Milhares de pessoas participam de manifestação na Cisjordânia em defesa da criação de um Estado palestino |
Momentos de esperança são raros neste conflito miserável e interminável entre israelenses e palestinos, tão arcaico em seu caráter colonial, tão pós-moderno nos métodos usados por Israel para oprimir os palestinos vivendo sob seu governo.
Houve um momento como esse por volta da época em que Israel e a Organização para a Libertação da Palestina assinaram os Acordos de Oslo em 1993. Logo depois, a cineasta Esther Dar contatou minha mãe, propondo fazer um documentário sobre ela e algumas amigas, duas árabes palestinas e duas judias israelenses que passaram quatro anos juntas em um internato anglicano em Jerusalém, a partir de 1939, durante o Mandato Britânico na Palestina. “Four Friends” mostra as setuagenárias Salma Dajani e Wedad Shehadeh, e Olga Belkind e Sharona Aharon, voltando para visitar sua antiga escola mais de meio século após deixá-la.
No filme, Salma e minha mãe, Wedad, também retornam a suas antigas casas em Jaffa. As famílias delas foram forçadas a sair em 1948, após a declaração israelense de independência. Foi uma visita cheia de emoção. Salma não conseguiu conter as lágrimas quando viu o estado da sepultura de seu pai, na propriedade do Hospital Dajani, que ele fundou em 1933. “Four Friends” a mostra se dirigindo a Israel e lamentando: “Vocês tomaram tudo. Ao menos nos permitam cuidar de seu túmulo”.
Quando o filme foi exibido na televisão israelense uma década atrás, um arquiteto aposentado de Tel Aviv sentiu ultraje. Ele iniciou uma pequena campanha em nome dos Dajanis. No final, ele obteve permissão da família para colocar uma lápide no hospital. Ele também recomendou à câmara municipal conjunta de Tel Aviv-Jaffa que batizasse uma rua com o nome do pai de Salma, o dr. Fouad Dajani.
Isso levou muitos anos. Mas no domingo passado, sob um céu agradável com nuvens brancas finas, cerca de 200 convidados se reuniram em uma rotatória no centro de Jaffa para rebatizá-la em homenagem ao árabe palestino que fundou o primeiro hospital particular da cidade. Muitos membros da família Dajani vieram para a ocasião, e de diferentes partes do mundo. Como Israel os considera “ausentes”, eles tiveram de entrar no país com passaportes estrangeiros.
Nós aguardamos pelo prefeito. Nuvens escuras começaram a se formar. Tocava “What a Beautiful World” de Louis Armstrong. Olhando para o alto, o mestre de cerimônias, um morador árabe de Jaffa cujo avô se recusou teimosamente a deixar sua casa, apesar das frequentes explosões de bombas, disse desejar que a chuva fosse adiada.
A cerimônia teve início. Discursos foram feitos promovendo a união de Jaffa e Tel Aviv e a cooperação entre árabes e judeus. O chefe local do movimento islâmico disse que Jaffa, antes um centro de cultura e medicina, agora estava renascendo. Um árabe da câmara municipal contou a história de uma mulher judia de 93 anos que trabalhou como enfermeira no Hospital Dajani nos anos 30. Quando ela se candidatou ao emprego, Dajani lhe disse: “Neste hospital, nós falamos árabe”. Ali estava um momento de civilidade entre judeus e árabes vivendo juntos na Palestina. Ele contraria a insistência de Israel de que a guerra de 1948 era inevitável.
Das mulheres exibidas em “Four Friends”, apenas Olga Belkind estava viva e bem de saúde para participar da cerimônia no domingo. Ela mora atualmente em Jaffa. Durante o evento eu pensei em minha mãe, por cuja casa de sua família nós passamos no caminho, e em meu pai, cujo escritório de direito foi apontado por meu irmão. Eu pensei nas dificuldades que enfrentaram após serem forçados a sair de Jaffa.
No fundo da plateia, uma jovem mulher israelense estava em pé, segurando uma placa que dizia: “Todos falam sobre paz, mas ninguém fala sobre retorno”. Ele era do Zochrot (Lembrança), uma organização não governamental israelense que busca aumentar a conscientização, especialmente entre os judeus em Israel, sobre a nakba –a catástrofe, o início do êxodo forçado dos palestinos em 1948.
Quando me aproximei dela, eu encontrei ao seu lado o arquiteto israelense que iniciou todo o movimento. Ele estava pedindo para que ela voltasse para casa. Ele achou que ela estava complicando as coisas ao levantar a questão da nakba. “Esta é uma iniciativa pessoal que não deve ser politizada”, ele disse para ela. A política assustará os israelenses, impossibilitando batizar qualquer outra rua de Jaffa com o nome dos árabes que já viveram aqui. Ela se manteve firme e se recusou a partir.
Uma única rotatória em uma cidade onde 125 mil árabes viveram há meio século agora tem o nome de um de seus moradores mais famosos (não tem importância que a palavra “hospital” em árabe, na placa comemorativa, estava escrita de forma errada). Mas o Hospital Dajani, pelo qual o homem estava sendo homenageado, permanece nas mãos do Estado israelense –um Estado que continua a negar os direitos de seus descendentes, os chamando de ausentes e se recusando a tratá-los até mesmo como refugiados.
Ainda assim, foi uma bela tarde de domingo, e não choveu.
(Raja Shehadeh, advogado e escritor que vive em Ramallah, é autor de “A Rift in Time” e “Caminhos Palestinos”. Seu novo livro, “Occupation Diaries”, será publicado em agosto.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário