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quinta-feira, 29 de março de 2012

Cúpula da Liga Árabe devolve ao Iraque sua importância regional


Vinte e dois anos depois, Bagdá volta a se vestir de gala para receber uma cúpula da Liga Árabe. Mas, hoje, nada mais é o que foi.

Nem a cidade, nem seus convidados. O esforço de embelezamento realizado pelo Iraque para a ocasião mal esconde as feridas de duas guerras, uma década de sanções, oito anos de ocupação americana e a consequente fratura sectária da sociedade. Os rostos dos visitantes também mudaram, não tanto por causa da passagem do tempo como pelas revoltas que, durante o último ano, desalojaram do poder vários dos protagonistas históricos dessa reunião. Resta ver se os novos atores serão capazes de imbuir de conteúdo a representação que sob o cartel da Síria trata sobretudo do Iraque e do mundo árabe.

"O objetivo da cúpula trata antes de tudo do Iraque", interpreta um embaixador europeu em Bagdá. Sem dúvida, trata-se de um triunfo pessoal para o primeiro-ministro Nuri al Maliki, que, no ano passado, com as revoltas árabes, foi obrigado a cancelar o encontro. Agora, depois do êxito interno em neutralizar seus rivais políticos do Iraqiya, chegou por fim o momento de reivindicar o peso exterior que corresponde ao País dos Dois Rios, a antiga Mesopotâmia que o tira-linhas britânico transformou em Estado moderno em 1932. A última vez que o Iraque hospedou uma cúpula árabe foi em 1990, pouco antes de Saddam Hussein invadir o Kuwait e conquistar a marginalização internacional.

Bagdá tenta agora salientar seu reingresso no circuito árabe, baixar o nível de tensão na medida do possível e equilibrar a balança entre seus vizinhos sunitas e o Irã. O problema, na opinião do diplomata, é que "a agenda contém assuntos que são atualmente insolúveis". Só um é suficiente para pôr em destaque os desafios e as contradições que enfrenta a cúpula e os árabes em geral: a Síria. "Tem de haver uma solução política, mudanças constitucionais e políticas fundamentais para uma transferência de poder, mas através de um processo promovido de dentro da Síria com a ajuda da comunidade internacional", declarou o ministro iraquiano das Relações Exteriores, Hoshiyar Zebari.

Suas palavras expressam a quadratura do círculo. Quando se reunirem nos remoçados salões do Palácio Republicano, às margens do Tigre, os líderes árabes não vão pedir que Bashar al-Assad deixe o poder. Embora em novembro passado tenham concordado com sua suspensão temporária da Liga, não há consenso para ir mais longe. A brutal repressão com que Assad reagiu aos protestos populares (9.000 mortos desde março do ano passado, segundo a ONU) levou o seu antigo aliado Catar e a Arábia Saudita a pedirem que a oposição se arme. No entanto, o Iraque, que compartilha uma fronteira de 600 quilômetros com a Síria, treme diante dessa possibilidade.

A oposição síria é, pelo mero peso da demografia, substancialmente sunita. Sua eventual ascensão ao poder em Damasco encorajaria os sunitas iraquianos, uma minoria marginalizada na nova ordem política saída da invasão americana e da derrubada de Saddam. Al Maliki, membro da majoritária comunidade árabe xiita do Iraque, governa com o apoio da minoria curda, e os sunitas o acusam de sectarismo. O assunto preocupa seus outros vizinhos árabes (majoritariamente sunitas), especialmente em um momento em que a rivalidade com o Irã xiita beira máximos históricos.

Por isso Al Maliki, que mantém excelentes relações com Teerã, evitou o convite de cortesia a seu poderoso vizinho oriental. Daí também que não esteja na agenda da cúpula o conflito entre a oposição (majoritariamente xiita) de Bahrein e sua monarquia sunita. E algumas das ausências.

Mas se as divisões foram uma constante desse fórum árabe, as novas linhas de fissuras são fruto do terremoto que sacudiu no ano passado esta região geopolítica. Basta um olhar para a foto de família com que, em 28 de março de 2010, se encerrou a 22ª cúpula em Sirte (Líbia) para compreender a mudança. O então anfitrião, Muammar Gaddafi, morreu degolado nas mãos dos amotinados líbios em outubro do ano passado; o egípcio Hosni Mubarak está sendo julgado pela matança de civis durante as manifestações contra seu governo; o tunisiano Zine el Abidine Ben Ali se encontra refugiado na Arábia Saudita; o iemenita Ali Abdalah Saleh aceitou transferir o poder diante do risco de acabar como algum dos anteriores, e os demais autocratas se viram obrigados a realizar mudanças para se manter no poder.

Nos países em que se realizaram eleições venceram os islâmicos, que até agora estavam afastados do poder. Resta ver de que forma esses novos representantes vão influir nessa instituição imbuída durante meio século de ideologia nacionalista árabe. Reidar Visser, especialista em Iraque e autor de historiae.org, dedicado a seu estudo, opina que Bagdá "deseja voltar-se para esses países às custas dos Estados conservadores do Golfo".

O governo iraquiano gastou US$ 500 milhões para melhorar as instalações hoteleiras e outras infraestruturas (incluindo US$ 1 milhão para flores). Mas sobretudo fez um enorme esforço de segurança que inclui a mobilização de milhares de policiais e soldados em Bagdá, a paralisação da cidade, cujos habitantes receberam uma semana de férias, e o fechamento do espaço aéreo de segunda-feira até sexta. Mas mesmo assim só conseguiu o compromisso de participação de oito chefes de Estado, que passarão apenas 12 horas no país. A maioria das 22 mansões acondicionadas para abrigar os mandatários ficará vazia, como a própria essência da Liga.

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