Em uma tentativa de enxugar suas forças armadas e ajudar a reduzir sua intimidante dívida pública, o governo britânico anunciou na terça-feira seus planos para reduzir o número de pessoal militar em 10%, descartar 40% dos tanques e artilharia do Exército, retirar todas suas tropas da Alemanha em 10 anos e demitir 20 mil funcionários públicos civis de seu Ministério da Defesa.
Ao apresentar sua Revisão da Estratégia de Defesa e Segurança, a primeira desde os ataques de 11 de setembro de 2001, o primeiro-ministro David Cameron disse que os cortes fazem parte de um esforço para reconfigurar as forças armadas, que ele chamou de “exigidas além de sua capacidade, mal equipadas e despreparadas” para os desafios de guerra não convencional do futuro. Ele acrescentou que o Reino Unido pretende permanecer uma potência militar significativa, com um orçamento militar que ainda assim seria menor apenas do que os dos Estados Unidos, China e Rússia.
“O Reino Unido estava lutando mundialmente em uma categoria acima do seu peso, e não devemos ter uma ambição menor para nosso país nas futuras décadas”, ele disse.
A nova postura da Defesa também pede pelo abandono imediato do Ark Royal, o único porta-aviões britânico capaz de lançar jatos com asas fixas, juntamente com toda uma frota de jatos Harrier da Marinha Real e da Força Aérea Real desde os anos 70. O fim do Ark Royal, cujo nome remete ao navio capitania da armada que derrotou a armada espanhola em 1588, significa que o Reino Unido ficará 10 anos sem uma força de ataque lançada por porta-aviões até que um de seus dois novos porta-aviões seja equipado com uma nova geração de Joint Strike Fighters em 2020.
O governo disse que seguirá em frente com os planos para construção de ambos os porta-aviões, a um custo de cerca US$ 9,5 bilhões, apenas porque seria ainda mais caro cancelar um deles, já que ambos já estão em construção. Mas após três anos em serviço, um dos navios será desativado ou vendido.
A decisão de abandonar uma força de ataque a partir de porta-aviões causou consternação entre os veteranos da Marinha, analistas militares e outros que se juntaram ao Partido Trabalhista de oposição nas críticas ao governo Cameron, de que este apressou a revisão da Defesa para atender às necessidades de seu programa geral de austeridade.
Ed Miliband, o líder trabalhista, disse a Cameron na Câmara dos Comuns que a revisão da política de defesa foi “motivada por considerações de curto prazo” e que “simplesmente não era crível como mapa para nossas futuras necessidades de defesa”.
Cameron sofreu críticas ainda mais fortes em um centro de comando militar no noroeste de Londres. Lá ele foi confrontado por um piloto de uma força Harrier da Marinha, o comandante Chris Ward, que disse que realizou 140 missões de combate sobre o Afeganistão e agora se vê sob risco de desemprego.
Suas críticas repetiram as de seu pai, Sharkey Ward, que realizou missões de combate durante a Guerra das Malvinas (Falklands) em 1982. Ele disse para a “BBC” que o Reino Unido poderá se arrepender de ficar sem jatos lançados de porta-aviões na próxima década, caso surja um desafio militar semelhante.
“É possível dizer sem dúvida que os Sea Harriers asseguraram nosso sucesso nas Falklands”, ele disse.
Cameron também anunciou que o governo adiaria em cinco anos a construção de uma nova frota de submarinos com mísseis nucleares Trident, que agora constituem a dissuasão nuclear britânica. A primeira de uma nova classe de embarcações só deverá entrar em serviço em 2028. Ao adiar a decisão final sobre os novos submarinos até 2016, Cameron evitou convenientemente um confronto dentro de seu governo de coalizão sobre se o Reino Unido deve manter ou não uma força de ataque nuclear.
No geral, o plano do governo envolverá um corte em etapas, ao longo de quatro anos, de cerca de 8% em termos reais no orçamento anual da Defesa do Reino Unido, de aproximadamente US$ 59 bilhões. Isso representa significativamente menos do que os 10% a 20% que estavam sendo discutidos até o mês passado, quando o ministro da Defesa, Liam Fox, escreveu uma carta confidencial para Cameron –que vazou rapidamente para os jornais britânicos– insinuando que ele poderia renunciar caso os cortes não fossem reduzidos.
A pressão de Fox em relação aos cortes da Defesa parece ter sido ajudada pelas preocupações expressadas, às vezes publicamente, por altos funcionários do governo Obama, incluindo o secretário de Defesa, Robert Gates, e a secretária de Estado, Hillary Rodham Clinton. As autoridades americanas, juntamente com altos comandantes militares americanos, incluindo o general David H. Petraeus, o alto comandante americano e da Otan no Afeganistão, temiam que os cortes poderiam atrapalhar a capacidade do Reino Unido de ajudar as forças americanas em conflitos ao redor do mundo, inclusive no Afeganistão.
A escala mais modesta dos cortes militares colocou uma tensão adicional ao esforço geral do governo de economizar mais de US$ 130 bilhões por meio de cortes de gastos até 2015, um compromisso que exigirá que outros ministérios realizem cortes de 25% em média.
Os detalhes desses cortes –o programa de austeridade mais severo adotado por qualquer governo britânico desde a Segunda Guerra Mundial– serão anunciados por George Osborne, o ministro das Finanças, em uma declaração à Câmara dos Comuns do Parlamento britânico na quarta-feira. Eles deverão provocar meses, talvez anos, de controvérsia política e possivelmente inquietação trabalhista.
Para Cameron, 44 anos, que lidera uma coalizão potencialmente volátil entre seus conservadores e um bloco minoritário de liberais, ficar ao lado de Fox nas disputas do Gabinete em torno dos cortes provou ser uma experiência desgastante. Ele disse nos últimos dias que os cortes militares foram “a coisa mais difícil” que ele teve que fazer desde que assumiu o governo.
O programa do governo Cameron para reduzir o déficit do Reino Unido mais rapidamente do que os demais países ocidentais, entrou em conflito com os apelos do governo Obama aos seus aliados, para não colocarem em risco a fraca recuperação econômica dos últimos 18 meses ao realizarem cortes de gastos rápido demais.
Talvez por causa disso, assim como as preocupações americanas com a força militar britânica, Cameron telefonou para o presidente Barack Obama na terça-feira, pouco antes de anunciar os cortes na defesa. Um porta-voz de Downing Street disse que o líder britânico prometeu a Obama que o Reino Unido “permanece uma potência militar de primeira classe e um aliado robusto dos Estados Unidos”.
O primeiro-ministro também ofereceu garantias a respeito do compromisso do Reino Unido no Afeganistão, onde conta com 10 mil soldados, atrás apenas dos 100 mil soldados dos Estados Unidos. Em sua declaração à Câmara dos Comuns, Cameron disse que não haverá cortes no financiamento do esforço no Afeganistão, e que prestou atenção aos chefes de defesa britânicos toda vez que o alertaram sobre como uma redução proposta poderia atrapalhar o esforço de guerra. Ele também prometeu mais dinheiro para novos transportes blindados e helicópteros, e assumiu o compromisso de fortalecer e reequipar as forças especiais britânicas, que exerceram um grande papel de combate, mesmo que pouco divulgado, no Afeganistão e no Iraque.
Todos os três braços das forças britânicas sofrerão grandes perdas de pessoal com os cortes. Com um tamanho geral de aproximadamente 175 mil homens –aproximadamente o tamanho do Corpo de Marines americano– o Exército perderá 7 mil soldados, com a Marinha e a Força Aérea perdendo 5 mil cada. Mas Cameron disse que o Exército ainda seria capaz de colocar ao menos 7 mil soldados em combate no exterior, uma redução em comparação ao teto atual de 10 mil, com uma capacidade “única” de colocar em campo 30 mil soldados para uma “grande operação”, caso surja a necessidade.
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