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terça-feira, 12 de outubro de 2010

Polícia brasileira tenta um toque brando nas favelas

Leonardo Bento ansiava por vingança após um policial ter matado seu irmão há cinco anos. Assim, quando ele soube que a nova “polícia pacificadora” na favela Cidade de Deus estava oferecendo aulas gratuitas de caratê, Bento se inscreveu, na esperança de que ao menos bateria no professor de caratê.

Mas aconteceu o inesperado. Eduardo da Silva, o professor da polícia, o conquistou com humor e um aperto de mão. “Eu percebi que o policial diante de mim era apenas um ser humano, não o monstro que eu imaginava na minha cabeça”, disse Leonardo, 22 anos.

Anos de ódio e desconfiança estão degelando em algumas das favelas mais violentas do Rio. Pressionadas a reduzir as preocupações com a segurança antes de a cidade sediar dois grandes eventos internacionais –a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016– as autoridades do Rio implantaram um plano ambicioso para assumir o controle das favelas, há anos sob controle de impiedosas gangues do narcotráfico e seus armamentos pesados e terror abjeto.

A polícia pacificadora é central para esse esforço, ocupando a favela após a polícia militar limpar as ruas em batalhas armadas que podem durar semanas. O trabalho dela é parte policiamento tradicional, parte trabalho social. Ela se dedica a conquistar moradores marcados por décadas de violência –parte dela pelas mãos da polícia. E as dicas fornecidas para ela por aqueles que apóiam seus esforços a ajuda a manter uma relativa paz.

Por décadas, a Cidade de Deus –cujo passado brutal foi imortalizado em um filme de 2002– foi um dos bairros mais temidos da cidade, tão perigoso que até mesmo a polícia raramente ousava entrar lá.

Mas esses dias parecem coisa do passado. O narcotráfico permanece, e em pelo menos uma área, pessoas de fora só podem entrar com permissão dos jovens locais que patrulham as ruas.

Ainda assim, os homens empunhando armamento pesado se foram, ou ao menos não estão mais visíveis. E a vida está retornando às ruas.

As crianças agora brincam do lado de fora sem medo de balas perdidas. Elas pulam corda e jogam tênis de mesa com raquetes feitas de piso de madeira. Partidas de futebol, antes violentas, se tornaram mais civilizadas, com os policiais às vezes participando dos jogos.

Mas quase dois anos após a chegada das novas unidades policiais, muitos moradores nesta comunidade de 120 mil pessoas ainda têm dificuldade para aceitar que os 315 policiais que trabalham ali, em turnos de 12 horas, não são mais o inimigo. Outros apreciam a calma, mas desconfiam dela, temendo que a força policial –formalmente chamada de “Unidade de Policia Pacificadora”– deixará o local assim que os Jogos Olímpicos terminarem.

“Ninguém gosta da gente aqui”, disse o policial Luis Pizarro durante uma patrulha noturna recente. “Às vezes é frustrante.”

Pizarro e dois outros patrulhavam ao longo de um córrego estreito, entupido de lixo e fedendo a dejetos humanos e animais. Famílias se reuniam em torno de fogueiras improvisadas, mulheres dançavam samba enquanto homens bebiam cachaça. Quase ninguém acenava ou cumprimentava os policiais, que caminhavam por um beco repleto de papel multicolorido, utilizado para embalar crack e cocaína.

“Lá vai a Tropa de Elite”, disse um homem em uma porta, rindo enquanto os três policiais passavam.

Não é difícil entender a hostilidade. Por décadas, as autoridades do governo se recusaram a assumir a responsabilidade pelas favelas. Quando as gangues do narcotráfico formaram grandes arsenais, ficou mais difícil para a polícia entrar sem tiroteios pesados. Os moradores se ressentem da polícia por abandoná-los, além de detestá-la pela brutalidade que marca seus assaltos sangrentos.

Sem uma presença policial diária, os serviços públicos sofrem e médicos e outros profissionais começaram a evitar as favelas por motivos de segurança. Os chefões do narcotráfico se tornaram juízes e júris.

“As pessoas não tinham coragem” de retomar as favelas, disse José Mariano Beltrame, que assumiu a Secretaria de Segurança Pública do Rio em 2007. “As pessoas preferiam varrer a sujeira para baixo do tapete para evitar problemas.”

As favelas raramente se entregam sem luta. Pelo menos oito pessoas morreram na Cidade de Deus em 2008, nas incursões iniciais da polícia. A expectativa é de que essas batalhas se tornem cada vez mais disseminadas à medida que a polícia realizar incursões em novos bairros. Até o momento, ela instalou 12 unidades pacificadoras, cobrindo 35 comunidades. Mas Beltrame planeja estabelecer unidades em 160 comunidades até 2014, inclusive em favelas como a Rocinha e o Complexo do Alemão, que são maiores do que a Cidade de Deus.

Em uma noite recente de domingo, poucas dezenas de jovens caminhavam livremente na Rocinha com fuzis e metralhadoras. Um carregava um pequeno lançador de foguetes.

Muitos chefões de gangues das favelas ocupadas pela polícia fugiram para o Complexo do Alemão, disse a polícia. Beltrame disse que provavelmente não dispõe de efetivo suficiente para ocupar uma dessas favelas neste ano, a chamando de uma “operação complexa”. Ele disse não poder garantir que ninguém morrerá.

Mesmo com os desafios violentos à frente, muitos moradores do Rio estão torcendo pelo programa. Dilma Rousseff, a principal candidata à próxima presidente do Brasil, propôs expandir o modelo para outras cidades. Milhões de dólares em doações de empresas como a Coca-Cola e do empresário bilionário Eike Batista também estão entrando, pagando por coisas como equipamento para a polícia.

Beltrame disse que sua meta principal é livrar as ruas de “armas de guerra”, não necessariamente da venda de drogas. Ele também disse estar trabalhando para diminuir a corrupção na polícia, que aumenta a violência e a postura saturada dos moradores. Muitos dos policiais pacificadores são supostamente recrutados diretamente na academia de polícia, antes de serem tentados a aceitar dinheiro das drogas para complementar os salários relativamente baixos.

Na Cidade de Deus, os chefões do narcotráfico foram presos, mortos ou fugiram, mas alguns de seus familiares permanecem, aguardando pela saída da polícia. Na parte da favela patrulhada pelos jovens do narcotráfico, os moradores dizem se sentir pegos entre a polícia e as gangues.

“Eu tenho medo até mesmo de dizer ‘boa tarde’ para os policiais aqui”, disse Beatriz Soares, que teme que os traficantes possam estar observando.

Mas sua família também teme a polícia. Quando um policial bateu à sua porta certo dia, ela disse que seu filho de 3 anos perguntou se ele ia matá-lo.

Ainda assim, está claro que a presença da polícia mudou as vidas para melhor por toda a Cidade de Deus. Funcionários oferecendo serviços públicos podem entrar mais livremente. A frequência escolar aumentou, com um colégio registrando um aumento de 90% na frequência desde a chegada da polícia, disse uma diretora. Tratores estão dragando o córrego estreito, cheio de esgoto, e caminhões de lixo estão passando três vezes por semana.

A polícia também realizou mais de 200 prisões desde que retomou a Cidade de Deus e a criminalidade caiu: seis homicídios no ano passado, em comparação a 34 em 2008.

Os moradores em geral são gratos, apesar de alguns dizerem que algo intangível se perdeu, um certo espírito livre radical.

No passado, as gangues frequentemente bancavam festas funk regadas a drogas para recrutar membros; os líderes frequentemente chegavam com armamento pesado e disparavam para o ar em celebração.

A polícia agora está controlando rigidamente as festas –limitando o consumo de álcool entre os menores e censurando as letras misóginas que glorificam o narcotráfico.

Beltrame disse que o programa de polícia pacificadora está garantido apenas até 2014, mas que seu sucesso dificultaria seu desmonte por futuros políticos.

O capitão José Luiz de Medeiros, que lidera a unidade da polícia na Cidade de Deus, disse estar desenvolvendo uma força para longo prazo, trabalhando arduamente para conquistar a confiança dos moradores. Uma dúzia de policiais visitou recentemente uma nova creche, girando chupetas entre seus dedos enquanto as crianças brincavam com seus rádios e escalavam suas pernas e armas no coldre.

Alguns policiais foram retirados das patrulhas para ensinar violão, piano e inglês. O policial Eduardo da Silva, o professor de caratê, é um dos que agora dão aula em tempo integral.

Leonardo, que se matriculou nas aulas após a morte do irmão, disse que considerava entrar para o narcotráfico para ter acesso às armas. Mas desde que conheceu Eduardo, mudou de ideia e agora tenta ajudar outros moradores a vencer seu medo da polícia.

O policial Eduardo disse que entende a desconfiança das pessoas. “É impossível para elas esquecer seu passado”, ele disse. “Tudo o que posso fazer é cuidar para que eu esteja aberto para elas.”

Para provar sua intenção, ele vai desarmado para a Cidade de Deus e sem colete à prova de balas.

“A força não trás paz”, ele disse. “Ela pode incutir respeito, mas não confiança.”

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