1º Tenente da USAF, Kathryn Miles, uma engenheira do Time de Reconstrução lotado em Panjshir, visita junta com Shah Murza, um representante do Ministério da Agricultura do Afeganistão, o distrito de Anaba para avaliar a possibilidade de construção de um reservatório de água |
O mulá Suleiman tem a testa alta, o nariz aquilino e a barba cheia. Ele está sentado de pernas cruzadas sobre um tapete vermelho-sangue, com seu filho de 2 anos sobre sua coxa. Tratados islâmicos amontoam-se na beirada da janela.
Do lado de fora, um riacho corre sobre um leito de pedregulhos à sombra de folhagens que amarelecem. Abaixo, a vila de Bazarak se exibe ao longo de uma estrada única que serpenteia ao pé de vales, encostas terrosas vincadas pela neve derretida. Acompanhando a faixa do asfalto, o rio Panjshir despeja suas águas esmeralda, espumando sobre suas saliências rochosas.
Ouvindo o mulá Suleiman, entende-se melhor aquilo que o Panjshir, esse vale tadjique que rasga a cordilheira de Hindu Kush, 150 quilômetros ao norte de Cabul, tem de tão particular no Afeganistão. “É impossível conversar com os talebans!”, ele exclama. O mulá está em total harmonia com os humores de um vale habitado por inebriantes lembranças. A resistência contra o Exército Vermelho (1979-1989), e depois contra o regime taleban (1996-2001) formou aqui um espírito fanfarrão, um pouco altivo, que os atuais mestres de Cabul temem de maneira inconfessa.
Testemunha desse passado de bravatas, o culto do comandante Ahmad Shah Massoud – assassinado no dia 9 de setembro de 2001 pela Al-Qaeda – é cuidado com fervor. O rosto de águia do herói é exibido em toda parte, nos vidros dos carros, nas vitrines das lojas, no chão pintado a cal das casas. A memória está lá, obcecante, cheia dessas carcaças de tanques russos que ainda se enferrujam nas margens úmidas, herança que não deve ser tocada. O espetáculo intacto de vilas arrasadas, esmagadas por rajadas de balas, contribui para a lenda de chumbo do Panjshir.
Aos 45 anos, o mulá Suleiman combatia sob as ordens do “Leão do Panjshir”. Ele chegou a ser um comandante local, com duzentos homens sob sua autoridade. Hoje, ele sorri quando oferece o chá, mas está preocupado. Dez anos após a queda do regime taleban, para a qual os panjshiris contribuíram com o apoio dos bombardeiros americanos – a intervenção “Enduring Freedom” (“Liberdade Persistente”) havia sido desencadeada no dia 8 de outubro de 2001 em resposta aos atentados de 11 de setembro - , a febre volta a subir no vale.
O assassinato, no dia 20 de setembro, em Cabul, de Burhanuddin Rabbani, líder histórico do partido Jamiat-e-Islami, do qual as tropas de Ahmad Shah Massoud foram o braço armado, despertou o espírito de resistência.
O nervosismo é ainda mais intenso pelo fato de que Rabbani havia sido encarregado pelo presidente Hamid Karzai de negociar a paz com o movimento taleban, insurreição surgida de terras pashtuns do leste e do sul afegão. “Eles mataram uma figura de paz”, lamenta o mulá Suleiman. “Não se pode confiar de jeito nenhum nos talebans, sobretudo quando eles são apoiados pelo Paquistão, que quer destruir o Afeganistão.”
Mas o mais grave, na opinião do mulá Suleiman, é que o assassinato de Rabbani não é um caso isolado. Ele faz parte de uma longa lista de atentados que recentemente custaram a vida de antigos comandantes da Aliança do Norte, a coalizão antitaleban dos anos 1996-2001, da qual os panjshirs foram a base. “Se essa campanha de assassinatos continuar”, ele diz, “as pessoas do vale ficarão tentadas a pegar novamente nos fuzis. É lógico.”
Ao lado do mulá, Mohammed Saleh concorda com a cabeça. Esse habitante de barba grisalha e jaqueta cinza sobre sua túnica bufante, fala de maneira nervosa e rude. Ele não gosta de ocidentais. “O Ocidente não está realmente conduzindo a guerra no Afeganistão, você está fazendo jogo duplo”, ele argumenta. “Os americanos não estão aqui para lutar contra os talebans, mas sim para assumir posições na Ásia Central contra a Rússia e a China. Se o Ocidente fosse honesto conosco, ele deixaria que pegássemos de novo em armas, e acabaríamos com os talebans em três meses.”
O Panjshir é hoje a província mais tranquila do Afeganistão. Mas até quando? O vale parece se tensionar em uma paranoia da conspiração, uma fobia da infiltração, voltando aos seus antigos instintos de fortaleza sitiada. As redes de informação que o comandante Massoud havia tramado dentro dos vilarejos foram reativadas. O próprio mulá Suleiman deu sua contribuição. “Em minhas preces da sexta-feira na mesquita, peço para que as pessoas redobrem a atenção, tomem cuidado com os visitantes estrangeiros no vale e avisem a polícia se tiverem qualquer suspeita”. Na fortaleza de Panjshir, as portas estão prestes a se fechar novamente.
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