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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

As armadilhas de financiar a Primavera Árabe

Milhares de pessoas vãos as ruas de Bayda, Líbia, protestar contra o ditador Muamar Al-Khaddafi
À medida que a Primavera Árabe se transforma em outono, as instituições ocidentais que emprestam dinheiro enfrentam questões extremamente delicadas em suas iniciativas de apoio ao desenvolvimento social em países que lutam para emergir de décadas de estagnação.

Governos e instituições como o Fundo Monetário Internacional e o Banco de Investimento Europeu foram muito rápidas em oferecer ajuda financeira ao Egito, Tunísia e outros países do Oriente Médio que estão dando passos hesitantes em direção à democracia.

Mas qualquer que seja o motivo por trás das ofertas – benevolência, incentivo à uma governança ao estilo ocidental ou ajuda para a expansão de empresas ocidentais – o modelo tradicional usado pelos credores multilaterais parece cada vez menos apropriado para a região e difícil de implementar, dizem os analistas.

“Há uma contradição potencial no fato de que o modelo econômico de que esses países precisam, e que está em oferta, perdeu a credibilidade”, disse Mark Malloch Brown, ex-vice-secretário geral da ONU. “Os programas econômicos liberais que esses países tenderam a adotar nos últimos anos estavam comprometidos pelos regimes, que enriqueciam a si mesmos e a seus amigos.”

Encontrar um modelo econômico para substituir o pseudo capitalismo é essencial para lidar com outros problemas prementes da região, que incluem o alto desemprego, orçamentos apertados, alta inflação, e falta de investimento.

O FMI estima que Egito, Jordânia, Líbano, Marrocos, Síria e Tunísia todos tenham taxas de desemprego de cerca de 11%, que quase não mudaram ao longo das duas últimas décadas. O desemprego dos jovens em média excede os 40%.

O Egito, Iêmen, Tunísia e Síria devem experimentar recessão este ano à medida que a atividade econômica se contraiu após as revoltas, disse o Instituto Internacional de Finanças recentemente.

Um relatório do FMI em maio disse que as necessidades de financiamento externo de países importadores de petróleo do Oriente Médio e do Norte da África passarão dos US$ 160 bilhões ao longo dos próximos três anos.

Este mês, líderes do Grupo dos 8 países industrializados prometeram US$ 38 bilhões para ajudar a apoiar a transição para a democracia em meio a queixas de que muito pouco do pacote de ajuda de US$ 20 bilhões prometido em maio havia se materializado. Estados árabes ricos como o Catar, Kuwait e Arábia Saudita também ofereceram bilhões, bem como aumentar seus gastos para tentar impedir a inquietação interna.

O FMI disse que poderia fornecer US$ 35 bilhões em empréstimos para a região, e o Banco Mundial anunciou planos em maio para emprestar US$ 6 bilhões ao longo de dois anos para o Egito e a Tunísia.

Ao lado dos estados do Golfo, a Europa pode ter um papel central: ela responde por mais de três quartos da exportação de bens da Tunísia, lucros com o turismo, envio de dinheiro por parte de trabalhadores e investimentos.

Uma ferramenta de apoio seria o Banco Europeu de Investimento (BEI), que tem a missão de apoiar a estabilidade e a construção das nações nos países parceiros da União. No início do verão, os membros da União concordaram que o BEI poderia aumentar os empréstimos para o Oriente Médio num processo que deverá ser ratificado em breve. Isso daria ao banco quase US$ 6 bilhões disponíveis em financiamento para a região até 2013.

O Egito deve receber cerca de metade desses fundos para a região, seguido pelo Marrocos, Tunísia e Jordânia. A União Europeia também está oferecendo à Líbia acesso aos empréstimos do BEI, caso um novo governo busque assistência.

Outro veículo será o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, estabelecido em 1991 para ajudar países do leste europeu e da ex-União Soviética a fazerem a transição para economias de mercado e governo multipartidário depois do colapso do comunismo.

Em julho, seu comitê aprovou expandir os empréstimos ao Oriente Médio, como parte de um processo que pode incluir um empréstimo de US$ 2,5 bilhões para a região anualmente. Um fundo inicial poderia começar empresando para o Egito na próxima primavera, concentrando-se na agricultura, manufatura, serviços municipais, transporte urbano e bancos. O objetivo seria atrair investidores privados para compartilhar os riscos.

De forma semelhante, o braço de investimentos privado do Banco Mundial, o International Financial Corp., também está se mobilizando. Mas apesar desses esforços, a resposta da região tem sido mista.

Como a África do Sul após o apartheid, o Egito parece desconfiado dos motivos por trás das ofertas.

“O Egito recebeu a oferta de US$ 17,5 bilhões de diferentes promessas e compromissos”, disse Gouda Adbel-Khalek, ministra egípcia da solidariedade e justiça social. “Muito pouco se materializou e boa parte disso é propaganda. Todo mundo está lutando por uma posição e tentando promover seus próprios interesses.”

Parte da questão parece ser o medo de estar associado com credores ou políticas ligadas ao ocidente ou aos regimes anteriores. Na Tunísia, por exemplo, até setembro de 2010, o FMI ainda se vangloriava do “gerenciamento macroeconômico e das reformas estruturais” do regime do presidente Zine al-Abidine Bem Ali. E o fundo pedia políticas impopulares para conter os gastos públicos com salários, alimentação e subsídios aos combustíveis.

Em junho, os governantes de transição do Egito no Conselho Supremo das Forças Armadas cancelaram os planos de emprestar US$ 3 bilhões do FMI bem como empréstimos do Banco Mundial, argumentando que o governo já tinha cortado seu déficit orçamentário. O conselho indiciou que as condições de empréstimo violariam a soberania, e que temia uma revolta popular contra os termos potencialmente restritivos. Há também um medo de passar uma dívida ainda maior para a próxima geração.

Os europeus em particular terão que lidar com cuidado com os novos governos, tendo assinado acordos de parceria com os antigos ditadores e os cortejado. A Europa também está constrita por sua crise fiscal e não está disposta a ganhar confiança abrindo suas fronteiras para imigrantes do norte da África. E diferentemente do caso do leste europeu, Bruxelas não está disposta a oferecer aos países da Primavera Árabe a possibilidade de entrada na UE. Isso deixa a Europa com pouco a oferecer a não ser empréstimos leves e acesso ao mercado.

Enquanto isso, grupos de pressão foram alertados sobre os efeitos colaterais potencialmente negativos da expansão dos credores multilaterais na região.

A CEE BankWatch Network, uma organização não governamental que monitora instituições internacionais na Europa Central e do Leste, argumenta que é prematuro para o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento financiar o norte da África “quando não está claro, de forma alguma, que tipos de governos se seguirão aos regimes recentemente derrubados.”

Em julho, ele alertou que o BEI e o BERD “operam com ordens políticas vagas” da União Europeia, e que “as instituições políticas da UE exercem controle limitado sobre as atividades bancárias”.

Em junho, duas outras organizações não governamentais, a Counter Balance e a Network for Develpment, levantaram preocupações sobre os danos que a ajuda ocidental poderia causar à transição democrática. Elas argumentaram que instituições de fora vêm promovendo os mesmos modelos econômicos injustos contra os quais os protestos emergiram.

Philippe de Fontaine Vive, vice-presidente do BEI para o sul do Mediterrâneo, disse que os compromissos do banco terão que ser baseados em “fundações sólidas” e nos “seus 40 anos de trabalho na região, bem como os esforços que fizemos para encontrar e discutir com os governos envolvidos.”

Anoush Ehteshami, professor de relações internacionais da Universidade Durham, disse que o investimento estrangeiro será essencial para criar empregos e aumentar o crescimento, mas uma nova abordagem será necessária.

“Apenas dar continuidade ao antigo modelo do FMI não deve ser produtivo no ambiente pós-revolucionário, especialmente com a necessidade inerente de intervenção estatal”, disse ele. “A chave para o Ocidente está em trabalhar em parceria com esses países e outros atores regionais como os estados do Golfo.”

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