Erik Prince |
A revelação ocorre enquanto Prince está vendendo sua participação na enorme empresa que construiu e tem bilhões de dólares em contratos com o governo americano no Iraque e no Afeganistão. Esses contratos afundaram a empresa com processos na justiça e investigações em meio a denúncias de comportamento irresponsável por seus agentes, inclusive causando a morte de civis no Iraque. Seus esforços de nadar pelo caos da Somália parecem ser a mais recente empreitada de Prince para se manter no centro de uma campanha contra o radicalismo islâmico, em um dos cantos mais destruídos pela guerra do mundo. Prince mudou-se para os Emirados Árabes Unidos no final do ano passado.
Com um governo que mal funciona e uma hostilidade feroz aos exércitos estrangeiros desde a retirada apressada norte-americana de Mogadício, no início dos anos 90, a Somália é um país no qual militares ocidentais há muito temem entrar. O governo somali foi encurralado em um pequeno trecho da capital de Mogadício por Al Shabab, grupo militante somali que tem laços com a Al Qaeda.
Isso, junto com a ameaça crescente de pirataria na costa da Somali, criou uma oportunidade para empresas privadas como a firma sul-americana Saracen International de preencher o vácuo de segurança criado por anos de guerra civil. É mais uma ilustração de como as firmas de segurança privada estão desempenhando um papel cada vez maior nas guerras, sendo consideradas por alguns governos como um suplemento para exércitos sobrecarregados, enquanto outros reclamam que são irresponsáveis.
O papel preciso de Prince não está claro. Algumas autoridades ocidentais disseram que era possível que Prince estivesse usando seus contatos internacionais para ajudar a intermediar um acordo entre executivos da Saracen e autoridades dos Emirados Árabes Unidos, que vêm financiando a Saracen na Somália após as operações comerciais dos Emirados serem ameaçadas por piratas somalis.
De acordo com um relatório da União Africana, uma organização de Estados africanos, Prince forneceu o financiamento inicial para uma proposta da Saracen para conseguir contratos com o governo em guerra da Somália.
Um porta-voz de Prince questionou esse relatório, dizendo que Prince “não tinha papel financeiro de nenhum tipo no assunto” e que estava primariamente envolvido com esforços humanitários e o combate aos piratas na Somália.
“É sabido que há muito ele está interessado em ajudar a Somália a vencer o flagelo da pirataria”, disse o porta-voz, Mark Corallo. “Com este fim, algumas vezes ele forneceu conselhos a diferentes esforços no combate à pirataria”.
A Saracen International tem sede na África do Sul, com filiais corporativas em Uganda e em outros países. A empresa, que não quis comentar a questão, foi formada com os restos da Executive Outcomes, uma firma mercenária privada composta em grande parte de forças de operações especiais da África do Sul que trabalharam pela África nos anos 90.
A empresa não divulga quem trabalha para ela, nem suas operações, mas aparentemente é administrada por Lafras Luitingh, que foi do Escritório de Cooperação Civil da África do Sul, uma força de segurança interna da era do apartheid, notória por matar oponentes do governo.
As autoridades americanas pouco disseram sobre a Saracen desde a divulgação das novas informações sobre os planos da empresa na Somália, no mês passado. Philip J. Crowley, porta-voz do Departamento de Estado, disse em dezembro que o governo norte-americano estava “preocupado com a falta de transparência” dos projetos e financiamentos da Saracen.
Por enquanto, o governo Obama continua comprometido em fortalecer o governo da Somália com 8.000 soldados das tropas de paz de Burundi e Uganda, operando sob a bandeira da ONU. Soldados somalis estão sendo treinados na Uganda.
A Saracen ainda não anunciou formalmente seus planos na Somália e parece haver fortes discordâncias dentro do governo fracionado da Somália quanto à contratação da empresa sul-africana. As autoridades somalis disseram que as operações da Saracen –que também incluiriam o treinamento de um exército para o combate à pirataria na região semi-autônoma de Puntland- estão sendo financiadas por um país anônimo do Oriente Médio.
Várias pessoas que conhecem as operações da Saracen confirmaram que este país era os Emirados Árabes Unidos. Um porta-voz da embaixada dos Emirados nos EUA recusou-se a comentar sobre a Saracen ou o envolvimento de Prince na companhia.
Uma pessoa envolvida no projeto, que falou sob condição de anonimato porque os planos da Saracen ainda não tinham se tornado públicos, disse que novas ideias para combater a pirataria e combater a Al Shabab são necessárias, porque “até hoje, outras missões não tiveram sucesso”.
Pelo menos uma das investidas da Saracen no treinamento de milícias no passado atraiu críticas internacionais. A subsidiária da Saracen na Uganda foi implicada em um relatório do Conselho de Segurança da ONU em 2002 por treinar forças rebeldes paramilitares no Congo.
O relatório identificou um dos proprietários da Saracen Uganda como o general da reserva Salim Saleh, meio-irmão do presidente da Uganda, Yoweri Museveni. O relatório também acusou Saleh e outros oficiais ugandenses de usar seus laços com paramilitares para pilhar os diamantes, ouro e madeira do Congo.
De acordo com um relatório confidencial da União Africana, de 12 de janeiro, Prince “está no topo da cadeia administrativa da Saracen e forneceu o dinheiro para o contrato da empresa”. Uma autoridade ocidental que trabalha na Somália disse acreditar que foi Prince quem levantou a ideia pela primeira vez do contrato da Saracen com membros das famílias governantes dos Emirados, com quem tem laços próximos.
Duas ex-autoridades dos EUA estão ajudando a intermediar as negociações delicadas entre o governo da Somália, Saracen e os Emirados. Pierre-Richard Prosper, ex-embaixador dos EUA, foragido por crimes de guerra, e Michel Shanklin, ex-chefe da CIA em Mogadício, estão servindo como consultores do governo somali, de acordo com pessoas envolvidas no projeto. Tanto Prosper quanto Shanklin aparentemente estão sendo pagos pelos Emirados Árabes Unidos.
A Saracen agora está treinando uma milícia de 1.000 homens para combater a pirataria em Puntland, no Norte da Somália, e planeja criar outra milícia separada para Mogadício. A empresa treinou um grupo inicial de 150 milicianos e está treinando um segundo grupo de igual tamanho, disse uma autoridade que conhece as operações da empresa.
Em dezembro, o ministro da informação da Somália emitiu uma nota dizendo que Saracen foi contratada para treinar pessoal de segurança e para executar trabalho humanitário. A declaração dizia que o contrato “era um engajamento limitado claramente definido e voltado para preencher uma necessidade que não é atendida por outras fontes neste momento”.
Por anos, Prince, multimilionário que foi membro da unidade Seal da marinha norte-americana, tentou encontrar novas oportunidades empresariais no mundo da segurança. Em 2008, ele procurou tirar vantagem da crescente onda de pirataria no Chifre da África para fechar contratos para a Blackwater com empresas que frequentam aquelas rotas de navegação. Ele chegou a reformar um barco de pesquisa oceanográfica de 183 pés em uma lancha de aluguel para caçar piratas, completa, com um avião não tripulado e metralhadoras de calibre .50.
Na primavera de 2005, ele se reuniu com membros da CIA para vender uma proposta para a “força de reação rápida” –um quadro especial da Blackwater que poderia lidar com tarefas paramilitares para a agência em qualquer ponto do mundo.
Prince começou sua apresentação na sede da CIA afirmando que, “desde o início da república americana, a nação dependeu de mercenários para sua defesa”, de acordo com um ex-funcionário do governo que estava presente na reunião.
A ideia não foi particularmente bem recebida, disse o ex-funcionário, porque Prince em essência estava propondo substituir a própria força paramilitar da agência de espionagem, a chamada Divisão de Atividades Especiais.
Apesar das dificuldades legais da Blackwater, Prince nunca foi acusado de crime.
Em uma entrevista na edição de novembro da “Men’s Journal”, Prince expressou frustração com a onda de ações legais contra a Blackwater, que hoje é conhecida como Xe Services.
Prince, que disse que a mudança para Abu Dhabi ia “tornar mais difícil para os canalhas pegarem” seu dinheiro, disse que pretendia encontrar oportunidades no “campo da energia”.
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