Anarquista em Belfast |
Os violentos distúrbios em Belfast em torno da bandeira britânica mostram quão delicadas continuam sendo são as relações entre os grupos sectários na província britânica. Eles também revelam as frustrações de uma geração que cresceu se sentindo incompreendida e em desvantagem.
Raymond Lavery estava prestes a descrever quão complicada se tornou a situação em Belfast quando um enorme estouro, provavelmente de um rojão, rasgou o ar a poucos metros de distancia. A explosão foi tão alta que uma pessoa normal se agacharia para se proteger. Mas Lavery nem se mexeu.
Ele estava diante de um dos muitos muros na capital da Irlanda do Norte que separam católicos e protestantes. O homem de 52 anos trabalha para o Inner East, um projeto de engajamento para meninos e meninas no lado protestante do muro. Seu escritório fica próximo de uma das ruas onde pallets de madeira, latas de lixo e carros já queimam há semanas. "Não se trata mais da bandeira", ele diz.
Em 3 de dezembro, o Conselho Municipal de Belfast votou por não mais hastear a bandeira britânica na prefeitura todo dia. Em vez disso, a bandeira britânica só será hasteada em ocasiões especiais. Os protestantes viram a decisão como outra derrota imposta pela comunidade católica cada vez mais forte, e não demorou muito para que mais de 1.000 protestantes se manifestassem diante do prédio. Lavery estava entre eles.
"Nossa bandeira está hasteada há 106 anos, por que resolveram retirá-la agora?" ele pergunta, passando por casas que há muito tempo tiveram suas janelas substituídas por plexiglass – um símbolo do conflito. Se você quiser saber se está em um ponto problemático potencial de Belfast, basta olhar para as janelas.
Perspectivas ruins
Lavery, que cresceu no leste da cidade, está acostumado à guerra, tendo vivido por décadas de conflito entre grupos protestantes, leais ao Reino Unido, e grupos católicos buscando a união com a Irlanda. Até os anos 80, ele lutou pelo lado protestante. Ele já foi baleado duas vezes e passou dois anos na prisão. Suas costas exibem imagens tatuadas de figuras históricas da Força Voluntária do Ulster, um grupo paramilitar que atacava os católicos até o fim oficial do conflito há seis anos. Depois que ele foi solto da prisão, Lavery se tornou assistente social.
Ele já lidera o projeto para jovens há 17 anos. A maioria de seus clientes tem entre 12 e 25 anos e vem de famílias problemáticas. "Muitos deles nunca encontrarão emprego em suas vidas", ele diz. Os jovens das famílias de classe operária estão ficando cada vez mais frustrados, porque enfrentam perspectivas ainda piores do que as de seus pais, diz Lavery. Mas a insatisfação deles só se transformou em fúria e violência após a decisão da bandeira.
Lavery gostaria de impedi-los de atirarem pedras e bombas incendiárias contra casas e viaturas policiais, mas a atração das ruas é forte demais. "Os distúrbios são mais empolgantes", ele diz. Os assistentes sociais começaram a marchar ao lado dos jovens durante os protestos, apesar de serem tão incapazes de apagar as chamas quanto os partidos políticos protestantes, o Partido Unionista Democrático (DUP) e o Partido Unionista do Ulster (UUP).
Por muito tempo eles conseguiram persuadir seus eleitores a se comportarem pacificamente, mas recentemente eles perderam o apoio dos bairros de classe operária. Também é possível que as velhas forças paramilitares protestantes estejam agitando os jovens. O chefe de polícia da Irlanda do Norte alegou que a Força Voluntária do Ulster coordenou os protestos. Isso é tolice, disse Lavery, acrescentando que a polícia é em parte responsável pelos distúrbios. Ele disse que testemunhou um policial batendo em um manifestante pacífico com um cassetete.
Algo em que acreditar
Uma dúzia de manifestantes, principalmente homens jovens, permanecia congelando na garoa do lado de fora da sede do não sectário Partido da Aliança, na Upper Newtownards Road. Eles alegavam que o partido é em parte responsável pelo desastre da bandeira, por ter ficado do lado dos católicos.
Entre eles estava Karl, 16 anos, que é chamado pelos amigos de K.D. Ele frequente uma escola técnica, apesar de esperar estudar esportes –se chegar à universidade. Mas no momento as coisas não parecem muito promissoras. Sua mãe trabalha em um salão de beleza e ele não conhece seu pai. K.D. se sente incomodado pela bandeira britânica não estar mais hasteada na prefeitura. "Todo mundo precisa de algo em que acreditar", ele disse.
E no que ele acredita?
"Na União", ele disse.
Ao lado dele, Aaron tremia de frio. O jovem de 17 anos é o único em sua casa que ganha dinheiro, trabalhando como aprendiz em uma fábrica de embalagens. Ele ainda não perdeu nenhuma manifestação, cujos vídeos ele posta no YouTube. Ele teme que os católicos na Irlanda do Norte se tornem tão poderosos que, em breve, não haja mais espaço para protestantes como ele. "Um dia eles tirarão tudo de nós", ele disse.
Os dois adolescentes só sabem sobre a grande turbulência do passado, chamada de "Os Problemas", pelas histórias que ouvem. Mas eles cresceram sabendo que seriam punidos por sua identidade britânica. O futuro deles é tão cinzento quanto o céu sobre Belfast, mas a bandeira britânica lhes oferece ao menos a sensação de pertencerem a algo.
À noite, quando as barricadas queimam em Belfast, meninos da idade de K.D. e Aaron jogam pedras, bolas de golfe e bombas incendiárias. Elas lembram as imagens do passado, com a única diferença sendo a de que alguns meninos são ainda mais jovens, às vezes com apenas 10 anos.
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