Nicolas Sarkozy |
Aparentemente, os franceses se cansaram das travessuras do presidente Nicolas Sarkozy. As pesquisas indicam que François Hollande, o socialista da vida toda, tem chances de derrotar o candidato que está no governo. Isso marcaria uma mudança significativa para a França – do exibicionismo para a normalidade constante.
O candidato estava aprisionado em um paradoxo, mas não pareceu notar. Vestindo as cores azuis clássicas da república francesa para celebrar a ocasião, François Hollande assinou o “Pacto de Igualdade do Homem e da Mulher” em uma sala na Assembleia Nacional em Paris, na última terça-feira (04/10).
Ao assinar o documento, ele estava prometendo lutar por representação igual dos gêneros nos cargos públicos. Mas Hollande, que foi por muito tempo presidente do Partido Socialista francês, está atualmente fazendo o seu melhor para derrotar duas rivais pela honra de concorrer contra o presidente Nicolas Sarkozy nas eleições presidenciais de abril de 2012.
A votação decisiva para Hollande ocorrerá neste domingo (9), quando os franceses votarão nas primárias – abertas a todos os eleitores – para determinar o candidato socialista que desafiará o presidente. As pesquisas de opinião mostram que Hollande, 57, é o franco favorito, à frente de Martine Aubry, 61, e Ségolène Royal, 58, assim como três outros candidatos do sexo masculino.
Hollande, que tem sido fiel servidor do partido desde os tempos gloriosos do ex-presidente François Mitterrand, tem muitas chances de levar a esquerda de volta ao cargo máximo do país, após 17 anos e três derrotas consecutivas. De acordo com recente pesquisa, 48% dos franceses têm mais confiança em Hollande do que em Sarkozy para resolver a atual crise econômica e financeira do país, enquanto 28% têm mais confiança em Sarkozy. Os resultados da pesquisa são impressionantes, já que Hollande nunca teve um cargo ministerial na França.
“Trauma”
De fato, o atual índice de popularidade de Sarkozy está tão
baixo que a direita está em pânico. Nas eleições da semana passada eles
perderam o controle do Senado – um corpo que os conservadores na França
controlaram desde que a Quinta República veio ao mundo, em 1958. Foi “mais do
que uma derrota – foi um trauma”, concluiu Hollande. O Senado, a segunda câmera
parlamentar da França, é mais representativo das cidades pequenas e das
províncias na França rural. Como regra, é um bastião do conservadorismo, um
lugar onde sobrevive a versão mais nostálgica da França, com todos seus
clichês. A eleição para o Senado mostrou que, se as áreas tradicionalmente
conservadoras rurais estão abandonando Sarkozy, ele pode estar em grande
dificuldade.
Colegas do partido sugeriram cautelosamente que o presidente
deveria se recusar a concorrer novamente e abrir caminho para candidatos
potencialmente mais promissores, como o primeiro-ministro, François Fillon, ou
o ministro de Relações Exteriores, Alain Juppé. Contrariando suas características,
Sarkozy nada respondeu. Aparentemente quer concentrar suas atenções na crise do
euro. Ele também vai receber os líderes do G-20 em uma reunião em Cannes, no
início de novembro. Nesta ocasião, sua mulher, Carla Bruni, terá tido seu
primeiro filho- o que pode gerar alguma simpatia para Sarkozy, como o primeiro
a ter um filho no Palácio do Elysée.
Hollande, de sua parte, não acredita que Sarkozy se retirará
da disputa. Ele sabe que ele e Sarkozy sabem superar momentos difíceis. E ele
está tentando transmitir aos seus colegas socialistas em júbilo que suas
esperanças de vitória no ano que vem não podem depender totalmente da
autodestruição de Sarkozy.
As próprias primárias do partido, de fato, são mais
desafiadoras do que sugerem as pesquisas. Aubry e Royal, as duas mulheres que
Hollande precisa derrotar, são rivais de primeira classe. E as duas têm contas
a acertar com Hollande. Royal como sua ex-mulher e Aubry como rival de longa
data dentro do partido. As duas acumularam experiência de governo sob
presidentes anteriores, como Mitterrand e Lionel Jospin; Hollande não tem esse
tipo de experiência. As duas demonstraram que possuem instintos assassinos
quando assumiram seus cargos; Hollande não. As duas são políticas com objetivos
e profundamente motivadas; Hollande não parece se incomodar em tomar uma rota
menos direta para alcançar seus propósitos.
Receptivo e sempre sorrindo
Sua imagem de homem receptivo, sempre sorrindo, um tático
inteligente ao lado de políticos mais proeminentes, não o protegeu contra
inúmeras flechas envenenadas. Aubry, filha do peso pesado político europeu
Jacques Delors, chamou-o de “maricas”. Aubry nunca perdoou Hollande por
procurar se retratar como herdeiro político do pai dela após a volta de Delors
em 1994 de Bruxelas após servir três mandatos como presidente da Comissão
Europeia.
Royal, por outro lado, mãe de seus quatro filhos e sua
parceira por 30 anos antes de deixá-lo pelo jornalista do “Paris Match” Valérie
Trierweiler, se ressente dele por uma dupla traição – no amor e na política. Há
cinco anos, em sua posição de líder do partido, ele fez tudo o que pode para
dissuadi-la de concorrer à presidência contra Sarkozy. Os rumores são de que
ela se ofereceu a não concorrer se ele deixasse sua nova amante – um acordo
romântico que nunca se materializou.
Hollande, que é advogado, conheceu Royal quando os dois eram
estudantes na universidade de elite ENA. Durante a maior parte do
relacionamento, Hollande se viu objeto de escárnio público. Os franceses o
chamavam de “senhor Royal” – sua carreira não tinham o menor glamour, enquanto
sua mulher se tornou ministra, diretora do conselho regional e mais tarde
candidata à presidência.
Hollande teve um cargo na corte francesa, foi assessor do
secretário de imprensa do ex-primeiro-ministro Pierre Mauroy e se tornou membro
do conselho na cidade francesa de Ussel. Ele foi membro do Parlamento e depois
se tornou professor universitário e secretário do partido para questões
econômicas. Ele assumiu seu cargo político mais importante, a presidência do
Partido Socialista, em 1997. Com esse currículo, não surpreende que poucos o
levassem a sério.
Sua baixa estatura (Hollande tem 1,71 m – o que o torna 3 cm
mais alto do que Sarkozy) também ajudou a torná-lo objeto de humor. Ele se
tornou um personagem cômico em um programa de bonecos do canal de televisão
“Canal+”. Após perder 15 kg e deixar de lado sua figura arredondada jovial, o
boneco que fazia o papel de Hollande na TV estava constantemente desmaiando de
fome.
Por trás da máscara
Mesmo tendo perdido peso, Hollande tornou-se mais centrado.
Hoje ele brinca falando que não é fácil de derrubar por causa de seu baixo
centro de gravidade. Amigos dizem que ele sofre com as intrigas e zombarias,
mas que esconde suas emoções por trás de uma máscara de alegria. Hollande é um
político profissional, sem um ego exagerado. Diferentemente de Sarkozy ou do
ex-diretor do Fundo Monetário Internacional Dominique Strauss-Kahn, parece
haver pouca chance que Hollande possa sucumbir ao escândalo.
De fato, tudo indica que a França pode estar se inclinando
para eleger um presidente “normal”. Tal coisa parece quase impossível para um
país que há muito mostra uma preferência para líderes mais exuberantes. Ou
visionários, como Charles de Gaulle. A mensagem de Hollande, por contraste, é
muito simples: o que há de errado como menos brilho? Os sucessores de De
Gaulle, de Mitterrand a Jacques Chirac, por fim se enrolaram em uma rede de
escândalos, dinheiro, mentiras e nepotismo, que algumas vezes os fizeram
parecer mais com chefões da máfia do que com estadistas de visão.
A França tem um temor não dito de seguir os passos da Itália
– econômica, cultural e politicamente.
Um político não carismático poderia ajudar a evitar essa
ameaça. Royal assumiu ares de pregadora de televisão fundamentalista, buscando uma
conexão mística com o povo. Aubry é brusca e cortante. E Sarkozy encarna tudo
que o país abomina profundamente: instabilidade, modernidade, globalização e
neoliberalismo. Ele pode ser tudo, menos pé no chão.
Um partidário inesperado
Aubry, Royal, Hollande e Sarkozy estão competindo em um
espectro da direita à centro-esquerda, no qual todas as nuances diferenciam os
candidatos. Hollande, por exemplo, quer tirar a França da armadilha da dívida
evitando as falhas na arrecadação de impostos, e assim gerar 50 bilhões de
euros em receita adicional. Se tal plano é realista não se sabe; todo grupo
afetado sem dúvida defenderia seu viés até o último euro. Além disso, o
economista Nicolas Baverez calculou que a França precisa levantar 120 bilhões
de euros em quatro anos para embarcar no caminho da reabilitação.
Isso não impediu Hollande de anunciar programas caros. Ele
quer criar, por exemplo, 60 mil novos empregos públicos nas escolas francesas
nos próximos cinco anos. Professores, que entraram em greve em todo o país na
última terça-feira para protestar contra o corte de empregos, têm sido o bloco
mais forte da esquerda no último século. O ex-ministro da educação Claude
Allègre caracteriza a proposta pouco realista de Hollande como “pura
demagogia”.
O mesmo provavelmente se aplica ao seu plano de “contratação
da nova geração”, sob o qual a empresa que contratar um jovem e mantiver um
funcionário mais velho até a aposentadoria poderia economizar em suas
contribuições para a previdência social dos dois empregos. Aubry criticou o
plano por ser caro e ineficiente.
Hollande também quer reduzir a partilha nuclear da matriz de
eletricidade francesa de 75% hoje para 50%. Diferentemente de Aubry, Hollande
evitou prometer a eliminação da energia nuclear inteiramente no longo prazo.
As inseguranças de uma nação
Hollande é tão “maleável que ele algumas vezes chega ao
oportunismo”, disse o ex-primeiro-ministro Jospin sobre seu antigo companheiro.
A indecisão de Hollande se tornou uma estratégia de sobrevivência em seus 30 anos
de trabalho dentro do partido. Seu filho mais velho, Thomas, descreveu da
seguinte forma a flexibilidade do pai: “Quando você está na sala com ele, você
sente que há 10 portas abertas em torno dele e você nunca sabe qual ele vai
tomar.”
Ridicularizado e criticado, perspicaz e indefinido.
Sofisticado e casca-grossa: o que há neste homem, que o ex-primeiro-ministro
Laurent Fabius chamou de “brincalhão”, que permite que ele se conecte com os
temores e esperanças, desejos e inseguranças da nação na hora certa?
Hollande personifica uma imagem nostálgica e idealizada da
França, de um passado que é invocado em vários filmes franceses, tais como
“Amélie”. Os personagens desses filmes são pessoas ordinárias em um ambiente
que não foi destruído pelo progresso.
“É uma rejeição da vida moderna, do consumo em massa, da
tecnologia e do liberalismo”, diz o historiador Antoine de Baecque. A França
tem sido um dos países mais pessimistas do mundo desde meados do século 19, diz
o historiador Marc Ferro. “Esses filmes servem de antídoto”.
Hollande pode ser um personagem desses filmes: um gaulês
habilidoso que desafia as atribulações apresentadas pelo destino. Não é
coincidência que ele foi comparado a Raymond Poulidor, o “eterno segundo lugar”
no Tour de France, que se tornou figura popular precisamente porque nunca foi
primeiro.
Apoio de Chirac
Sarkozy passou a acreditar que Hollande é seu mais perigoso
concorrente e prefere disputar contra Aubry. Ela personifica o lado mais
agressivo do socialismo, enquanto Hollande tem um efeito calmante nos eleitores
mais velhos e na classe média. As frentes políticas mudaram de constelação. “As
eleições presidenciais não são sobre a diferença entre direita e esquerda, mas
entre moderno e conservador”, dizem os planejadores de Sarkozy. Eles veem seu
candidato no papel de reformista e Hollande no de conservador.
Jacques Chirac nunca apreciou a agitação de seu sucessor e
colega de partido Sarkozy. Agora sofrendo com os primeiros estágios de
demência, Chirac é amado pelos franceses como um tio rico – e ele deu suas
bênçãos a Hollande. Durante uma visita conjunta ao Museu Presidencial Jacques
Chirac em Sarran, no centro da França, Chirac estava notavelmente amigável ao
socialista, que representou as eleições de um distrito rural aqui no departamento
de Corrèze por mais de 20 anos. Como se estivesse aparecendo com seu próprio
filho, o ex-presidente subitamente disse: “Votarei nele.”
Hollande, perplexo, já que combateu Chirac desde que entrou
na política, assinalou para que ele fosse cauteloso, porque os microfones
estavam ligados e as câmeras também. Em vez disso, o ex-presidente voltou-se
aos jornalistas e disse: “Posso lhes dizer que vou votar em Hollande”.
Quando Sarkozy ouviu falar do incidente, teria ficado tão
furioso que a filha de Chirac Claude fez uma visita a ele no Palácio do Elysée
em um esforço para acalmá-lo.
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