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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A traição da democracia russa por Medvedev

Vladimir Putin e Dmitry Medvedev

Dmitry Medvedev chocou os russos com seu anúncio que vai ceder a presidência de volta a Vladimir Putin. Agora está claro que Medvedev nunca passou de uma peça para guardar o lugar para seu mentor e que seus supostos planos de modernizar a Rússia não passaram de palavras vazias. De fato, Medvedev pode ter prejudicado o país ainda mais do que Putin.

Há uma cena que serve de metáfora para o destino de Dmitry Anatolyevich Medvedev. Ocorreu em dezembro de 2008, muito antes do presidente russo de 46 anos cometer o suicídio político do último sábado.

Na época, Medvedev estava no cargo há apenas sete meses. Ele estava dando um discurso para 5.000 convidados no Kremlin, em um evento para comemorar o 15º aniversário da Constituição russa. A Constituição tinha acabado de ser emendada para prolongar o mando do presidente e dos parlamentares –e assim reduzir a frequência das eleições.

Enquanto Medvedev elogiava o Kremlin por suas contribuições à liberdade e a democracia, um jovem estudante de economia de uma universidade de Moscou levantou-se e gritou: “Por que vocês estão dando ouvidos a ele? Ele violou todos os direitos civis e humanos! Este país tem censura e não tem eleições livres...”

Os seguranças de terno preto socaram o rapaz de 25 anos e taparam sua boca. “Soltem-no!”, gritou Medvedev. “A Constituição foi ratificada precisamente para que todo mundo tivesse o direito de expressar sua opinião!” Mas a segurança do Kremlin ignorou Medvedev completamente. Em vez disso, o rapaz foi retirado da sala.

Esse tipo de problema afligiu Medvedev durante toda sua presidência. Toda vez que sua limusine se aproximava do Kremlin, os guardas anunciavam: “O presidente está chegando!” Mas quando era o primeiro-ministro Vladimir Putin na limusine, eles diziam: “Nastoyashtchiy yedet” –“Agora é o verdadeiro”.
No banco de reserva

Há uma semana Medvedev concordou obedientemente em desistir da presidência e aceitar o papel de primeiro-ministro, durante a convenção do partido governante, a Rússia Unida. Foi a mais importante mudança no curso da história da Rússia desde que Boris Yeltsin promoveu Putin, então coronel da KGB, ao mais alto cargo no país, há quase 12 anos, e que provavelmente continuará a afetar o enorme país por outra década. Medvedev vai continuar líder da Rússia por apenas mais sete meses. Desde o último final de semana, as televisões estatais vêm se referindo a Medvedev como o “atual” presidente, como se estivessem ansiosas pela mudança da guarda.

Não houve manifestação pública em Moscou desde então. No dia após o anúncio, somente 500 cidadãos revoltados reuniram-se na frente do monumento de Pushkin, ponto de encontro predileto dos dissidentes.

Houve, porém, uma feroz discussão nos círculos políticos sobre muitas questões. Será boa para a estabilidade russa a volta de Putin ao Kremlin, ou será um beijo de morte para a democracia e o liberalismo? Será que prenuncia uma melhora econômica ou uma estagnação?

A questão mais importante é se Medvedev, nos três anos e meio de sua presidência,  lutou ou não pelos valores que promoveu. É bem possível que ele tenha aceitado o papel de soldado obediente do Kremlin em uma encenação, cujo resultado a dupla Putin/ Medvedev somente revelou ao público no final de semana passado. Se este foi o caso, ele meramente esquentou o lugar no trono do Kremlin –uma marionete similar ao filho de fazendeiro Mikhail Kalinin, que formalmente representou a União Soviética como seu chefe de Estado por 23 anos sob Stalin, ou o ucraniano Nikolai Podgorny, que fez o mesmo por 21 anos sob o líder do partido Leonid Brezhnev.

Se assim for, este presidente teve um papel nefasto para a Rússia nos últimos anos, apesar de suas opiniões supostamente liberais –ou precisamente por causa delas, pois aparentemente não passava de um cúmplice de Putin.
 
Retratado como fraco
Pouco antes da sua eleição em 2008, muitos já acreditavam que Medvedev serviria meramente para guardar o lugar no Kremlin. Nos últimos meses, contudo, houve rumores crescentes que Putin ia retornar ao poder, rumores reforçados por uma enchente semanal de imagens de Putin como líder onipotente: no volante de um Lada viajando (supostamente sozinho) pela Sibéria, caçando uma baleia cinza no Pacífico, andando de moto com um grupo e recuperando uma ânfora antiga do fundo do mar. Na foto mais recente, Putin está sem camisa na frente de um médico, que confirma que ele tem excelente estado de saúde.

A mensagem estava clara: olhem para mim, sou o homem mais forte do país. Ao mesmo tempo, as fotos de Medvedev o mostravam como fraco e quase deprimido, constantemente anunciando que em breve faria uma declaração sobre seu futuro político como presidente –o que ele nunca fez. Ele já tinha desistido há meses.

O que é surpreendente não é a volta de Putin, mas a maneira pela qual a dupla –ou melhor, Putin- encenou o jogo: uma grande produção na convenção do partido Rússia Unida. Os diretores tinham trazido 10.000 crianças e alunos para formarem um público entusiasmado para uma encenação do governo no Palácio Luzhniki de Esportes em Moscou. Ninguém sabia exatamente em que estaria votando, mas cada participante recebeu uma folha de papel com instruções sobre o que vestir (“paletó, sem gravata, com jeans”) e uma lista de slogans para repetir (“recite cada um ao menos cinco vezes).

Medvedev, que várias vezes condenou as práticas da propaganda estatal russa, não passou de um objeto de decoração. Ele permaneceu sentado em silêncio ao lado de Putin, o político que poderá governar a Rússia por mais tempo que Leonid Brezhnev.

Yuri Ryzhkov, ex-embaixador russo na França, diz que foi o maior erro de Yeltsin, até “um crime”, instalar Putin como seu sucessor. Ele descreve Putin como um “homem cheio de complexos”, convencido de “sua absoluta liberdade para fazer o que quiser em relação ao seu próprio povo”.

Mas agora está ficando claro que foi igualmente irresponsável instalar alguém como Medvedev no Kremlin há três anos e meio.
 
Acordo secreto
Putin o havia escolhido porque sabia que podia contar com Medvedev. Putin nomeou-o seu assistente na prefeitura de São Petersburgo no início dos anos 90. Quando Putin tornou-se primeiro-ministro, em 1999, ele levou o assistente com ele para Moscou. Mais tarde, como presidente, Putin fez de Medvedev chefe da administração do Kremlin e diretor da gigante de energia Gazprom. Em todos esses cargos, Medvedev se provou leal ao ponto do auto-abandono. Como resultado, pôde vencer seu rival, Sergei Ivanov, o confiante ex-ministro da defesa, quando chegou a hora de determinar quem sucederia Putin em 2008. Se Ivanov tivesse se tornado presidente, Putin talvez tivesse corrido o risco de ficar de lado.

Em outras palavras, Medvedev de forma alguma foi o opositor liberal de Putin quando se mudou para o Kremlin, mesmo que intelectuais russos e ocidentais quisessem vê-lo dessa forma. Ele meramente tinha passado por uma socialização diferente de Putin, que foi formado nos caóticos anos 90, quando governar era informal e leis e instituições eram ignoradas. Medvedev aparentemente acreditava em ideias e na Internet, enquanto Putin evitava computadores, que mostram um mundo completamente diferente do que existe em sua cabeça.

A decisão de Medvedev no início de seu mandato de prorrogar os cargos de presidência e dos parlamentares mostra que ele chegou a Kremlin com seu programa próprio. A emenda constitucional séria, que significava mais uma erosão do sistema democrático, foi parte de um acordo secreto que Medvedev e Putin fizeram antes das eleições. Foi a primeira traição das ideias liberais que ele mais tarde pregou, o defeito de nascença de sua presidência fracassada.
Um país de mendigos

A presidência não teve pontos altos. Somente uma vez houve uma fase na qual Medvedev tentou deixar sua marca. Durou menos de um ano e começou em setembro de 2009, com um artigo na Internet no qual o presidente ofereceu uma visão clara das condições na Rússia. Ele criticou fortemente a “economia de matéria prima primitiva” da Rússia e a “corrupção crônica”, a “esfera social semi-soviética” e o ambiente “paternalista”. Pouco depois, ele disse ao “Spiegel”: “Vender gás e petróleo é nossa droga”. Medvedev acreditava que o país precisava repensar sua estratégia e que precisava de “mudanças rígidas e consistentes”.

Contudo, ele não seguiu seu próprio conselho. Um cidadão desapontado, chamado “Vanya”, escreveu no blog do presidente: “Somos um país de mendigos, um país sem futuro, um país de escravos, caos e desintegração. Senhor presidente, é hora de fazer algo. Pare de se evadir!”

Mas Medvedev raramente tomava suas próprias decisões. A demissão do prefeito de Moscou Yury Luzhkov e mais tarde a posição pró-Ocidente do Kremlin na campanha da Otan na Líbia, que Putin criticara duramente como uma “cruzada”, foram suas duas únicas posições independentes significativas. Todas as outras tentativas de Medvedev de se distanciar de seu mentor Putin fracassaram miseravelmente. O presidente queria que a Rússia ingressasse rapidamente na Organização Mundial do Comércio, de forma a integrar mais efetivamente o país à economia mundial. Mas toda vez que os assessores de Medvedev venciam as dificuldades de entrar para a OMC, Putin inventava uma nova. Ele até aumentou por si próprio os impostos sobre importações de carros estrangeiros.

Em entrevista transmitida por todo o país no final de dezembro de 2010, Medvedev mencionou os nomes dos oponentes de Putin, o que era tabu na televisão estatal até então. Poucos dias depois, Putin mandou prender Boris Nemtsov, ex-vice-primeiro-ministro e atual membro da oposição, em um comício. Ele difamou Nemtsov e seus partidários como traidores do país “que querem vender a Rússia”.

Medvedev também criticou a condenação prematura por Putin do magnata do petróleo Mikhail Khodorkovsky antes do final de seu segundo julgamento. Putin disse que Khodorkovsky era culpado de ao menos três assassinatos. Mas a objeção de Medvedev de pouco serviu. Khodorkovsky foi condenado a 14 anos de prisão.
 
Humilhação do presidente
O fato de Medvedev nunca ter conseguido tirar plena vantagem de seu poder político tem, provavelmente, algo a ver com sua formação sólida, de filho de professor. Ele não foi um Boris Yeltsin, disposto a colocar seu cargo e sua vida em jogo por suas crenças, nem tampouco um macho alfa feito Putin, que aprendeu logo cedo como se afirmar contra meninos mais fortes durante sua infância nos subúrbios da classe operária em São Petersburgo.

Medvedev sempre se viu no papel de irmão menor de Putin, como mostram claramente quase todas as fotos com os dois. A partir de sua postura, seu comportamento, da forma como anda, ficava claro que o presidente estava tentando copiar o primeiro-ministro.

Esse relacionamento permitiu que Putin, que se dirige a Medvedev pelo primeiro nome, enquanto Medvedev se dirige ao primeiro-ministro em um tom mais formal, humilhasse o presidente toda vez que quisesse. Quando Medvedev propôs o projeto Skolkovo, uma versão russa do Vale do Silício que ele sonhara, assim como uma comissão de modernização, foram disponibilizados apenas US$ 340 milhões (em torno de R$ 600 milhões) no orçamento. Putin, de sua parte, criou seu próprio comitê de modernização com um orçamento quase dez vezes superior, para se distanciar de Medvedev.

E será que Medvedev esperava verdadeiramente concorrer novamente à presidência, como fontes no Kremlin sugeriram? E Putin o pressionou para tirar sua candidatura durante uma viagem de pesca em agosto no rio Volga em Astrakhan?

Isso permanecerá em segredo entre eles. Mas para Medvedev, foi duplamente humilhante que Putin o tivesse forçado a concorrer como principal candidato da Rússia Unida, que Medvedev muitas vezes criticou como partido dos pelegos.

Medvedev tampouco poderá escapar da experiência de ser repreendido por Putin quando ele se tornar primeiro-ministro –se a nomeação se materializar. Depois ele terá que implementar o programa que Putin anunciou na convenção da Rússia Unida, que também é contrário às ideias de Medvedev, porque Putin fez da Rússia uma terra de capitalismo estatal. Durante o mandato de Putin, a parte do PIB gerada por empresas estatais voltou a crescer para quase 50%. Medvedev, de sua parte, procurou privatizar operações estatais como a gigante de petróleo Rosneft e a companhia aérea nacional Aeroflot, mas seus esforços logo fracassaram.

Peso pesado no Orçamento nacional
O maior país do mundo em área ainda é altamente dependente de suas exportações de petróleo e gás natural. Além da viagem espacial, a indústria de defesa e nuclear, todas as tentativas de desenvolver outros setores econômicos ou torná-los internacionalmente competitivos fracassaram. O abismo entre ricos e pobres aumentou e o sistema de saúde em algumas partes do país é comparável ao de países muito mais pobres.

Para esconder essas falhas, Putin dourou seu histórico sempre que possível na convenção da Rússia Unida. Ele esbravejou sobre seis milhões de crianças nascidas desde 2008, o “mais alto número em 20 anos”, mas não mencionou que as mortes ainda superaram os nascimentos em ao menos um milhão no mesmo período. Ele também nada disse sobre o fato de jovens russos bem educados estarem deixando o país em números crescentes.

Em vez disso, os delegados receberam uma avalanche de promessas de campanha que vão impor uma carga pesada no orçamento nacional. Ele prometeu um aumento de 19% nas pensões, novos equipamentos para o exército e a marinha, o congelamento das tarifas locais de eletricidade e água e a construção de 1.000 novas escolas. Desde já, professores, médicos, policiais e soldados receberão um aumento salarial de 6,5% . Como Putin espera alcançar um crescimento de 7% do PIB ainda é um mistério.

É claro, Putin não é aquele que vai ter que implementar tudo. Essa tarefa vai recair para Medvedev quando ele se tornar primeiro-ministro em maio. Ele também terá que promover o aumento dos impostos e da idade de aposentadoria, duas reformas que não podem mais ser adiadas. Putin poderá olhar confiantemente pela janela de seu novo escritório no Kremlin, onde não será o alvo de revolta popular. Ele poderá usar Medvedev como seu bode expiatório e até tirá-lo do cargo se for conveniente, algo que Medvedev não teria sonhado em fazer. É uma aposta segura que o presidente desafortunado também continuará sem sucesso como primeiro-ministro.

Caindo no papel de Putin
E Medvedev foi de fato um reformista? Na semana após a decisão sobre a transição de poder, o presidente não demonstrou o menor sinal de apoiar as ideias liberais. Pelo contrário, encarnou o papel de Putin como político macho. Diante das câmeras ao vivo, ele demitiu grosseiramente o ministro de finanças Alexei Kudrin, porque Kudrin havia criticado a política fiscal do Kremlin. Na terça-feira da semana passada, ele participou de uma manobra militar vestindo uma jaqueta de couro e pediu maiores gastos com defesa. Ele salientou que a Rússia é uma potência nuclear e “não uma república de bananas” e que qualquer um que duvidasse disso deveria mudar de emprego.

Não eram as palavras de uma pessoa que discorda de Putin. Isso leva à conclusão preocupante que Medvedev foi muito superestimado e que não foi um presidente honesto. “Ele pregou a modernização e, ao fazê-lo, despertou esperanças de mudança –e ao mesmo tempo não fez absolutamente nada”, disse Lilia Shevtsova do Centro Carnegie, em Moscou. Muitos acreditaram em seus planos de trazer progresso à Rússia.

Agora, diz Shevtsova, Medvedev cedeu o lugar a Putin novamente. Isso significa que não haverá nenhuma reforma e sim uma volta ao velho modelo de liderança bruta. É uma ironia da história, diz ela, que “um político que parece ser reformista possa ser um maior impedimento ao progresso do que um tradicionalista aberto”. A retórica liberal em um ambiente não liberal no qual os parafusos são apertados ainda mais, “somente aumenta o cinismo na sociedade”, disse ela.

Isso é precisamente o que está acontecendo. Em uma coluna de opinião nesta semana, a jornalista Yulia Latynina escreveu que em um sistema eleitoral normal, somente uma pessoa pode se tornar presidente, mas todos podem votar. Na Rússia, por outro lado, a situação é reversa. “Todo mundo pode ser presidente, até o amado labrador de Putin –mas somente uma pessoa dá as cartas: Putin”.
Jogando a toalha

Se há uma coisa que os ex-partidários de Medvedev têm contra o presidente é que este homem capaz e saudável não achou necessário explicar aos seus mais de 52 milhões de eleitores por que está jogando a toalha após apenas um mandato.

“Você deu às pessoas a falsa esperança de um futuro normal, mas agora está claro que você é como Putin”, escreveu um jovem político da oposição de Moscou em seu blog.

Muitos russos agora abandonaram suas últimas ilusões, diz o cientista político Anatoly Bernstein. “Como resultado, a Rússia está perdendo a energia e a fé de muitos cidadãos decentes”, diz ele, coisas que precisa urgentemente para se revitalizar.

O tabloide “Moskovskij Komsomolets” escreveu: “O curso da história aparentemente foi interrompido em nosso país. Um poder que não mais é capaz de despertar esperança está abrindo a porta de seu próprio túmulo”.

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