Qual o interesse econômico dos Brics?
A tempestade que atravessam atualmente os países membros da zona do euro preocupa todos os continentes, incluindo América e Ásia. A crise de 2008 e o efeito dominó da queda do banco Lehman Brothers marcaram os espíritos. Nenhum país quer que tal cenário se repita: a União Europeia, principal parceiro comercial da China, é um mercado crucial para suas exportações. Ora, se uma recessão europeia afetasse a China, esta também repercutiria na Índia e no Brasil, que têm laços econômicos muito estreitos com a China. Pequim é, por exemplo, o maior parceiro econômico do Brasil, com US$ 56,2 bilhões de trocas bilaterais em 2010.
Para esses países emergentes, investir nos títulos da dívida europeia também é um meio de diversificar suas aplicações. A China possui as maiores reservas cambiais do mundo: US$ 3,2 trilhões. A Rússia dispõe de US$ 514 bilhões, o Brasil de mais de US$ 350 bilhões e a Índia, mais de US$ 320 bilhões. Esses fundos são essencialmente investidos em bônus do Tesouro americano, de onde o interesse atual em variar suas posições dando apoio à moeda única europeia.
O objetivo é principalmente monetário: ao apoiar o euro diante do dólar e investir suas reservas cambiais, os Brics buscam evitar uma alta exagerada de suas respectivas moedas. "Enquanto a China compra dívida em euros, visa na verdade as taxas de câmbio", escreve o analista e financista Cullen Roche no blog Pragmatic Capitalism. "Trata-se de uma tentativa de manter o euro forte, o que favorece as relações comerciais [da China] com a Europa."
Enfim, os Brics ainda dependem amplamente dos investimentos dos países de desenvolvimento mais antigo: na Índia, por exemplo, os investimentos diretos estrangeiros (IDE) dos países-membros da UE representam mais de 20% dos IDE. Se uma crise mundial provocasse uma retirada desses investidores, causaria pânico em nível nacional.
O objetivo também é político?
Enquanto não vemos surgir uma resposta concertada do tipo G20 para a crise de liquidez da zona do euro, como depois da queda do Lehman Brothers em 2008, a reunião dos Brics na próxima semana em Washington pode dar a impressão de que foi dada uma resposta coletiva. O "Valor Econômico" resume assim os benefícios políticos para os Brics de uma tal intervenção: "Aparecer publicamente como contribuintes diretos para a estabilização dos mercados e mostrar a que ponto o equilíbrio da economia mundial mudou".
De seu lado, Pequim tem um interesse bem particular em consolidar seus investimentos na Europa, formulado na quarta-feira pelo primeiro-ministro Wen Jiabao: "Espero que os dirigentes europeus encarem com coragem sua relação com a China". Concretamente, a China espera que a UE, em troca de compras de títulos em euros, lhe conceda o estatuto de economia de mercado, antes do reconhecimento previsto pela Organização Mundial do Comércio em 2016. Essa posição permitiria, com efeito, suspender as últimas restrições sobre os investimentos e as exportações chinesas na UE.
Dificuldades a superar
Os Brics não são um grupo de países homogêneo: entre o modelo econômico russo e o indiano existe um abismo. A política monetária chinesa com seu iuane subvalorizado é, aliás, uma fonte de atritos recorrentes para seus parceiros. As exportações chinesas baratas também dizimaram o setor manufatureiro brasileiro e o têxtil da África do Sul. Os Brics ainda não conseguiram agir com um mesmo elã. Eles foram notadamente incapazes de se entender para apresentar um candidato comum para suceder a Dominique Strauss-Kahn na chefia do FMI.
Parece que o Brasil é o país mais motivado para ajudar a Europa. A China já investiu dezenas de bilhões de dólares em títulos das dívidas grega, portuguesa e espanhola, e impõe diversas condições para um novo envolvimento. A Índia, cujos 20% dos créditos são constituídos de obrigações europeias, deseja manter essa proporção, indicou na quarta-feira um responsável indiano à agência Reuters. Déli considera com ceticismo uma resposta centrada somente nos Brics e preferiria uma intervenção maior do FMI, analisa o "Financial Times". A Rússia, por sua vez, mostrou-se muito cética, e autoridades indicaram à AFP na quarta-feira que as demandas de compras de títulos em euros seriam estudadas caso a caso.
Pois esses países devem convencer sua opinião pública da racionalidade desses investimentos. O fundo chinês CIC foi particularmente criticado por ter investido maciçamente em Wall Street antes de 2008, em títulos que despencaram. A China está, portanto, em busca de investimentos seguros. Assim como o Brasil, cujo diretor de política monetária do Banco Central, Aldo Mendes, esfriou o entusiasmo do ministro da Fazenda Mantega, indicando na terça-feira que "o objetivo principal de nossa política de investimento é a segurança".
Quais são os cenários possíveis?
A opção mais provável é que os Brics entrem em acordo para comprar uma quantidade mínima de títulos em euros, com grande esforço de comunicação. O objetivo seria demonstrar um apoio simbólico, e até injetar otimismo no mercado europeu moribundo. Para o "Valor Econômico", o investimento poderia ser ainda mais moderado e envolver as dívidas de países mais seguros, principalmente Alemanha e Grã-Bretanha.
A reunião que se realizará no dia 22 será em todo caso observada com grande interesse. O apoio dos Brics à dívida dos países europeus é um "desenvolvimento interessante", indicou na quarta-feira a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, ao jornal italiano "La Stampa". "Mas se eles se limitarem a comprar títulos considerados seguros por todos, como os alemães ou britânicos, não assumirão muitos riscos. Minha esperança é que se ocorrerem intervenções desse gênero elas sejam grandes e não se limitem aos títulos seguros de alguns países."
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