Manifestantes confrontam as forças de segurança tunisianas, em Tunís, capital do país |
O líder líbio Muammar Gaddafi e o vice-primeiro-ministro de Israel, Silvan Shalom, não têm muito em comum, mas eles compartilham uma coisa: nenhum deles gosta muito da revolução na Tunísia.
“Eu temo que agora estejamos diante de uma nova fase muito crítica no mundo árabe”, disse Shalom, que nasceu na Tunísia em 1958, em uma entrevista transmitida por uma rádio israelense em 14 de janeiro, e a maioria de seus vizinhos árabes agora concorda com a importância de combater o fundamentalismo islâmico, disse Shalom. Suas preocupações são com o que poderia acontecer caso os países árabes começassem a se tornar democráticos. Ele teme que a Tunísia possa “estabelecer um precedente que possa ser repetido em outros países, possivelmente afetando diretamente a estabilidade de nosso sistema”. Se governos democráticos assumirem o comando dos Estados vizinhos de Israel, disse o vice-primeiro-ministro, os dias da aliança de segurança árabe-israelense chegarão ao fim.
Gaddafi também se queixou de que foi “muito doloroso” ver o regime de seu amigo Zine El Abidine Ben Ali ruir e a Tunísia mergulhar no medo e insegurança. “Para que isso?” ele perguntou. “Para mudar Zine El Abidine? Ele não disse que deixaria o poder em três anos? Bastava ser paciente por três anos e seu filho permaneceria vivo.”
Priorizando a estabilidade
A revolução no Magrebe representa um dilema difícil não apenas para os vizinhos da Tunísia, mas também para a Europa, Estados Unidos e Israel. De fato, o dilema encarna a questão central das políticas para o Oriente Médio em geral: O que é mais importante, democracia ou estabilidade?
Na última quarta-feira, quando os líderes árabes se reuniram no balneário de Sharm el Sheikh, no Mar Vermelho egípcio, para um encontro econômico árabe, aquela foi a primeira vez que o ditador tunisiano Ben Ali não estava presente entre eles. Os anfitriões da cúpula tentaram desviar a conversa dos eventos sem precedentes na Tunísia. “A revolução tunisiana não está distante de nós”, disse o líder da Liga Árabe, Amr Moussa, em seus comentários de abertura da conferência. “O cidadão árabe entrou em um Estado sem precedente de raiva e frustração”, ele acrescentou, notando que “a alma árabe está quebrada pela pobreza, desemprego e recessão geral”.
Falando depois de Moussa, o presidente do Egito, Hosni Mubarak, nem mesmo mencionou a Tunísia, preferindo destacar a importância da cooperação econômica, que ele chamou de “exigência para a segurança nacional”. Foi uma negação ousada da realidade que Moussa tinha acabado de descrever. Afinal, as condições na Tunísia também se aplicam à maioria dos outros 21 países árabes e territórios palestinos –e às vezes até mais.
Massas jovens lideradas por velhos
As populações desses países são jovens e infelizes. De fato, 53,4% –ou aproximadamente 190 milhões dentre a população atual de 352 milhões de árabes– têm menos de 24 anos, e quase três quartos deles estão desempregados. Em muitos casos, a educação que esses jovens recebem não lhes ajuda em nada, porque não há emprego nos campos que estudaram. Muitos têm 35 ou mesmo 40 anos até terem condições de se casar. Basicamente, esta é uma violação de um direito humano básico, perpetrada contra milhões em países como o Egito, onde a expectativa de vida é nove anos menor do que na Alemanha, ou no Iêmen, onde o número é quase 15 anos mais baixo.
Os governos desses países, por outro lado, são corruptos e datados. De fato, antes da derrubada de Ben Ali, os líderes dos cinco países do Norte da África desfrutavam de um total combinado de 115 anos no poder. Os ministros jovens dos países geralmente são velhos.
Em países como Argélia, Tunísia, Líbia e Egito, demografia, governos comandados por velhos e mal-estar disseminado estão formando uma mistura perigosa. Apesar de estar ciente da situação, o Ocidente continua apoiando os velhos governantes.
Um problema por todo o Norte da África
Veja o exemplo da Argélia. Nas últimas semanas, o vizinho a oeste da Tunísia tem visto distúrbios semelhantes. Segundo um relatório de 2008 da embaixada dos Estados Unidos em Argel, vazado pelo site WikiLeaks, o Departamento de Estado americano considera o governo argelino “frágil” e repleto de “níveis sem precedentes de corrupção”. Da mesma forma, Abdelaziz Bouteflika, o presidente de 73 anos do país, está “isolado” e perdeu o contato com a realidade. Segundo o documento, Bouteflika está tentando cultivar seu irmão Said, 20 anos mais jovem do que ele, para ser seu sucessor. O país, disse uma fonte citada no documento, está “sentado sobre um vulcão” e seus jovens se sentem “desgostosos” e têm apenas a escolha “entre a morte no mar e uma morte lenta, aos poucos, em casa”.
Outro cabograma diplomático é intitulado “Os Harragas: Dê-me Dignidade ou Morte”, que leva o nome dos imigrantes ilegais que tentam escapar atravessando o Mediterrâneo. Ele relata que barcos de refugiados partem semanalmente da cidade portuária de Annaba, “repletos de uma variedade de jovens argelinos frustrados –médico, advogados, pessoas que abandonaram a escola, desempregados”. Até mesmo membros da elite do país estão fugindo. “O neto do ex-presidente Chadli Bendjedid, Mourad Bendjedid, 29 anos, partiu em 8 de fevereiro de 2007, juntamente com seis outros homens jovens e não se tem mais notícias deles.”
Diplomatas americanos enviaram relatos semelhantes do Marrocos. Lá, dezenas de pessoas com ensino superior completo acamparam na esperança de serem contratadas como funcionários públicos, pessoas que perderam a esperança começaram a atear fogo em si mesmas há três anos, e “práticas corruptas” se tornaram “muito mais institucionalizadas” sob o rei Mohammed 6º.
Enquanto isso, seus colegas na Líbia relataram que o regime dali tinha as coisas muito menos sob controle do que parecia e que Gaddafi se viu em uma “espiral descendente” após cair em desgraça devido aos excessos de seus filhos.
Ao mesmo tempo, os diplomatas americanos reconhecem o que esses e outros governos árabes realizaram em termos de evitar ataques terroristas, frustrando os radicais islâmicos e estabelecendo dinastias que oferecem estabilidade, mesmo que não forneçam uma democracia que atenda aos padrões ocidentais.
A revolução se disseminará?
Diante dessas condições, a pergunta que surge é se a Tunísia está apenas dando início ao fim das autocracias árabes, assim como por quanto tempo as populações de países da Mauritânia ao Iêmen, e do Sudão à Síria, continuarão suportando as humilhações diárias que enfrentam em casa.
Os eventos dos últimos dias podem apontar para a resposta para essas questões. Na Mauritânia, Argélia e Egito, 10 homens seguiram o exemplo de Mohammed Bouazizi, o vendedor de frutas tunisiano de 26 anos cuja autoimolação, após ter sido humilhado e enxotado da rua como um cão, provocou a revolução em seu país.
Milhares também foram às ruas na Jordânia e Iêmen, exigindo a renúncia de seus governantes. No emirado do Kuait, rico em petróleo, que discrimina sistematicamente contra sua população beduína há décadas, o governo enviou para cada cidadão US$ 3.500 para cortar quaisquer possíveis protestos pela raiz.
Há dois aspectos do exemplo da Tunísia que dão esperança aos reformistas árabes. Primeiro, foram os próprios tunisianos que derrubaram seu déspota, não a invasão de um exército ocidental com sua própria “agenda de liberdade”, como os Estados Unidos fizeram ao libertar o Iraque de Saddam Hussein, em 2003. E, segundo, foi um movimento de base que provocou a mudança no governo da Tunísia, em vez de um movimento de oposição altamente organizado controlado por um líder carismático, como no caso da revolução iraniana de 1979. Este último caso, em particular, por muito tempo foi visto pelos cientistas políticos como um pré-requisito para uma derrubada bem-sucedida de um déspota no Oriente Médio.
Respostas nervosas
Todavia, a maioria dos especialistas em Oriente Médio ainda hesita em proclamar o amanhecer de uma nova era no mundo árabe. Segundo eles, as condições sociais, econômicas e políticas variam muito para o exemplo da Tunísia servir como indício de que a centelha revolucionária se espalhará por toda a região.
Por mais que o Ocidente possa desaprová-las, essas condições são tão reais quanto o desequilíbrio demográfico, o desemprego entre os jovens e a corrupção oficial na região. As pessoas em países ricos em petróleo como a Líbia e a Argélia, por exemplo, estão olhando para a Europa com o mesmo anseio que as pessoas na Tunísia, mas seus governos desfrutam de recursos que podem empregar quando seus sistemas sofrem uma ameaça séria. Argel conteve os distúrbios por causa do aumento dos preços do pão com uma redução geral dos preços dos alimentos. E no Egito, que é muito mais pobre do que a Tunísia, o círculo de pessoas que se beneficia do atual sistema é muito maior do que o clã de Ben Ali, com seus estilo de vida despudoradamente opulento.
Isso é ainda mais verdadeiro para a Arábia Saudita, que possui tantos jovens desempregados e frustrados quanto a Tunísia. A monarquia profundamente conservadora do país nem mesmo finge que há estruturas democráticas no país. Mas ela ainda distribui sua riqueza do petróleo de modo mais justo do que as repúblicas árabes que exibem orgulhosamente suas eleições, Parlamentos e partidos.
Desde a revolução tunisiana, os príncipes árabes pobres –que dependem mais de grandes aparatos de segurança do que recursos de energia– não mais se sentem realmente seguros, e seus pares mais rico têm pouca fé de que esta paz tênue resistirá. Como resultado, ao se encontrarem na última quarta-feira em Sharm el Sheikh, os monarcas do petróleo do Golfo decidiram enviar um sinal, prometendo um total de US$ 2 bilhões para os governos de todo o mundo árabe, para criação de empregos e promoção de novos negócios.
Eles se importam demais com estabilidade e muito pouco com democracia. E, até o momento, ninguém no Ocidente lhes disse para agirem de modo diferente.
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