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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Alemanha conhecia esconderijo de Eichmann anos antes de sua captura

Adolf Eichmann
A Alemanha Ocidental poderia ter capturado Adolf Eichmann, organizador-chefe do Holocausto, desde 1952, oito anos antes de agentes israelenses o pegarem em Buenos Aires, de acordo com um documento recentemente divulgado que sugere que a Alemanha do pós-guerra não estava preparada ou disposta a julgá-lo.

Um documento do serviço secreto obtido pelo jornal alemão “Bild” nos arquivos do BND, serviço de inteligência exterior do país, mostra que o BND já conhecia a localização de Adolf Eichmann, maior criminoso nazista ainda foragido na época, em 1952 –oito anos antes de ele ser pego em Buenos Aires por agentes israelenses. Ele foi julgado em Israel, considerado culpado de crimes contra a humanidade e enforcado em 1962.

A ficha, batida à máquina, afirma que Eichmann estava morando na Argentina sob o nome de Clemens. “O editor chefe do jornal alemão na Argentina ‘Der Weg’ sabe o endereço dele”, diz a ficha.

De fato, Eichmann morou na Argentina sob o pseudônimo de Ricardo Klement. O “Bild” entrou com uma ação na justiça para forçar o BND a divulgar alguns documentos secretos relacionados a Eichmann e encontrou a ficha entre eles.

Até hoje, acreditava-se que as agências de inteligência ocidentais só souberam da localização de Eichmann a partir de 1956, disse a historiadora alemã Betiina Stangneth, que descreveu a descoberta como “sensacional”.

Não se sabe se o BND tomou medidas a partir da informação que obteve em 1952. Mas assumindo que o serviço não era incompetente e que não boicotou a busca por Eichmann, a explicação mais provável pelo fracasso em prendê-lo seria a falta de vontade política na Alemanha Ocidental de levá-lo à justiça, disse ela.

“Quem estaria interessado no julgamento de Eichmann, quando até mesmo o chanceler declarou no início de 1953 que toda a conversa de nazismo deveria parar?”, disse Stangneth ao “Spiegel Online”.

A força policial, o sistema de justiça, o serviço de inteligência e a administração civil da Alemanha Ocidental estavam cheios de nazistas depois da guerra.

O julgamento teria criado embaraços na Alemanha do pós-guerra

“Entre as pessoas na Alemanha que poderiam ter feito isso acontecer, faltava vontade de levar Eichmann à justiça”, disse Stangneth. “Seria preciso um novo sistema e provavelmente novas pessoas para conduzir um julgamento de Eichmann na Alemanha”, disse Stangneth.

“Imagine se o tivéssemos em um tribunal na Alemanha em 1953. Quantas pessoas ele teria reconhecido e apontado? Muitas pessoas na Alemanha não estariam particularmente interessadas em revê-lo.”

Como coordenador do sistema que matou 6 milhões de judeus, Eichmann participou de reuniões interministeriais para discutir o funcionamento do genocídio e conheceria as autoridades que subsequentemente conseguiram se empregar no governo da Alemanha Ocidental, disse Stangneth.

“Eichmann também conhecia a fundo a extensão do envolvimento das empresas alemãs nos campos de concentração e guetos”, disse Stangneth. As empresas pagaram ao governo por alocações de trabalho forçado. “Ninguém sabia ao certo qual seria a extensão de seu conhecimento e a capacidade de sua memória.”

Eichmann coordenou a deportação para os campos de concentração de judeus da Alemanha e da Europa ocupada pelos nazistas. Ele escapou do campo de prisioneiros dos Aliados após a guerra e viveu escondido na Alemanha até sua fuga para a Argentina em 1950.

“O BND estava cheio de nazistas”


Uki Goni, jornalista argentino que pesquisou a comunidade nazista na Argentina após a guerra, disse que não ficou surpreso em saber que BND conhecia o paradeiro de Eichmann em 1952.

“Toda minha pesquisa demonstrou que a Embaixada da Alemanha em Buenos Aires sabia muito bem quem eram os nazistas e onde moravam. A comunidade alemã na cidade era pequena o suficiente e próxima o suficiente que seria impossível para um agente do BND ou diplomata não ter consciência de quem eram essas pessoas.”

“O BND estava cheio de ex-oficiais da SS e autoridades nazistas. Muitos dos agentes do BND que deveriam vigiar os nazistas no exterior tinham sido nazistas eles mesmos.”

A história do pós-guerra ainda está encoberta

O BND tentou manter milhares de seus documentos relativos a Eichmann secretos, mas sofreu um golpe no ano passado quando o Tribunal Federal Administrativo em Leipzig decidiu que sua recusa em abrir os arquivos ia contra a lei.

Contudo, os arquivos continuam fechados, e os pesquisadores que quiserem ter acesso aos documentos sobre Eichmann precisam de um bom advogado e de recursos financeiros para forçar a agência a dar-lhes o acesso. O “Bild”, maior jornal da Alemanha, tinha os dois, diferentemente de muitos pesquisadores e historiadores.

Por contraste, a CIA abriu muitos documentos relativos aos crimes de guerra nazistas em 2005 e 2006.

“Precisamos explorar este capítulo e é uma desgraça que não somos capazes de fazer isso em 2011. A República Alemã está defendendo uma lenda própria, a lenda de que tudo começou do zero com o fim da guerra”, disse Stangneth, a historiadora, que vai publicar um livro sobre Eichmann.

“Eichmann não é apenas parte da história do nazismo, é parte da história da Alemanha Ocidental também”.

Ela disse que cabia ao governo alemão mandar as autoridades liberarem os arquivos do período. “Acho que falta aos alemães curiosidade sobre sua própria história. Muitos na Alemanha ainda tentam negar novas revelações sobre o período”, disse ela, notando que a imprensa internacional tinha mostrado muito mais interesse no documento de Eichmann do que a mídia doméstica.

Goni disse que a Alemanha estava se envergonhado ao manter os arquivos de Eichmann fechados meio século depois de sua prisão.

“Suspeito que a verdadeira razão para o BND sentar-se tão firmemente sobre esses arquivos é porque tem medo de, ao abri-los, provocar uma avalanche de pedidos  em relação a milhares de outros nazistas que se esconderam na Argentina”, disse Goni.

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