O presidente francês Nicolas Sarkozy (à esquerda) e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas (à direita) caminham pelo Hotel Millennium , na Rua 44, em Nova York |
A dois dias do discurso de Mahmoud Abbas na ONU, é intensa a atividade diplomática para evitar um confronto no Conselho de Segurança. Do lado francês, embora Nicolas Sarkozy tenha declarado, no final de agosto, durante a conferência dos embaixadores, que “a França deveria assumir suas responsabilidades”, seu posicionamento ainda não foi decidido. Pela voz de Bernard Valero, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Paris explicou que sua “posição será guiada pela tripla preocupação de preservar a perspectiva de uma retomada do processo de negociações, evitar o confronto diplomático e manter a unidade europeia”. Ao contrário de muitos países, a França ainda não disse se apoiaria ou não o pedido de reconhecimento da criação de um Estado palestino.
Na direção de uma “abstenção ativa”?
Para Julien Salingue, professor e doutorando em ciências políticas, especialista na questão palestina, “a França ainda não sabe o que vai votar. Na verdade existem desacordos dentro do próprio governo. No Quai d’Orsay [sede do ministério das Relações Exteriores] permanece uma certa ‘política árabe’ da França, herdada da tradição gaullista, que se encontra, por exemplo, em Alain Juppé. Essa visão coexiste com uma minoria atlantista que gravita em torno de Nicolas Sarkozy. Durante quarenta anos, houve uma verdadeira continuidade na política externa da França sobre essas questões. Continuidade que tendia a deixar os dois lados felizes. Mas essa posição é cada vez mais difícil de manter, dadas as evoluções regionais do mundo árabe. Por essas razões, é mais uma abstenção ativa da França que se vem se esboçando, ou seja, iniciativas futuras para relançar as discussões.”
Para Frédéric Encel, doutor em geopolítica e professor-assistente na Sciences Po Paris, “tudo dependerá da capacidade da França – bem como a de Barack Obama, principalmente – de encontrar uma fórmula de acordo com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.” Segundo o pesquisador, “a França busca duas coisas nessa questão. Primeiro, encontrar um papel diplomático primordial no Oriente Médio, o que ela perdeu pelo menos desde os anos 1980; nesse sentido o presidente Sarkozy pode se orgulhar ao mesmo tempo de sua amizade com Israel e, recentemente, de sua vitória diplomática na Líbia. Em seguida, retomar a liderança estratégica da União Europeia ao lado do aliado britânico. Na verdade, se Paris conseguir obter uma voz europeia única na votação sobre o Estado da Palestina, terá ganho em credibilidade diante de protagonistas do Oriente Médio, mas também de americanos e russos”.
Contudo, a respeito desse consenso europeu, alguns observadores se mantêm cautelosos. Didier Billion, redator-chefe da “Revue Internationale et stratégique” e especialista em Oriente Médio no IRIS [Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas], ressalta que “a Alemanha é tradicionalmente muito pouco crítica em relação a Israel, e isso por razões históricas. Além disso, os tchecos e os poloneses, muito próximos dos Estados Unidos, os seguirão nessa questão.”
Para além das dissensões europeias, há divisões surgindo dentro da classe política francesa. Cerca de 110 parlamentares publicaram no domingo uma carta aberta a Nicolas Sarkozy, na qual pedem para que a França diga não ao reconhecimento unilateral de um Estado palestino na ONU. Um texto assinado por personalidades tanto de esquerda quanto de direita.
“Um texto lamentável”, para o ex-ministro das Relações Exteriores francês, Hubert Védrine, contatado pelo “Le Monde”. Para Védrine, “propor uma volta à mesa de negociações antes de um reconhecimento da ONU é de um cinismo total, uma vez que o governo israelense foi eleito em um programa onde um acordo não era possível. Esse texto equivale a deixar Netanyahu (primeiro-ministro israelense) manter o statu quo”.
Como lembra Didier Billion, “a história lembra que a França pode ter uma voz singular sobre o assunto. Desde De Gaulle até Chirac, houve posicionamentos nítidos e claros a favor dos palestinos. A política externa da França é bastante coerente, uma vez que sempre se colocou em uma lógica de reconhecimento do Estado palestino”.
A ruptura Sarkozy?
O que houve desde que Nicolas Sarkozy chegou ao Palácio do Eliseu? “Ele nunca escondeu sua proximidade com o Estado judaico”, explica Frédéric Encel. “Ao mesmo tempo, sua determinação em ter influência na região o levou a rapidamente apoiar a autoridade frágil, mas legítima, de Mahmoud Abbas diante dos islâmicos radicais do Hamas. Em dezembro de 2007, durante a abertura do processo de negociações de Annapolis, foi em Paris que os doadores internacionais se comprometeram a pagar US$ 7 bilhões à Autoridade Palestina. E o incentivo do Eliseu foi considerável. Desde então, o presidente francês exortou diversas vezes ao primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu a avançar nas negociações. De forma geral, essa posição pró-ativa que se pretende equilibrada corresponde à de um ministério das Relações Exteriores em plena evolução, amplamente livre do velho conceito agora batido da ‘política árabe da França’”.
Declaração de amor a Israel para uns, continuidade da política externa da França para outros, o discurso de Nicolas Sarkozy diante do Knesset [parlamento de Israel] em junho de 2008 marcou uma etapa importante. O presidente da República francesa declarou então: “Devemos a verdade a amigos, senão não se é amigo. A verdade é que a segurança de Israel, sobre a qual a França nunca transigirá, só será verdadeiramente garantida quando ao seu lado virmos um Estado palestino independente, moderno, democrático e viável.”
Didier Billion, do IRIS, observa que “fora as declarações de princípio justas e necessárias, a França não demonstrou iniciativas em relação aos palestinos durante o mandato de Sarkozy. Eu não li, por exemplo, nenhuma declaração firme do presidente sobre a colonização que, do ponto de vista do direito internacional, é ilegal”.
Frédéric Encel garante, por sua vez, que “pode-se dizer que, desde meados dos anos 1960, a parceria cultural, estratégica e econômica entre a França e o Estado judaico nunca foi tão forte quanto agora”.
Para Julien Salingue, autor de “À la recherche de la Palestine, au-delà du mirage d’Oslo” [“Em busca da Palestina, além da miragem de Oslo”, Editions du Cygne], “não há uma ruptura com Nicolas Sarkozy. Se é que existe uma mudança, ela se situa mais no nível do discurso. Sob a presidência de Sarkozy, poucos sinais foram de fato enviados à população palestina”. A reunião da ONU, nesta semana, poderá ser a oportunidade para a França esclarecer sua posição.
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