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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Análise: proposta de Abbas na ONU é multilateral e legitimadora


O presidente francês Nicolas Sarkozy (à esquerda) e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas (à direita) caminham pelo Hotel Millennium , na Rua 44, em Nova York

A iniciativa do presidente Abbas solicitando o reconhecimento da Palestina na ONU foi taxada por Benjamin Netanyahu de unilateral e deslegitimadora para o Estado de Israel. Como acontece com as propostas eficazes, fruto de um trabalho político e diplomático cuidadoso, ambos os argumentos já fizeram fortuna e hoje não faltam em nenhum dos debates sobre os acontecimentos que ocorrerão nos próximos dias na sede da organização internacional. Um terceiro inconveniente ou problema se deduz dos dois anteriores: seu propósito é isolar Israel.

De todos os passos que os palestinos deram ao longo da história para exercer seus direitos, o movimento diplomático escolhido pelo presidente Abbas é dos mais pacíficos e multilaterais possíveis. Trata-se, para começar, de uma petição que é submetida ao julgamento de toda a comunidade internacional, e não de uma ação irreversível tomada à margem do multilateralismo. A Autoridade Palestina solicita dos outros países um gesto semelhante ao que obtiveram os judeus da Palestina em 1947, quando foi aprovado o plano de divisão que lhes permitiu criar o Estado de Israel. A petição fecha o círculo, pois leva a consagrar interna e externamente essa divisão, então não aceita pelo conjunto dos países árabes; e daí, não se pode esquecer, a oposição ao gesto de Abbas pelo campo radical - Hamas e Irã -, que quer meramente o desaparecimento de Israel.

Não é um gesto deslegitimador. Do reconhecimento do Estado palestino sobre as fronteiras de 1967, surgiria pela primeira vez um Israel reconhecido por seus vizinhos. No impasse atual, entre os vizinhos só o reconhecem os que têm acordos de paz, Egito e Jordânia, e muito poucos mais no entorno árabe e muçulmano. A precariedade das relações com esses e outros países faz temer, pelo contrário, que a negação de Israel só fará complicar seu futuro, transformado nessa fortaleza que não quer se integrar a seu quadro geográfico natural, segundo descrição do rei Abdallah da Jordânia. Estão certos os que esgrimem esse argumento, ao concentrar a deslegitimação nos territórios ocupados da Cisjordânia. São os colonos, esses ocupantes ilegais e consentidos, que ficam deslegitimados. A única coisa que poderia justificar a defesa das colônias, inclusive retrospectivamente, seria sua utilização como arma de negociação, e assim foram concebidas nos anos posteriores à conquista militar de 1967 pelos governos trabalhistas.

Até que chegaram os direitistas do Likud, com os mapas do Grande Israel embaixo do braço, o mandato bíblico sobre toda a Palestina histórica e o propósito de fazer saltar pelos ares os Acordos de Oslo, perfeitamente cumpridos.

Não é um gesto unilateral na forma, como diz Netanyahu, por romper a negociação multilateral de uma negociação rota e suspensa como a de Oslo. Tampouco o é em seu conteúdo: seu objetivo é regressar a Oslo e à fórmula desses dois Estados, que não querem nem o Hamas nem o sócio de Netanyahu, Avigdor Lieberman; o pai centenário e conselheiro do primeiro-ministro e historiador da Inquisição espanhola, Etzion Netanyahu; e provavelmente o próprio Netanyahu. Sem contar com a ironia de uma acusação de unilateralidade partir de Israel, país surgido do multilateralismo, mas assentado no unilateralismo e no direito de veto de Washington no Conselho de Segurança da ONU.

Chegamos assim ao terceiro defeito: a vontade de isolar Israel que esgrime o partido de Netanyahu. As provas são evidentes: Abbas quer negociar de Estado para Estado e ter a oportunidade de atuar internacionalmente em condições mais equilibradas, o que pode levar a empreender ações jurídicas internacionais contra os colonos, seus governantes e os militares. Mas isto não é argumento em relação ao Estado de Israel, senão a determinados responsáveis políticos, que também compromete os palestinos que atuarem fora da legalidade internacional, como é o caso do Hamas. Se Israel está isolado, não é pela ação diplomática de Abbas, mas pela ação isolacionista e deslegitimadora de Netanyahu, que rompeu toda a arquitetura de alianças forjada durante os 60 anos de história de seu país.

O mérito de Abbas é seu caminho legal e pacífico, que não deve abandonar em caso algum. Como não querem que a comunidade internacional aplauda aos palestinos, que agora só esgrimem o ramo de oliveira e afinal entregaram a pistola? A palavra é o que lhes dá sua força moral e política; desautoriza e anula o errôneo caminho violento que alguns ainda querem transitar; e coloca EUA e Israel em apuros.

A direita israelense está prestes a repetir aquele gesto de 1948, mas no sentido inverso. Os conservadores israelenses vão declarar a guerra, como fizeram então os árabes?

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