Soldados franceses no Mali |
Já de início, a França obteve algum sucesso em sua guerra contra os extremistas islâmicos no Norte de Mali. Contudo, os grupos terroristas saarianos têm laços entre si e estão preparados para uma batalha prolongada. A crise de reféns na Argélia mostra que a nova frente na guerra ao terrorismo pode se tornar um longo conflito.
Daouda Sy, construtor da cidade de Diabaly, no centro do Mali, estava prestes a se tornar um homem rico na última segunda-feira (14). Sua empresa tinha acabado de fechar um contrato lucrativo para construir sistemas de irrigação e estradas, e ele já tinha contratado cerca de 1.500 operários para o projeto.
A partir de terça-feira, no entanto, Adouda Sy passou a ser um refugiado sem nada além das roupas que veste. "Ouvimos tiros perto do meio dia e soubemos na mesma hora que eles tinham chegado", diz ele. Homens barbudos carregando Kalashnikovs atacaram o prédio da empresa, destruíram caminhonetes novinhas e vandalizaram os escritórios. Daouda Sy e seu motorista se esconderam e depois fugiram.
Foram necessários vários dias para os dois chegarem a um ponto seguro, na capital, Bamako. O construtor nunca pensou que os islamitas do Norte de Mali chegariam até Diabaly –especialmente agora que os franceses estão no país, com seus caças Rafale e helicópteros Gazelle atirando contra comboios e abrigos dos islamitas.
Há nove meses, os islamitas da organização Ansar Dine capturaram toda a metade Norte de Mali, onde estabeleceram um regime brutal baseado na sharia (lei islâmica). Por meses, parecia pouco mais que um conflito regional do Saara. Agora, porém, a questão se expandiu e se tornou uma nova frente na guerra global contra o terror. Nas últimas semanas, os jihadistas começaram a tentar capturar o resto do país, levando dezenas de milhares de pessoas a fugirem de suas casas.
Agora, o Ocidente interveio. A pedido do governo do Mali, as tropas francesas começaram a contra-atacar na sexta-feira, dia 11 de janeiro, com a comunidade econômica do Oeste da África, Ecowas, fornecendo apoio.
"Uma ameaça a todo o Oeste da África"
"Esta guerra é um problema para todos os países vizinhos", disse o diretor da Ecowas e presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, em visita a Berlim na semana passada. "De Mali, os islamitas impõem uma ameaça a todos no Oeste da África". Muitos se preocupam que Mali possa se tornar outro Afeganistão, um Estado fracassado no qual os terroristas podem estabelecer sua base e encontrar um porto seguro.
O quão justificado é esse temor –e o quão iminente é a ameaça- tornou-se claro na última quarta-feira, quando militantes islamitas cooperando com o Ansar Dine atacaram as instalações de gás em Amenas, Argélia, vizinho ao Sul de Mali. Eles fizeram centenas de reféns, inclusive muitos estrangeiros, e exigiram um fim da intervenção francesa em Mali e a libertação de dois extremistas sob custódia norte-americana. Além disso, ameaçaram fazer mais ataques.
Os islâmicos na zona Sahel são uma séria ameaça. Eles são "motivados, equipados e bem treinados", disse o ministro de defesa francês, Jean-Yves Le Drian.
As forças francesas, as tropas da Ecowas e o exército dilapidado do Mali podem enfrentar um longo conflito se os islâmicos adotarem táticas de guerrilha. "A França abriu os portões do inferno", disse ameaçadoramente um porta-voz islamista.
Desde os primeiros ataques aéreos, o Norte de Mali foi cortado do mundo exterior. Na cidade nordestina de Gao, o jornalista local Moumouni Touré viu um líder islâmico com alicates cortando os fios das torres de telefonia móvel. "Eles estão cortando a conexão de forma a impedir a população local de fornecer informações aos franceses", disse Touré.
Em Gao, as primeiras bombas francesas atingiram um acampamento islamita e uma barricada que os islamitas haviam montado na estrada para o Sul. Touré sentiu a terra tremer quando as bombas explodiram. Ele estima que a primeira onda de ataques franceses matou pelo menos 60 pessoas.
"O medo mudou de lado"
A população festejou e os islamitas se tornaram mais escassos nas ruas. As pessoas saíram de suas casas de novo, ouvindo música e fumando, duas atividades que os islamitas haviam proibido. "O medo mudou de lado", disse Touré.
O ataque do antigo poder colonizador do Mali não poderia ter surpreendido os islamitas, que estavam no controle das cidades de Gao, Kidal e Timbuktu por nove meses quando os ataques começaram. Durante esse tempo, eles destruíram monumentos históricos e puniram seus adversários com execuções públicas, chibatadas e amputações. Mas eles também tomaram precauções. Os moradores de Gao contam que os islamitas cavaram grandes trincheiras no deserto, grandes o suficiente para esconder veículos. Os abrigos estariam cheios de alimentos, armas, munição e gasolina, sugerindo que os islamitas estão longe de terminados.
De acordo com Philippe Hugon, parisiense especialista em Mali, talvez seja possível expulsar os islamitas das principais cidades em cerca de seis meses. Mas anos podem se passar antes que áreas remotas ao longo das fronteiras com a Argélia e o Níger estejam sob controle.
Os islamitas começaram sua campanha há um ano. Na noite de 16 de janeiro de 2012, os jihadistas emboscaram uma unidade do exército malinês perto de Adjelhoc, no Nordeste de Mali, surpreendendo os soldados enquanto dormiam. Mais de 80 pessoas morreram na batalha.
Os vencedores da escaramuça estão sob o comando de um homem com uma personalidade curiosa: Iyad Ag Ghaly, membro do povo tuaregue. Por anos, ele serviu de mediador entre o governo em Bamako e o grupo étnico insubmisso, que pegou em armas várias vezes para lutar por sua autonomia. Ele também ajudou o governo alemão a resolver uma crise de reféns em 2003. Mas quando Ag Ghaly se alinhou politicamente com o movimento tuaregue, ele se voltou para o islamismo radical. Seu grupo, o Ansar Dine, hoje controla a parte Norte do país.
Ag Ghaly amealhou milhões por contrabando de drogas e armas, assim como sequestros. Ele comprou muitas armas a preço de banana dos arsenais do antigo regime de Gaddafi, na vizinha, Líbia, depois da revolução. Então, o Ansar Dine uniu forças com outros jihadistas, inclusive braços da Al Qaeda no Magreb Islâmico (Aqim), que opera há anos nas regiões desérticas da Argélia, Líbia, Mauritânia e Mali.
Sem chances
Um dos aliados mais próximos de Ag Ghaly é Mokhtar Belmokhtar, "o caolho", apelido que o extremista argelino deve a um ferimento de guerra que sofreu quando era adolescente e lutou contra os soviéticos no Afeganistão. Ele também tem outro apelido, "Senhor Marlboro", por causa de seu envolvimento no contrabando de cigarros e outros itens no Saara.
Belmokhtar, que é responsabilizado por vários ataques e sequestros, está no topo dos mais procurados de Paris há algum tempo. Seu grupo de jihadistas também ameaça rotas de transporte de urânio no vizinho Níger, de onde a França extrai o mineral para suas usinas nucleares.
Foram os combatentes de Belmokhtar, provavelmente um grupo de cerca de 40 homens, que capturaram a usina de gás em Amenas na última quarta-feira. O exército argelino respondeu imediatamente e com grande força. Durante o ataque para libertar cerca de 600 reféns, dezenas perderam suas vidas. Mesmo antes do final da batalha, os terroristas advertiram que estavam planejando outros ataques a estrangeiros na Argélia. Acredita-se que os homens de Belmokhtar se prepararam para o ataque no Norte de Mali, onde têm a proteção de Ag Ghaly.
O exército malinês não tinha a menor chance contra o Ansar Dine. As forças estão em péssimas condições, tanto tecnicamente quanto em termos do moral das tropas, apesar do longo esforço dos EUA para treinar os militares do país para combaterem a Al Qaeda. Telegramas secretos das embaixadas americanas, publicados pelo site Wikileaks, indicam a baixa opinião que os diplomatas americanos tinham do exército malinês nos últimos anos. A força não tem reforços básicos, a maior parte dos seus veículos está quebrada, o treinamento é triste e o moral atingiu o fundo do poço. Mali não tem força aérea alguma.
Os especialistas americanos de fato treinaram quatro unidades, com um total de 600 homens, para combater os terroristas. Mas o tiro saiu pela culatra: três das unidades de elite desertaram em massa para os rebeldes tuaregues. A maior parte dos comandantes, afinal, são de tuaregues.
Segurança alemã em risco
O capitão Amadou Sanogo, treinado nos EUA, foi um dos soldados que não desertou. Em vez disso, infligiu ainda mais dano quando, em março último, ele e alguns partidários derrubaram o governo em Bamako e expulsaram o presidente eleito.
Dioncounda Traoré, presidente interino que serve por ordem de Sanogo, continua a ter problemas de legitimidade. Isso dificulta que qualquer esforço internacional saia em ajuda da Bamako, já que tal esforço solidificaria no poder um regime que ascendeu por meio de um golpe.
Ao menos Traoré reuniu a coragem de pedir ajuda à França há duas semanas, provavelmente diante da resistência de partes do exército. Os malineses, contudo, deram uma recepção entusiasmada ao ex-poder colonial, recebendo os soldados como salvadores. As tropas da Ecowas do Chade, Nigéria e Gana começaram a chegar a Mali na quarta-feira.
O diretor da Ecowas, Alassane Ouattara, viajou para Berlim na semana passada para pedir mais ajuda. Ele se reuniu com a chanceler Angela Merkel, cujo apoio ao esforço francês até agora foi limitado ao fornecimento de dois aviões de transporte. Ouattara foi educado, mas sentado na frente da bandeira do seu país em uma suíte no Hotel Adlon, ele disse ao "Spiegel": "A Alemanha precisa se envolver, e isso inclui o envio de tropas".
Ouattara, é claro, procurou desfazer os temores alemães de que o Mali poderia se tornar outro Afeganistão, ou seja, uma missão interminável com muitas baixas e poucos avanços. Ele disse: "Não vejo nenhum paralelo". O islamismo radical não tem apoio junto à população de Mali, disse ele. "Há apenas um pequeno número de terroristas em Mali, e a maior parte deles é de estrangeiros".
Ouattara também salientou que não há um país na região que apoie os fanáticos secretamente, como no caso do Paquistão e do taleban afegão. Mas acima de tudo, seria um desastre se os aliados não conseguissem derrotar os terroristas. A segurança alemã, observou, também está em jogo no Saara.
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