Mohamed Mursi |
Quando o presidente Mohamed Mursi e seus aliados da Irmandade Muçulmana promulgaram uma nova Constituição, no mês passado, os liberais temeram que ela permitisse ao governo impor um carimbo islâmico ao Estado egípcio, inclusive com o expurgo de quase metade dos juízes da Suprema Corte Constitucional.
Mas esses alertas parecem no mínimo prematuros, como o próprio tribunal deixou claro recentemente, na sua primeira reunião sob a nova Carta.
O presidente do tribunal zombou de um advogado da Irmandade Muçulmana que tentava dirigir-se ao plenário reconfigurado, privado de sete dos seus 18 juízes.
"Como se vocês tivessem deixado um tribunal ao qual se dirigir", soltou o juiz Maher el Beheiry. Ele já havia declarado que a corte, vista pelos islamitas como uma inimiga, "jamais poderá esquecer" os protestos da Irmandade contra ela durante o debate constitucional.
Em dois anos desde a deposição de Hosni Mubarak, Mursi e os islamitas acumularam muito poder, mas a repreensão de Beheiry foi um lembrete de que isso não se traduziu em poder real sobre o Judiciário, a polícia, as Forças Armadas e os meios de comunicação estatais.
"Se você pensar nos principais pilares da burocracia, a Irmandade ainda não os controla, e não acho que irá controlá-los completamente", disse Hani Shukrallah, 62, editor esquerdista de um site noticioso estatal em inglês, recentemente convidado por seu novo chefe a se aposentar.
Embora Mursi tenha a legitimidade de uma eleição democrática, ele herdou resquícios ainda intactos do Estado autoritário de Mubarak, construído sobre o medo, a lealdade e o clientelismo e permeado por uma profunda desconfiança em relação aos islamitas. A resistência da burocracia pode impedir os islamitas de consolidarem seu poder, impor sua ideologia ou construir uma nova ditadura.
Mas o fracasso em exercer o controle também pode prolongar problemas sociais do país, como o colapso da segurança pública por causa da ausência da polícia.
Analistas dizem que Mursi está claramente empenhado em instalar aliados em partes cruciais do Estado. Ele nomeou membros da Irmandade como governadores em sete das 28 províncias. Numa recente reforma de gabinete, outro membro da Irmandade foi nomeado para o cargo de ministro do Desenvolvimento Local, que pela nova Constituição tem poderes sobre o dia a dia dos governos locais.
Mas as tentativas de consolidação do poder por Mursi têm gerado resultados ambíguos. Em agosto, ele finalmente convenceu os mais graduados generais egípcios a abdicar da sua autoridade sobre o governo civil. Mas, em dezembro, a nova Constituição concedeu aos generais ampla imunidade e autonomia frente ao controle civil.
Os líderes da Irmandade admitem sofrer forte resistência. Quando o presidente tomou posse, funcionários antigos estavam destruindo a correspondência dele, em pequenos atos de sabotagem, segundo um dirigente da Irmandade. No Ministério do Interior, geralmente subordinado ao presidente, funcionários subalternos mantêm um antagonismo quase escancarado com Mursi e seu partido.
Durante o tenso período que antecedeu o referendo constitucional do ano passado, a polícia não reforçou a segurança nos comitês da Irmandade, e vários deles foram vandalizados e queimados. A polícia diz que uma lição aprendida na revolução contra Mubarak foi a de que ela não deve contrapor-se aos manifestantes por causa de um presidente em especial.
"Fico cheio de orgulho por ter sido um policial quem abriu o portão metálico improvisado para os manifestantes durante a passeata até o palácio presidencial, para permitir que eles prosseguissem", disse Ahmed Mansour al Helbawi, líder de um sindicato de policiais que diz ter 400 mil membros.
Os aliados de Mursi tampouco tiveram sucesso na tentativa de controlar os meios de comunicação estatais. Uma apresentadora, Hala Fahmy, abriu um programa acusando o novo governo de vender os "mártires" e dramaticamente segurou uma mortalha para mostrar que estava disposta a se juntar a eles. Ela agora está fora do ar, à espera de uma investigação.
"Há 40 mil pessoas trabalhando no prédio", disse Ehab el Mergawi, produtor da TV estatal e membro do grupo esquerdista 6 de Abril. "Acho que 35 mil delas não suportam a Irmandade Muçulmana."
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