Presidente do Banco Central Europeu (BCE) de 2003 a 2011, Jean-Claude Trichet é uma testemunha privilegiada das relações entre a França e a Alemanha. Trichet concedeu entrevista ao Le Monde.
Jean-Claude Trichet |
Jean-Claude Trichet: Essa dupla é insubstituível, desde que não seja exclusiva, mas se ponha a serviço dos outros países da Europa.
Le Monde: Ela fez isso nos últimos três anos?
Trichet: No início de 2010, quando a crise financeira se transformou em uma crise de características públicas, com um epicentro na zona do euro, observamos uma diferença substancial entre as reações da opinião pública. É notável que os dois países tenham finalmente conseguido entrar em acordo com o conjunto da zona do euro. O processo de decisão democrática foi difícil e lento - o que muitas vezes lamentei, dados os interesses consideráveis. Mas o tempo das democracias não é o tempo dos mercados.
Le Monde: Como o senhor explica que a percepção da crise seja tão diferente entre os dois países?
Trichet: Primeiro, a interpretação do Tratado de Maastricht não foi a mesma dos dois lados do Reno. Na Alemanha, havia-se dito que estava proibido mexer nos orçamentos dos países em dificuldades: as moedas estavam fundidas, mas os orçamentos, estritamente separados. Na França, a opinião pública não deu a isso uma importância tão decisiva. Depois, uma diferença importante que parece ser que a cultura alemã insiste mais na responsabilidade pessoal e a cultura francesa, na compaixão. Deve-se lembrar também que a Alemanha praticou um rigoroso controle de custos durante 13 anos para recuperar sua competitividade. Isso explica a emoção da opinião pública quando foi preciso emprestar dinheiro para países que se mostraram muito pródigos.
Le Monde: É normal que os avanços na Europa dependam com tanta frequência de decisões do Parlamento alemão?
Trichet: Eu vivi oito anos na Alemanha e pude testemunhar que a democracia lá é muito viva. Em relação à França, o Executivo me parece mais dependente do Parlamento. Mas, enquanto não temos instituições europeias federais, várias decisões de crise na zona do euro continuam pendentes do processo democrático em cada um dos 17 países, na Finlândia ou na Grécia, na Itália, Alemanha ou França...
Le Monde: O senhor é visto diferentemente na França e na Alemanha...
Trichet: No início era visto um pouco como um "alemão" na França, pois sou a favor de uma moeda com credibilidade, de finanças saudáveis e da "desinflação competitiva" e um pouco como um "francês estereotipado" na Alemanha, isto é, inteligente e criativo, mas potencialmente indulgente! Quando deixei minhas funções, creio que a opinião havia mudado. Os franceses reconheciam a legitimidade das políticas de contenção monetária e financeira. E para os alemães eu poderia dizer, 13 anos depois da criação do euro, que o BCE havia respeitado estritamente o mandato que lhe havia sido confiado, que a estabilidade dos preços fora garantida. Dos dois lados do Reno, havíamos visto também um BCE capaz de tomar as medidas não convencionais exigidas pela crise.
Le Monde: A França é a bomba-relógio que a imprensa anglo-saxã critica?
Trichet: Nosso país tem reformas estruturais muito importantes a conduzir e um problema de finanças públicas que exige uma retomada de controle séria, levando em conta o nível muito elevado dos gastos públicos. Isso, aliás, é reconhecido e felizmente aceito.
Le Monde: As reformas atuais podem superar a distância de competitividade com a Alemanha?
Trichet: Sim, mas não em um dia. O "choque de competitividade" e as reformas negociadas pelos parceiros sociais vão no bom sentido. Mas não há receita milagrosa. O que é preciso é recuperar em competitividade, ano após ano, graças a uma grande moderação de custos e de ganhos de produtividade. Nós fizemos isso nos anos 1980 e 90. E é assim que a Alemanha conseguiu lutar eficazmente contra o desemprego.
Le Monde: O que nossos países deveriam fazer para que a crise passe?
Trichet: A situação melhorou substancialmente. Mas não há lugar para complacência. Os europeus devem levar sua governança econômica e orçamentária, e, portanto, política, em um nível superior. E nossos dois países têm uma grande responsabilidade nesse campo.
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