sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Eleições na Rússia: Kremlin defende manipulação como estratégia eleitoral
Quando o Kremlin explica democracia para as crianças, ele pinta um quadro cor-de-rosa de um sistema que funciona bem. “É bom que pessoas com opiniões diferentes apontem os erros cometidos pelo governo”, diz o site kids.kremlin.ru. O site explica para os jovens russos por que um “país democrático, saudável”, precisa de oposição. Mas a mesma mensagem não se aplica aos adultos que compõem os aproximadamente 110 milhões de eleitores registrados do país.
Vinte anos após o colapso da União Soviética e mais de uma década após o primeiro presidente da Rússia, Boris Yeltsin, ter escolhido o ex-membro da KGB, Vladimir Putin, como seu sucessor, o grande poder é uma falsa democracia, onde os partidos políticos se transformaram em fantoches do Kremlin.
Em nenhum outro lugar isso é mais aparente do que nas convenções do partido de Putin, o Rússia Unida. Os representantes acenando bandeirinhas, balões e os telões exibindo os oradores lembram uma campanha eleitoral nos Estados Unidos, mas o espírito dos eventos lembra mais o da União Soviética e seu Partido Comunista. Mas hoje, em vez de secretários-gerais enfermos, o homem diante do microfone é um enérgico Vladimir Putin, que conta a saga do ressurgimento da Rússia.
Ostensivamente independente
Nesta sexta-feira, haverá um novo show. O Rússia Unida realizará sua próxima convenção, marcando o início da campanha eleitoral para o Parlamento, em dezembro, e para a eleição presidencial, em março de 2012. O evento está atraindo mais atenção do que o habitual desta vez, porque não contará apenas com aparições de Putin, o primeiro-ministro e presidente do partido, mas também do atual presidente Dmitri Medvedev, o queridinho do Ocidente e o homem que despertava as esperanças de liberalização da Rússia quando chegou à presidência. Mas a maior badalação do evento na imprensa também se deve a um escândalo que provocou ondas de choque por todos os círculos políticos em Moscou, na semana passada.
Ele foi provocado pelo oligarca Mikhail Prokhorov, que, com um valor líquido estimado em 13 bilhões de euros (US$ 17,7 bilhões), é o terceiro homem mais rico da Rússia. No final de junho, o Kremlin colocou o empresário politicamente inexperiente à caça de votos. Ele foi nomeado líder do partido Causa Justa economicamente liberal, com a meta de recrutar os eleitores pró-Ocidente e dissuadi-los de ingressarem na oposição não-parlamentar.
Mas o projeto saiu de controle e, na semana passada, os estrategistas do Kremlin removeram novamente o oligarca. Ele adotou um curso ostensivamente independente e colocou na lista de seu partido indivíduos que não são tolerados em Moscou.
Prokhorov também era franco demais para o gosto de Putin e seus colegas. Ele anunciou publicamente que o Causa Justa era um “projeto do Kremlin” e exigiu a renúncia de seu ideólogo-chefe, Vladislav Surkov, um associado próximo de Putin, que dizem ser o terceiro homem mais poderoso no país. Prokhorov descreveu Surkov como o “mestre dos fantoches (...) que há muito tempo privatizou o sistema político”. É claro, não houve menção desta crítica fundamental no noticiário da televisão estatal.
Em vez de lhe ser concedida a reunião que requisitou com a liderança do governo para explicar sua posição, Prokhorov foi coberto de comentários maliciosos por parte do Kremlin, que o acusou de ter se tornado “histérico”.
Desviando a atenção do público
Após o escândalo, o Justa Causa provavelmente nem mesmo atingirá os 7% mínimos necessários para ingressar na Duma, a câmara baixa do Parlamento russo. Isso seria conveniente demais para Putin e aqueles que o apoiam, porque significaria que a Duma então encolheria para um Parlamento de três partidos no final do ano. Ele então consistiria apenas do Rússia Unida, do Partido Comunista e do Partido Liberal Democrático da Rússia, populista de direita, de Vladimir Zhirinovsky.
Onze semanas antes da eleição, já está claro que, novamente, a Rússia verá uma campanha eleitoral que não merece o nome. As únicas coisas abertas na chamada “competição aberta” pelo presidente Medvedev são as blusas das chamadas “Garotas Medvedev” e das mulheres jovens do “Exército de Putin” –dois grupos que estão usando mulheres seminuas fazendo campanha por seus respectivos candidatos.
Em um país macho como a Rússia, isso não apenas chama atenção, mas também desvia a atenção do público do fato de que não há mais debates políticos. A decisão sobre se Medvedev permanecerá na presidência ou se Putin concorrerá de novo também está sendo tomada atrás de portas fechadas. O primeiro-ministro, o líder real da Rússia, dará a palavra final sobre o assunto. Observadores políticos esperam que a convenção do Rússia Unida desta semana ao menos ofereça um indício de qual dos dois políticos será o próximo presidente.
Quanto menos eleições, melhor
O Rússia Unida visa garantir a continuidade do sistema de Putin, uma estrutura de poder de cima para baixo que garante uma forma rígida de governo, sem interferência da oposição. Ela cimenta o domínio por aqueles que foram enriquecidos pelo sistema e afugenta as classes com alta escolaridade e politicamente ativas que, em teoria, deveriam estar pressionando pela modernização do país defendida por Medvedev. Segundo uma nova pesquisa, um entre cinco russos gostaria de emigrar.
O presidente alertou recentemente contra um “apertar excessivo” dos parafusos na Rússia e disse que as críticas não podem ser restringidas. Putin e seus conselheiros adotaram a abordagem oposta. Eles estão convencidos de que um país gigante, atormentado por tensões étnicas e sociais, mergulharia novamente no caos se a retórica de Medvedev se tornasse realidade. A crise da dívida nos Estados Unidos e na União Europeia apenas reforça o ceticismo deles em relação à democracia ocidental.
A posição de Putin em relação a eleições é clara: quanto menos, melhor. Ele estava no poder há apenas sete meses quando, em julho de 2000, ele eliminou as regras para as eleições antes democráticas para membros do Conselho da Federação, a câmara alta do Parlamento. Depois da crise dos reféns em uma escola na cidade de Beslan, na região do Cáucaso, em 2004, que resultou em 331 mortos, ele também restringiu a eleição de governadores. Depois o período legislativo da Duma foi prolongado para cinco anos e o mandato do presidente para seis anos. Se Putin retornar ao Kremlin no ano que vem, e se for reeleito para um segundo mandato depois disso, ele permaneceria no poder até 2024, quando teria 71 anos.
Dez anos após sua fundação, o Rússia Unida detém a maioria absoluta das cadeiras em todos os Parlamentos regionais, exceto o de São Petersburgo. Os governadores regionais, quase sem exceção, também são membros do partido de Putin. Como resultado, o Conselho da Federação aprova virtualmente toda lei aprovada na Duma em prol do Kremlin.
Crescente apatia
Tudo isso leva a uma crescente apatia entre os eleitores, com a maioria dos russos tendo uma opinião ruim a respeito da democracia. A onipresença do Rússia Unida se tornou motivo de irritação para muitos. Nas eleições regionais de março passado, o partido conquistou menos da metade dos votos em muitos distritos, uma queda acentuada em relação ao resultado de 64% na eleição de 2007 para a Duma.
Na cidade de Kirov, onde um governador liberal impediu em grande parte a fraude eleitoral, o partido de Putin conquistou apenas 26% dos votos. O jornal semanal crítico “The New Times” cita uma pesquisa interna realizada pelo serviço de segurança presidencial, FSO, que conclui que apenas um entre três moscovitas planeja votar no Rússia Unida.
A reputação do partido é a culpada. Ele é popularmente chamado de “partido dos desonestos e ladrões”, um slogan cunhado pelo blogueiro Alexei Navalny, porque seus líderes usaram seus cargos para encher seus bolsos. Em uma discussão por rádio, ele revelou que os filhos, sobrinhos e outros parentes dos governadores do partido de Putin possuem ações de empresas industriais no valor de milhões.
Putin claramente decidiu transformar em sua meta mais importante assegurar a maioria de dois terços pelo Rússia Unida. Para isso, seus conselheiros estão fazendo grande uso de sua sacola de truques. A oposição não-parlamentar é desacreditada como lacaia do Ocidente. Os partidos adversários são vilificados, incluindo o Uma Rússia Justa, que o Kremlin criou há cinco anos para minar os comunistas. O mais recente veículo de manipulação política é um movimento chamado Frente Popular da Rússia, que Putin criou para trazer sangue novo ao Rússia Unida. O ex-campeão mundial de xadrez, Anatoly Karpov, e o tenista Marat Safin estão entre os principais candidatos do partido.
O partido sempre vence
Um exemplo recente de São Petersburgo mostra quão flagrantemente o Kremlin manipula as eleições. Como Medvedev precisava que a governadora impopular, Valentina Matviyenko, servisse como presidente do Conselho da Federação, ele teve que conseguir rapidamente para ela uma cadeira no Parlamento, porque apenas aqueles com mandato parlamentar podem servir no Conselho. Para isso, o Kremlin forçou a renúncia de membros de vários conselhos distritais da cidade, mas quando novas eleições foram realizadas, o distrito pelo qual Matviyenko concorria foi mantido em segredo – até se tornar tarde demais para candidatos de oposição se registrarem.
Em tempo para a convenção do Rússia Unida, o curso está traçado para outra vitória fácil pelo partido do governo. Os poucos delegados críticos são lembrados de algo já dito pelo falecido primeiro-ministro Viktor Chernomyrdin: “Não importa que partido criemos, o Partido Comunista Soviético sempre vence”.
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Pelo menos na era Putin, a Russia cresceu, sua classe media se multiplicou, a agricultura aumentou a produção, o país se modernizou...
ResponderExcluirCandidatos pró ocidente iriam fazer o que? Vender tudo aos europeus, americanos e japoneses...
O número de milionários que enriqueceram ilicitamente cresceu, essa que é a verdade. A Rússia não é moderna, viu?
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