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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A esquecida perseguição às mulheres durante a Segunda Guerra Mundial

Sobrevivente do campo de concentração
de Ravensbrück, Maria K.
A Gestapo de Hitler prendeu milhares de mulheres que admitiram ter tido casos com trabalhadores forçados estrangeiros na Alemanha, apesar de muitas confissões serem falsas e feitas sob pressão. Muitos homens foram executados e as mulheres, enviadas para campos de concentração pelo crime de "degradação racial". Algumas continuaram sofrendo as consequências muito depois do fim da guerra.

Em 19 de setembro de 1941, Maria K. assinou o registro de seu interrogatório. Em sua declaração por escrito ao detetive de polícia, a menina de 14 anos confessou que havia "compartilhado a cama do polonês Florian Sp. e que também teve relações sexuais com ele".

O incidente supostamente ocorreu em uma tarde de sábado em julho. Ela havia cuidado das vacas durante o dia, e à noite ela e sua amiga Hedwig, de 18 anos, convidaram os dois poloneses para lhes fazer companhia.
Segundo sua declaração assinada, elas os beijaram e depois os quatro foram para o quarto. Hedwig com Josef G. e Maria com Florian. No quarto, o polonês tirou suas calcinhas. Eles fizeram sexo três vezes naquela noite e duas vezes nos dias seguintes, uma delas depois do almoço, atrás de um arbusto em um campo próximo. Esse é o relato feito em sua confissão assinada.

Maria K., que hoje tem 82 anos, cobre o rosto com as mãos quando fala sobre a "confissão" que mudou sua vida para sempre e que levou à morte os dois rapazes. Ela se envergonha, embora o detetive da Gestapo tenha forjado a declaração e a espancado para assiná-la. Essa é sua história hoje, e outros documentos sustentam sua veracidade.

Gisela Schwarze, uma historiadora da cidade de Münster, no oeste da Alemanha, passou anos investigando casos como esse, vasculhando os arquivos dos tribunais especiais em cidades como Dortmund, Bielefeld e Kiel. Ela descobriu a história de Maria K. em um arquivo local. Ela se desenrolou em Asbeck, uma aldeia com uma população no tempo da guerra de 850 pessoas, na região ocidental de Münsterland.

"Degradação racial"

Em consequência de sua pesquisa, Schwarze descobriu um grupo de vítimas do regime nazista que havia sido negligenciado até hoje. Ele consiste em mulheres e meninas que membros do governo acusaram de ter tido relações sexuais com trabalhadores forçados estrangeiros. Alguns dos relacionamentos românticos realmente existiram, enquanto outros foram inventados, mas a punição foi quase sempre extrema. As mulheres foram enviadas para campos de concentração aos milhares, enquanto os homens geralmente foram executados.

"Cidadãos alemães que se envolvem em relações sexuais com trabalhadores civis, homens ou mulheres, de nacionalidade polonesa, cometem outros atos imorais ou se envolvem em casos amorosos serão presos imediatamente", ordenou Heinrich Himmler, o chefe das SS, em 1940.
O crime que os advogados nazistas haviam inventado chamava-se "degradação racial". No início ele só era aplicado a relações entre judeus e não-judeus, mas a invenção racista seria ampliada mais tarde para incluir os eslavos.

Os prisioneiros de guerra civis deportados eram obrigados a trabalhar em fábricas e nos campos, onde tinham contato com os habitantes locais, muitos deles mulheres. Os homens estavam lutando no front. Mas em toda parte havia informantes preparados para denunciar -vizinhos, colegas de trabalho e professores-, contribuindo para uma atmosfera infernal de ódio racial e preconceito.

Maria K., a terceira mais jovem de 11 irmãos, ficou órfã quando criança. Um irmão mais velho cuidou dos outros, mas ele acabou sendo recrutado para o exército alemão, e sua mulher de 27 anos tinha de cuidar dos próprios filhos. Para ajudá-la, o senhorio mandou Florian Sp., um trabalhador forçado polonês, em quem as crianças logo passaram a confiar.

"Medidas de guerra necessárias"
O relacionamento confortável entre o trabalhador polonês e a família era visto com suspeita na aldeia. Maria foi presa e, durante seu interrogatório, o oficial da Gestapo a atingiu no rosto e lhe disse para confessar que havia tido sexo com o polonês. A garota impotente e ingênua assinou a confissão, que apenas marcou o início de suas piores privações. Em outubro de 1941, a Gestapo em Münster apresentou um pedido para "iniciar as medidas de guerra necessárias" contra Maria, que agora fora classificada como uma "garota alemã desonrada".

Ela foi colocada em vários reformatórios e finalmente levada para um lugar que as SS tinham montado para abrigar jovens criminosas: o Campo de Proteção da Juventude Uckermark, uma filial do campo de concentração de Ravensbrück.

Ela recebeu um número de prisioneira, 290, e a partir daí não teve mais nome. Sofreu espancamentos, chicotadas, fome e atos de humilhação. Foi libertada no outono de 1944 e levada para uma escola preparatória para babás de crianças perto de Berlim. No final de 1945 ela conseguiu voltar a Asbeck, viajando pela Alemanha ocupada. Os dois trabalhadores poloneses já tinham sido enforcados em Asbeck em 28 de agosto de 1942. A causa da morte registrada em seus atestados de óbito foi "desconhecida".

As pessoas que praticaram a maioria dessas execuções continuaram sem punição depois da guerra e, em 1963, o ministério público de Münster encerrou a investigação dos casos. Mas as humilhações continuaram para Maria K.. Durante serviços na igreja, os aldeões a insultavam como "a prostituta do polonês" e "a amante do polonês". Muitas mulheres que sobreviveram à perseguição nazista foram tratadas da mesma maneira.

Algumas semanas atrás, Maria K. e a historiadora Schwarze viajaram juntas para o campo de Uckermark, onde hoje se ergue um memorial -uma pedra enrolada com tiras de ferro. Maria K. espalhou um punhado de terra no local, que ela havia apanhado na floresta onde os dois jovens poloneses foram mortos.

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