quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Quatro décadas após o choque de 1973, o Irã e o Ocidente redescobrem o petróleo como arma
Teerã está ameaçando bloquear o estreito de Hormuz, enquanto os países industrializados estão considerando um boicote ao petróleo iraniano. Os dois lados vão sofrer, se tais táticas forem utilizadas.
Surpreendentemente, os grandes navios petroleiros não queimam muito bem. Apesar do petróleo que transportam ser altamente inflamável, não há suficiente oxigênio em seus tanques para criar uma mistura explosiva.
Em média, 14 desses navios gigantes passam todos os dias pelo estreito de Hormuz, localizado entre o Irã e Omã. Se o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad de fato mandar suas forças lançarem mísseis contra esses navios, será necessário bastante poder de fogo para iniciar um inferno ao estilo Hollywood.
Os ataques verbais de Teerã, por outro lado, são suficientes para deixar os mercados mundiais em chamas.
Na semana passada, os preços do petróleo, subiram significativamente, acima da marca dos US$ 100 por barril novamente, apesar de todas as previsões econômicas sombrias. Os preços da gasolina já alcançaram uma alta recorde na Alemanha em 2011. Agora, a briga sobre quem controla o Golfo Pérsico, gerada pelas políticas nucleares do Irã, dá sinais de maior tensão no ar.
Por 10 dias consecutivos, desde a noite de Natal até após o Ano Novo, a marinha iraniana fez manobras náuticas em uma área atravessada pela rota mais importante no setor petroleiro internacional. Cerca de um terço de todo o petróleo cru transportado no mundo todo passa por esse gargalo. O vice-presidente, Mohamed Reza Rahimi, advertiu que, se o Ocidente impusesse mais sanções contra as exportações de petróleo iranianas, Teerã não permitirá “que uma gota de óleo” passasse pelo Estreito de Hormuz.
Contudo, sanções são precisamente o que os países industrializados têm em mente. Na noite de Ano Novo, o presidente norte-americano Barack Obama assinou uma lei que proíbe qualquer um de fechar negócios com os EUA no futuro se tiver contratos com o banco central iraniano. A lei visa impedir Teerã de fazer transações relacionadas ao petróleo.
Tornou-se claro na semana passada que, quando os ministros de relações exteriores da União Europeia se reunirem no final de janeiro, eles poderão muito bem reforçar as sanções, de forma que os 27 Estados membros não comprem mais um único barril de petróleo do Irã. O ministro de relações exteriores francês, Alain Juppé, garantiu que as negociações sobre as sanções estão “no caminho certo”.
Um novo conflito de energia
O petróleo está sendo usado como arma novamente, e não apenas por uma nação exportadora -as nações industrializadas também o estão usando como instrumento contra o Irã. Um duelo de boicotadores está tomando forma, um novo conflito energético entre o fornecedor e seus clientes, travado com os instrumentos que cada lado tem a seu dispor para exercer pressões sobre o outro. A única questão é se os instrumentos -embargos e sanções- de fato são eficazes. O que exatamente a arma petróleo pode realizar?
Steffen Bukold, autor de um artigo sobre a indústria do petróleo, observou um paradoxo interessante. De acordo com Bukold, o público ainda percebe o embargo como o tipo de crise mais importante. “Mas quando você observa seu efeito de fato no mercado de petróleo até hoje, é o menos importante”, diz o especialista. A história confirma o que diz Bukold.
O petróleo foi usado como arma primeiramente no verão de 1967, pouco após o início da Guerra dos Seis Dias. Na época, os ministros do petróleo árabes discutiram formas de punir o Ocidente pelos ataques aéreos de Israel contra alvos no Egito. Logo, as nações árabes decidiram parar de vender petróleo para os EUA e o Reino Unido.
O embargo, contudo, foi relativamente ineficaz, porque a União Soviética imediatamente ofereceu-se para preencher a quota que faltava. Além disso, a perda de receita foi tão dolorosa para os árabes que eles suspenderam o embargo poucos dias depois. O primeiro uso do petróleo como arma falhou.
Temor de verdade
A operação seguinte ocorreu sete anos depois, pouco após a Guerra do Yom Kippur, em outubro de 1973, mas também deu um contragolpe. Na época, o cartel da Opep decidiu quase dobrar o preço do petróleo, de US$ 2,90 por barril para US$ 5,11. Também prometeu cortar a produção em 5% por mês até que Israel se retirasse dos territórios que ocupou em 1967.
A reação do Ocidente foi quase de histeria. Os consumidores armazenaram gasolina e óleo para aquecimento, e o governo alemão impôs uma proibição do uso de automóveis aos domingos. O então chanceler Willy Brandt chamou o momento de “pausa na história do pós-guerra”.
Apesar dos eventos possivelmente dramáticos politicamente, do ponto de vista econômico, os temores foram completamente exagerados, porque o mercado continuou extremamente bem fornecido. No final, a Alemanha teve uma redução de apenas 12 milhões das 370 milhões de toneladas de petróleo que consumia por ano, uma queda que poderia facilmente ser compensada com outras fontes. Em outras palavras, não houve um verdadeiro gargalo. Somente o temor foi verdadeiro.
Além disso, a frente unida da Opep contra o Ocidente logo desmoronou. A Argélia retirou-se do embargo desde cedo, seguida pelo Iraque. Quando alguns poucos países produtores promoveram outro aumento de preço, para US$ 11,65, no dia 23 de dezembro de 1973, a Arábia Saudita, mais importante membro do cartel, distanciou-se do embargo. Novamente, o petróleo provou-se bastante ineficaz como arma.
Falta de união
Tal falta de união dentro da Opep não é incomum ainda hoje. Na grande mesa de conferência no salão de conferências sem janelas na sede da organização em Viena, representantes do Irã, Iraque e Kuwait -países que estiveram em guerra entre si em décadas recentes- sentam-se um ao lado do outro, em ordem alfabética.
A Opep é dividida desde sua fundação, em 1960, entre países moderados, como a Arábia Saudita, que tem enormes reservas e tem planos de longo prazo, e radicais, como Argélia, Líbia e Irã, que têm uma abordagem de confronto, sem considerar as consequências.
Os agitadores ignoram cuidadosamente um mecanismo simples: cada choque de preço pesa nas empresas dos países compradores e reduz seu crescimento. Isso, por sua vez, diminui a demanda por energia e, como resultado, o preço do petróleo. Por fim, os produtores beligerantes somente prejudicam a si próprios.
Ahmed Zaki Yamani, lendário ministro da Arábia Saudita, muitas vezes advertiu outros membros do cartel contra o excesso. Em novembro de 1973, Yamani disse que o objetivo da Opep não deveria ser “aleijar e destruir” a economia dos países ocidentais.
Demanda em declínio
Yamani sabia que os choques nos preços do petróleo geraria um impulso fatal: na medida em que o petróleo se torna mais caro, os países industrializados começam a buscar alternativas. Os produtores de automóveis desenvolvem veículos mais eficientes e as construtoras acrescentam mais isolamento às novas construções
A demanda por petróleo de países da Opep caiu substancialmente no início dos anos 80, com sua parte da oferta mundial caindo de cerca de 50% em 1973 para 30% em 1985. O Ocidente expandiu seus próprios projetos de perfuração no Mar do Norte, Alasca e Golfo do México. O mundo enfrentou uma fartura de petróleo, e os preços caíram abaixo de US$ 10 por barril. Empresas petroleiras ocidentais ainda estão buscando reservas adicionais até hoje. Cerca de 40% das novas reservas de petróleo no mundo são descobertas em águas profundas.
Desta forma, cada aumento drástico no preço do petróleo já detém a semente de seu iminente declínio. Em outras palavras, a arma do petróleo, por fim, é direcionada contra os que o detém em suas mãos.
Países que dependem do petróleo iraniano
O petróleo como arma dos países consumidores -a imposição de sanções sobre os “Estados hostis” para trazê-los à razão- tem pontos igualmente fracos.
O Ocidente tentou isso seis vezes, só nos últimos 20 anos. Apesar de provavelmente ser cedo demais para prever o resultado dos casos mais recentes, ou seja, a Síria e o Irã, os exemplos do Iraque, Nigéria, Sudão e Líbia demonstram como é difícil fiscalizar as sanções de petróleo e como é fácil fugir delas.
Elas também têm consequências não desejadas, como um impacto muito maior sobre as pessoas comuns do que sobre as classes dominantes, muitas vezes levando à fome. E quando, como no caso do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein e do ex-líder líbio Muammar Gaddafi, um barão boicotado é derrubado, não é a arma do petróleo que sela seu destino.
Os países consumidores de petróleo, por sua vez, não são um grupo homogêneo de forma alguma, como demonstram as possíveis sanções contra o Irã. Para países como Coreia do Sul e Japão, que compram cerca de 10% de seu petróleo cru do Irã, é difícil encontrar um substituto rapidamente. A Coreia do Sul tem acordos com Teerã que não pode romper com facilidade. E o Japão, após o desastre de Fukushima, precisa significativamente de mais petróleo para operar suas usinas elétricas.
A Turquia, que obtém 30% de seu petróleo do Irã, não quer alienar seu vizinho. Na semana passada, no mesmo dia em que o ministro de relações exteriores turco, Ahmet Davutoglu, fazia uma visita a Teerã, uma autoridade do ministério de energia turco anunciou que Ancara pediria a Washington isenção das regras de sanção.
A Índia, país gigantesco que cobre cerca de 12% de suas necessidades de petróleo com importações do Irã, mantém relações muito próximas com Teerã. Por fim, a China criticou os planos de sanção de Washington como presunçosos. Pequim, apesar de ter reduzido recentemente sua dependência do petróleo iraniano consideravelmente, não tem a intenção de tomar parte no boicote.
Capacidade extra
Especialistas estão profundamente preocupados com o fato de, novamente, um país produtor de petróleo clássico do Oriente Médio, ou seja, o Irã, estar no centro de uma guerra de sanções. “Mais de 90% do crescimento na produção mundial de petróleo será alcançado no Oriente Médio e no Norte da África nos próximos 10 anos”, diz Fatih Birol, economista da Agência Internacional de Energia (AIE) com base em Paris.
Os eventos da primavera árabe, apesar das esperanças que geraram no povo, já estão colocando pressão sobre o ambiente de investimento na região. Atualmente, esses países preferem investir seu dinheiro em programas de bem-estar do que expandir sua indústria de petróleo. As elites políticas estão mais interessadas em suas próprias necessidades do que nas exigências do mercado de petróleo e, quanto pior a situação de segurança, mais difícil se torna atrair engenheiros e especialistas internacionais à região.
Mesmo que ocorram gargalos, os países do Golfo teriam a capacidade de compensar as faltas, diz Birol. “Particularmente a Arábia Saudita, que eu gosto de caracterizar como o banco central do comércio de petróleo, sempre se comportou de forma muito responsável nesse tipo de situação”. Os Estados membros da AIE, acrescenta, também têm reservas estratégicas que poderiam ser usadas em uma emergência, além dos estoques mínimos, equivalentes a 90 dias de importações de petróleo, que membros da AIE são obrigados a ter.
Ainda assim, os economistas duvidam que os mercados de petróleo funcionarão tão bem e tão estavelmente quanto gostariam os consumidores. Eles provavelmente seriam mais influenciados por interesses geopolíticos no futuro, especialmente no Oriente Médio, e para o detrimento dos europeus. Em 2015, a Europa já terá que importar mais petróleo que os EUA.
Sacrifícios no posto de gasolina
Até agora, Washington sentiu-se responsável pela estabilidade no Oriente Médio. Birol acredita que, no futuro, a região será menos importante para os EUA do que para a Europa e a China. “A Europa vai se ver na frente das forças responsáveis pela segurança na oferta de petróleo”, diz ele.
Sob essas circunstâncias, é questionável se faz sentido para os europeus unirem-se ao boicote de petróleo. De qualquer forma, o petróleo como arma se provou um instrumento ineficaz no passado, tanto para os produtores, quanto para os consumidores. Os dois lados sempre dependeram um do outro, com os produtores precisando do dinheiro e os consumidores precisando do combustível. Essa dependência mútua garante que a realidade econômica por fim levará a um acordo.
Mas antes que possam chegar a essa conclusão, os oponentes terão que fazer sacrifícios. Os cidadãos nas nações industrializadas vão observar isso nos postos de gasolina, onde pagarão alguns centavos a mais. E as pessoas nos países produtores também vão observar isso, apesar de em maior extensão -porque não terão nada para comer.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
O Irã não lançaria míssil em navio nenhum. O fechamento do estreito consiste na instalação de minas ao longo do canal e o impedimento do tráfego de navios através da sua armada.
ResponderExcluir