O presidente francês Nicolas Sarkozy (à esquerda) e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas (à direita) caminham pelo Hotel Millennium , na Rua 44, em Nova York |
Declarando em seu discurso na ONU que "não existe
atalho para a paz", Barack Obama rejeitou a tentativa palestina de
reconhecimento como Estado. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu,
disse que Obama merece um "distintivo de honra" por sua posição, e um
funcionário de alto nível do Hamas comentou que "recorrer à ONU não trará
resultados para ele".
Errado. Conseguir da ONU alguma forma de reconhecimento de
um Estado palestino, independentemente dos méritos estratégicos, proporciona a
Mahmoud Abbas algo que lhe faz falta: legado pessoal. Se a estratégia de Abbas
resultará em benefícios de longo prazo para o povo palestino, é outra questão.
Por enquanto, a busca de Abbas pela aceitação do Estado
palestino lhe traz a oportunidade de sair de vez da sombra de Yasser Arafat
(1929-2004). Abbas não quer ser lembrado como o líder transicional que não
logrou usar o poder com eficácia. Desde que ele assumiu a Presidência, em 2005,
sua liderança vem sendo marcada por guinadas e reviravoltas dramáticas, mas nenhum
avanço importante.
Enquanto Arafat ficou na memória como o pai dos palestinos,
que proporcionou a seu povo uma voz no palco internacional, Abbas quer ser o
líder que deu à Palestina legitimidade como país em todo o mundo, mesmo que
esta seja mais simbólica do que substantiva.
A insistência de alguns setores árabes por uma abordagem
mais conciliadora, pela via da Assembleia Geral, não vem surtindo efeito. Abbas
está determinado a ir diretamente ao Conselho de Segurança em busca do
reconhecimento pleno -a despeito do veto dos EUA.
Também esse fato reflete as mudanças sérias na dinâmica do
Oriente Médio. Como a montanha-russa de seu governo, marcado por decepções
externas e falhas pessoais, levou a tal impasse diplomático?
Apesar dos avanços lentos, as negociações com o
ex-primeiro-ministro israelense Ehud Olmert estavam pouco a pouco assumindo
contornos positivos para Abbas. Mas o quadro mudou por conta dos escândalos de
corrupção envolvendo Olmert, seguidos por sua renúncia e pela posse de Benjamin
Netanyahu, cuja prioridade vem sendo manter intacta sua frágil coalizão. Essa
preocupação tem deixado diálogos com os palestinos em segundo plano.
A oposição interna direta do Hamas minou Abbas ainda mais.
As tentativas constantes de forças regionais de mediar as disputas internas da
Palestina e de facilitar o surgimento de um governo de união nacional têm sido
infrutíferas.
Mas a maior fonte de decepção e humilhação de Abbas acabou
sendo Obama. Por isso, Abbas declarou, em seu discurso na ONU: "Aspiramos
e buscamos um papel maior e mais eficaz das Nações Unidas no trabalho em prol
de uma paz justa e abrangente...". Basicamente, Abbas não confia mais em
Obama e nos EUA como intermediários.
A abordagem inicial de Obama cativou muitos no mundo árabe.
A aura do americano e seu discurso messiânico sugeriram que ele ajudaria a
criar um Estado palestino.
Entretanto, assim que Netanyahu empacou, Obama abandonou sua
insistência inicial sobre a condição prévia para a retomada das negociações:
que Israel cessasse qualquer construção nos assentamentos.
Dizer que Abbas foi exposto ao escárnio público é pouco.
A opinião pública concluiu que a carreira de Abbas acabara.
Mas a Primavera Árabe lhe deu novo fôlego político e uma janela temporária de
oportunidade para seu legado. Na ONU, ele observou que é chegada a hora de uma
"Primavera Palestina". Está claro que o líder compreende que já é
hora de uma troca de guarda geracional na região.
MARCO VICENZINO, analista político diplomado pela
Universidade Oxford e pela Escola de Direito de Georgetown, é diretor do Global
Strategy Project, consultoria de risco político global e negócios
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