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domingo, 17 de outubro de 2010

Otan não quer mais ser a polícia do mundo

A Otan está elaborando um novo conceito estratégico para enfrentar os desafios do século 21. Mas enquanto a Alemanha gostaria de ver um maior compromisso com o desarmamento nuclear, os Estados Unidos e a França insistem que um novo escudo antimísseis não substitui o dissuasor nuclear.

Faz mais de uma década desde que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar ocidental, apresentou sua última declaração de missão. Em 1999, a Guerra Fria ainda estava fresca na memória e os ataques terroristas do 11 de Setembro ainda não tinham levado ao envolvimento da Otan no Afeganistão. Agora, diante de uma série de novos desafios e inimigos potenciais, a aliança está trabalhando em um novo conceito estratégico.

Na quinta-feira, os ministros da defesa e relações exteriores dos 28 países membros se reuniram em Bruxelas para discutir a minuta da declaração de missão que será adotada na próxima reunião de cúpula da Otan, em novembro.

O secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rassmussen, disse que a aliança caminha para a aprovação de um sistema antimísseis que protegeria a Europa e que ele espera pela cooperação da Rússia na criação do escudo, projetado para proteger a Europa de possíveis ataques de mísseis de países como a Coreia do Norte ou o Irã. O sistema substitui um plano americano, concebido pelo ex-governo Bush, de posicionamento de sistemas de defesa antimísseis no Leste Europeu, um projeto que provocou a ira de Moscou e incomodou muitos dos aliados de Washington.

Ainda existem algumas tensões em torno do novo escudo, com a França dotada de armas nucleares, em particular, alertando contra vê-lo como um substituto para a dissuasão nuclear existente. Isso coloca Paris em desacordo com Berlim, que defende a promoção do desarmamento nuclear. Antes da reunião de quinta-feira, o ministro das Relações Exteriores alemão, Guido Westerwelle, tornou a questão do desarmamento –e o desejo da Alemanha de se livrar das ogivas nucleares americanas remanescentes– um componente importante de sua política externa.

Na quinta-feira, a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, se manifestou contra a remoção das 200 armas nucleares americanas remanescentes na Europa e insistiu que enquanto existirem armas nucleares, a Otan deve permanecer uma aliança nuclear. Clinton também pediu por uma maior cooperação com a Rússia e disse que espera que o presidente Dmitri Medvedev esteja presente na cúpula de novembro, em Portugal.

Os jornais alemães avaliaram na sexta-feira a nova abordagem e desafios da Otan.

O jornal de negócios “Handelsblatt” escreveu:

“O tom otimista que acompanhou a reunião dos ministros da defesa e relações exteriores dos 28 países membros da Otan visava indicar que tudo vai esplendidamente bem na aliança ocidental. Nos últimos anos, disputas em torno da expansão, envio de tropas para fora da área da aliança e novas ameaças levaram a Otan a perder de vista qual era seu propósito. Agora, um final para a crise de identidade foi declarado. A Otan, entretanto, só será bem-sucedida com um retorno de forma determinada ao familiar: a defesa mútua.”

“O novo conceito estratégico da aliança tem a marca inconfundível do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. A Otan deve servir como uma defesa coletiva e buscar uma cooperação de confiança com a Rússia –incluindo um escudo antimísseis conjunto– e, uma novidade, a possibilidade de desarmamento e exploração de formas civis de prevenção de conflito.”

“A França, entretanto, não será convencida ou pressionada a ceder ao desarmamento nuclear –um assunto favorito do ministro das Relações Exteriores alemão.”

“Mas há uma coisa que a Otan não mais deseja ser: a polícia do mundo. As discussões sobre se a aliança deveria se transformar no xerife global acabaram. O envolvimento desastroso no Afeganistão, que apenas prossegue para manter as aparências, provocou um rápido fim para essa discussão persistente. A aliança se aterá à sua tarefa principal: garantir a defesa dos membros da aliança.”

O “Frankfurter Allgemeine Zeitung” de centro-direita escreveu:

“A Otan deu a si mesma bastante tempo para chegar a um novo conceito estratégico. Ele será decidido na cúpula em novembro. (...) Os ministros da defesa e relações exteriores já concordaram em grande parte com a minuta, superando assim um importante obstáculo.”

“A facilidade com que aconteceu se deve em grande parte ao presidente americano. Obama já tinha removido as maiores barreiras. A ideia de um sistema de defesa antimísseis americano ancorado em acordos bilaterais com países europeus individuais, escolhidos para receberem partes do escudo, está fora da mesa. Agora se trata de um sistema de defesa mútuo da Otan. (...) É bom ver que Berlim agora fala com uma só voz: as reservas do Ministério das Relações Exteriores aparentemente puderam ser eliminadas, devido ao elo feito com o desarmamento e a sinalização de cooperação com a Rússia.”

“Resta a questão espinhosa do ímpeto antinuclear alimentado pela visão de Obama de um mundo livre de armas nucleares. Isso preocupa em particular a França, que vê sua dissuasão mínima (e seu status internacional) ameaçada. O ministro das Relações Exteriores, Westerwelle, faria bem em não pressionar continuamente este ponto dolorido da França.”

O “Berliner Zeitung” de esquerda escreveu:

“O trabalho no novo conceito estratégico da aliança cria um quadro de harmonia. A nova declaração de missão supostamente apresentará o significado e propósito da Otan no início do século 21. Ainda há debates sobre como melhor definir as políticas em relação à Rússia ou a questão de quão longe a França, como potência nuclear, está disposta a ir em relação ao desarmamento nuclear. Mas, graças à condução inteligente do secretário-geral, não ocorreu nenhum grande conflito.”

“O valor desta nova estratégia, entretanto, é limitado. (...) O mundo está mudando rapidamente. No momento as relações com a Rússia estão relativamente tranquilas. Mas elas não necessariamente permanecerão assim. E o maior desafio, a China, não é mencionado no documento. Apesar dos membros da Otan estarem apreciando uns aos outros no momento, é preciso não esquecer que eles já atingiram o limite de sua capacidade no Afeganistão. Se voltarem para casa com a reputação ainda mais arruinada devido a essa guerra, então uma nova insegurança se espalhará pela aliança. Nenhum conceito estratégico resolverá isso.”

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