse uma resposta final a essa questão”. Uma ilusão, pois ter perdido a batalha não convenceu a Fnaca a se resignar.
A teimosia da Fnaca certamente tem a ver com os inúmeros apoios que ela possui entre as autoridades públicas e políticas. Onze dentre vinte regiões, nada menos que 20 mil comunas e algumas personalidades políticas, a exemplo do prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, passaram a apoiá-la, orgulha-se Guy Darmanin. Todo ano eles enviam seus representantes para as comemorações do 19 de março. “O governo diz ter um apreço pela data do 5 de dezembro, mas diversos ministros e parlamentares assistem às comemorações”, critica Thierry Rolando, presidente do Círculo Argelianista.
Toda a ambiguidade da política memorial de Nicolas Sarkozy pode ser medida pela presença de certas autoridades locais, acreditam os anti-19 de março. Uma proposta de lei, similar à enterrada em 2002, foi apresentada ao Senado em 5 de janeiro. “A Fnaca pode conseguir uma mudança de posição oficial se a esquerda vencer a eleição presidencial”, acredita Guy Pervillé.
Embora a maior parte dos candidatos tenha tido o cuidado de não entrar nesse debate, Thierry Rolando não se ilude a respeito do candidato socialista: “Não temos nenhuma esperança em François Hollande. Sabemos que ele é a favor do reconhecimento do 19 de março”.
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