O Ocidente há muito suspeita do programa nuclear do Irã. O "Spiegel" obteve novos documentos sobre testes secretos e estruturas de liderança que colocam em questão as alegações do país de estar exclusivamente interessado no uso pacífico da tecnologia.
É provável que tenha sido a última tentativa de neutralizar a disputa nuclear com Teerã sem recorrer a novas e dramáticas sanções ou à ação militar. O plano, formulado pela Casa Branca em outubro, tinha o apoio da Rússia e da China e veio com o selo de aprovação do presidente norte-americano. Claramente era uma operação Barack Obama.
Os líderes em Teerã concordaram com a proposta "em princípio". Contudo, durante semanas ludibriaram a comunidade internacional com uma vaga alusão a uma "resposta final". Quando essa resposta finalmente materializou-se, veio na forma de uma "contraproposta". Nela, Teerã insistia que a troca não poderia ocorrer de uma só vez, que deveria ser em estágios, e que o material não seria enviado ao exterior. Em vez disso, Teerã queria que a troca ocorresse no Irã.
Mais uma vez, o governo do Irã fez pouco do Ocidente com promessas falsas de sua boa vontade de encontrar um terreno comum. Teerã oficialmente rejeitou o plano de troca nuclear na última terça-feira. Para piorar, após a descoberta pelo Ocidente de uma usina de enriquecimento de urânio secreta próxima a Qom, o presidente Mahmoud Ahmadinejad, de forma desafiadora, anunciou que nunca desistiria, que de fato construiria outras 10 usinas.
Material altamente volátil
Contudo, as autoridades em Washington e nas capitais européias não estão tão preocupadas com esses anúncios vaidosos e pouco realistas quanto com relatórios de inteligência baseados em fontes de dentro do Irã e informações de desertores de alto escalão. As novas informações, segundo especialistas americanos, provavelmente levarão o governo norte-americano a reavaliar os riscos vindos do país controlado pelos mulás nos próximos dias e aumentar o nível de alarme de amarelo para vermelho. Até aqueles que, no passado, algumas vezes de forma justificada, consideraram os relatórios alarmistas como propaganda israelense, estão extremamente preocupados. Entre eles estão especialistas da Agência Internacional de Energia Atômica da ONU (Aiea), cuja meta é impedir a disseminação de armas nucleares.
Após uma extensa investigação interna, as autoridades da Aiea concluíram que um computador obtido do Irã anos atrás continha material altamente volátil. O laptop chegou às mãos americanas por meio da agência de inteligência estrangeira da Alemanha, Bundesnachrichtendienst (BND),e foi então passado à Aiea em Viena.
Como resultado das novas acusações, o governo do Irã voltou a ser pressionado. As suspeitas giram em torno da questão de quem exatamente é responsável pelo programa nuclear do país -e o que isso diz sobre sua natureza. O governo disse consistentemente à Aiea que a única agência envolvida no enriquecimento do urânio é o Conselho Nacional de Energia e que seu trabalho era exclusivamente dedicado ao uso pacífico da tecnologia.
Contudo, segundo um dossiê de inteligência atualmente estudado nos círculos diplomáticos em Washington, Viena, Tel Aviv e Berlim, e obtido pelo "Spiegel", na melhor das hipóteses, isso é uma meia verdade.
De acordo com o documento sigiloso, há um ramo militar secreto do programa de pesquisa nuclear do Irã que responde ao Ministério de Defesa e tem estruturas clandestinas. As autoridades que leram o dossiê concluíram que o governo em Teerã leva a sério o desenvolvimento de uma bomba e que seus planos estão bem avançados. Dois nomes aparecem repetidamente nos documentos, particularmente em conexão com o programa de armas nucleares: Kamran Daneshjoo e Mohsen Fakhrizadeh.
Coração secreto do programa de armas nucleares do Irã
Daneshjoo, 52, o novo ministro de ciências, pesquisa e tecnologia do Irã, também é responsável pela agência de energia atômica do país e é considerado um aliado próximo de Ahmadinejad. Líderes da oposição dizem que ele é linha dura e que foi parcialmente responsável pela eleição presidencial aparentemente fraudada em junho. O homem de barba branca diz ter estudado engenharia na cidade britânica de Manchester e depois passado vários anos trabalhando no "Centro de Tecnologia da Aviação" em Teerã. Especialistas ocidentais acreditam que esse centro se tornou em uma sub-organização do Ministério de Defesa conhecida como Fedat, das iniciais de "Departamento de Aplicações Expandidas de Alta Tecnologia"- coração secreto do programa de armas nucleares do Irã. O chefe da organização é Mohsen Fakhrizadeh, 48, oficial da Guarda Revolucionária e professor da Universidade Imam Hossein, em Teerã.
As organizações ocidentais de inteligência acreditam que, apesar da agência de energia nuclear e do Fedat competirem em algumas áreas, eles concordaram em dividir o trabalho na questão central da pesquisa em armas nucleares, com a agência nuclear primariamente supervisionando o enriquecimento de urânio enquanto o Fedat está envolvido na construção de uma ogiva nuclear a ser usada nos mísseis Shahab. Especialistas acreditam que os cientistas do Irã poderiam produzir neste ano uma versão primitiva da bomba, do tamanho de um caminhão, mas que teria que ser comprimida para que se encaixasse em uma ogiva nuclear e assim gerar a ameaça estratégica que deixa Israel e o Ocidente tão alarmados -e que podem atingir este estágio entre 2012 e 2014.
Os iranianos teriam conduzido testes não nucleares de um mecanismo detonador de uma bomba nuclear há mais de seis anos. O desafio tecnológico é de acender uniformemente os explosivos convencionais em torno do centro de urânio -o que é necessário para produzir a reação em cadeia desejada. Acredita-se que a série de testes foi conduzida com uma ogiva de alumínio. Em outras palavras, tudo além do centro era "real". De acordo com relatórios, engenheiros de Teerã usaram fibras finas e uma placa de circuitos medidora no lugar do material físsil. Isso permitiu que medissem as ondas de choque e fotografassem os flashes que simulam a detonação de uma bomba nuclear com algum grau de precisão. Os resultados aparentemente foram tão estimulantes que o governo iraniano desde então classificou a tecnologia como "possível".
O "Spiegel" obteve acesso à tabela de organização do Fedat e a uma lista de nomes de cientistas que trabalham para a agência. A Aiea, que tem sede em Viena, também tem esses documentos, mas o presidente iraniano alega que são falsos e que estão sendo usados para desacreditar seu país. Após declararem há dois anos que os iranianos tinham congelado seu programa de pesquisa em armas nucleares em 2003, a CIA e outras agências de inteligência provavelmente pintarão um cenário mais sombrio agora. Enquanto isso, o Conselho de Segurança da ONU está considerando sanções mais duras contra o Irã.
Considerando sanções
Quando a França assumir a presidência rotativa do Conselho, em fevereiro, Washington talvez pressione por uma solução. Moscou não está descartando medidas punitivas adicionais, mas é mais provável que a China, que negociou bilhões em acordos energéticos com o Irã, vete tais medidas.
A China pode, contudo, aprovar sanções "de inteligência", tais como restrições de viagens para altos membros da Guarda Revolucionária e cientistas nucleares. Fakhrizadeh já está em uma lista de autoridades sujeitas a tais restrições, e Daneshjoo poderá ser acrescentado.
O Ocidente, contudo, provavelmente estará sozinho se impor sanções verdadeiramente nocivas ao Irã -e às suas relações comerciais lucrativas com o Irã. A arma comercial mais eficaz seria um embargo de combustível. Pela falta de capacidade de refinaria, o Irã, que tem a segunda maior reserva de petróleo do mundo, importa quase metade da gasolina que usa. Sanções de combustível gerariam um forte aumento no preço da gasolina, inevitavelmente levando à inquietação social. Especialistas não estão certos se isso afetaria a já fraca popularidade do regime ou se os líderes do país usariam isso para inflamar o povo contra o "Ocidente maligno".
Isso deixa a opção militar. Além das consequências políticas e da possibilidade de contra-ataques, seria extremamente difícil bombardear as instalações nucleares do Irã. Os cientistas nucleares literalmente se enterraram em instalações subterrâneas, em locações que seriam virtualmente impossíveis de se alcançar com armas convencionais.
Até mesmo os especialistas israelenses têm dúvidas sobre os danos possíveis ao programa nuclear por meio de bombardeios de suas instalações. Por outro lado, o general David Petraeus, em geral um homem tranquilo, pareceu absolutamente beligerante quando perguntado se as instalações nucleares iranianas poderiam ser atacadas militarmente. "Certamente que podem ser bombardeadas", disse ele duas semanas atrás, em Washington.
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