Militantes do Talibã |
A justificativa da Alemanha para a mobilização das tropas do Bundeswehr (forças armadas da Alemanha) para o Afeganistão mudou significativamente desde o primeiro mandato do Bundestag (parlamento da Alemanha) em 2001: desde a "solidariedade com aliados e a luta contra o terror" (ex-chanceler Gerhard Schröder), a "propagação dos direitos humanos, do estado de direito e da democracia" (ex-ministro das Relações Exteriores Joschka Fischer), a "defesa dos interesses de segurança da Alemanha no Hindu Kush" (ex-ministro da Defesa Peter Struck), até a "estabilização do país" (ex-ministro da Defesa Franz Josef Jung). Nenhum desses objetivos foi atingido. Na verdade, a situação no Afeganistão - e no Paquistão - corre o risco de sair de controle. O apoio da população alemã à missão, morno desde o início, agora parece ter chegado a seu ponto mais baixo.
A perspectiva de uma retirada agora está sendo considerada abertamente em ambos os lados do Atlântico e dentro da Otan. O governo alemão não deveria esperar que o debate começasse, e sim iniciar discussões de forma ativa sobre a retirada das tropas alemãs do Afeganistão.
Independentemente de retórica política, existem basicamente dois objetivos políticos chave que determinam o sucesso da missão no Afeganistão. Qualquer estratégia para o Afeganistão deve abordar esses objetivos, e prover os recursos necessários em termos de financiamento e equipe.
Primeiro, o Afeganistão não pode se tornar um Estado enfraquecido. Embora seja provável que haja uma volta do poder do Taleban sem a presença da Força Internacional de Assistência à Segurança (Isaf, sigla em inglês), ela certamente não é inevitável. Também é incerto se o Taleban renovará seu apoio à Al-Qaeda. Entretanto, deve-se evitar de qualquer maneira que o Afeganistão ou o Paquistão se tornem mais uma vez um refúgio seguro para terroristas internacionais, que a atual economia de guerra e o tráfico de drogas sejam reforçados, e que a erosão das atuais estruturas de governança e dos direitos humanos continue.
Segundo, danos colaterais para a Otan e a ONU devem ser evitados. A Otan vem conduzindo a missão da Isaf desde 2003. A ONU liderou a ação de apoio no Afeganistão desde 2002. Nesse sentido, a missão no Afeganistão pode afetar a credibilidade e a legitimidade dessas instituições internacionais. Contudo, o destino da Otan e da ONU não depende somente dessa missão. Uma retirada do Afeganistão não significa necessariamente uma derrota política ou militar. Mas uma retirada equivocada ou apressada carrega consigo o perigo de ambas organizações perderem credibilidade e legitimidade.
Sete critérios para a retirada
Sob esse ponto de vista, fica claro que uma estratégia de saída para o Afeganistão deveria focar menos em uma data de retirada e muito mais no cumprimento de critérios específicos para a retirada, critérios que podem ser organizados em sete passos distintos.
Controle do Afeganistão
O treinamento de forças de seguranças afegãs tem a maior prioridade, para ceder controle total do país a autoridades afegãs o mais breve possível. Programas públicos que têm forças de assistência local confiável, postos fronteiriços seguros e postos de controle como os que existem na Província Wardak (Programa de Proteção Pública Afegã) também deveriam ser expandidos rapidamente. Nesse contexto, a Alemanha, juntamente com os Estados Unidos e a União Europeia, devem aumentar significativamente sua parte no treinamento de forças de segurança. Em especial, os Estados federais individuais- responsáveis pelas autoridades policiais - deveriam estabelecer serviços diplomáticos, criando uma oportunidade de carreira como incentivo para policiais alemães. Criar um ambiente seguro antes da retirada requereria inicialmente um aumento de curto prazo das tropas do Bundeswehr que excedesse o atual mandato (aumentar para diminuir). Não se sabe de onde essas tropas adicionais virão. No futuro, o Bundeswehr também deve contribuir até com mais força para o combate ao Taleban em operações de contra-insurgência.
Nomear um coordenador
Um consenso entre partidos na Alemanha é necessário para garantir estabilidade e segurança no Afeganistão. Análogo ao atual debate nos EUA, um reconhecimento abrangente da missão no Afeganistão, bem como uma divulgação generosa da linha de ação política e militar, também deve ocorrer na Alemanha. Uma política de avanço entre pressões domésticas e estrangeiras (pesquisas de opinião x parceiros de alianças) a médio prazo levará ao colapso da missão do Bundeswehr. Consequentemente, a própria chancelaria deve ser responsável pela nomeação de um coordenador para o Afeganistão, de forma que tais decisões não possam mais se sujeitar a egos departamentais e lutas por recursos. Para evitar colocar em risco tal consenso, um cronograma concreto deve ser evitado temporariamente.
Entrando juntos, saindo juntos
É crucial para uma conclusão bem-sucedida da missão no Afeganistão que a decisão final de retirada seja feita não pelas nações que participam do conflito, mas sim dentro da Otan. A consulta e a cooperação entre parceiros de aliança e a ONU é essencial para evitar que a Otan enfraqueça. Somente depois de um consenso multilateral é que um cronograma concreto para a retirada deve ser estabelecido. O atual processo de desenvolver um novo conceito estratégico deve ser usado para definir o papel da ONU em futuras operações fora da área.
Controle regional
A missão no Afeganistão requer uma abordagem com um enfoque regional mais forte, algo que o presidente Obama recomendou na primavera de 2009. Com esse objetivo, está sendo buscado o envolvimento construtivo do Paquistão e do Irã, bem como a cooperação a médio prazo da Rússia e da China. Interesses comuns, como o combate a redes terroristas islâmicas e o tráfico de drogas criam a base para essa cooperação regional maior. Essa estratégia regional pode facilitar e acelerar a retirada das tropas ocidentais. A Alemanha deve assumir um papel elevado como um intermediário honesto dessa cooperação.
Recompensa e castigo
Isso se aplica especialmente à cooperação na luta contra drogas e corrupção. A maior parcela da heroína produzida no Afeganistão acaba nos mercados europeus, tornando isso um problema essencialmente europeu. Além de subsidiar plantações locais de grãos, os Estados Unidos e a União Europeia deveriam considerar abrir mais seus mercados para produtos agrícolas afegãos. Para combater o comércio local de drogas, o enfoque atual sobre áreas de plantio e fazendeiros deve ser desviado para a interrupção de rotas de tráfico de drogas e dos barões dos entorpecentes. Para combater a corrupção, a cooperação de desenvolvimento deve estar associada a incentivos claros e sanções embutidas em um diálogo constante com os afegãos. O desenvolvimento de um sistema independente de justiça deve ser acelerado, enquanto pagamentos de salário para a polícia e o exército também devem continuar a ser garantidos pelo Law and Order Trust Fund (Lotfa) internacional. Até parte das autoridades nacionais de Cabul está atolada em corrupção e no tráfico de drogas, constituindo assim parte do problema. A possibilidade de retirada pode ser usada como alavanca para incentivar o progresso e a reforma dentro do governo afegão.
Permanecer envolvido
As operações de reconstrução civil e a cooperação na política do desenvolvimento também devem continuar após uma retirada do Bundeswehr. O Afeganistão não pode ser deixado à própria sorte após uma retirada. De fato, a desintegração completa das já frágeis estruturas de governança federal está em jogo e deve ser evitada. Durante a reconstrução, o enfoque deve ser colocado de forma até mais intensa em pequenos projetos locais que produzam resultados rápidos e visíveis (impacto rápido). Entretanto, não se sabe como e se o auxílio para desenvolvimento civil sustentável pode ser garantido sob condições de segurança enfraquecidas.
Descentralizar o governo
Estruturas de governança estáveis e democraticamente legítimas devem ser finalmente estabelecidas. As últimas eleições presidenciais afegãs só exacerbaram esse problema, levantando a questão sobre se o atual governo centralizado em Cabul, sob o presidente Hamid Karzai, é adequado para a realidade política, histórica e cultura na região. Considerando o tamanho do país, a diversidade de etnias de sua população, a sua história cultural, e as suas fronteiras traçadas artificialmente como uma zona tampão entre as esferas de influência das antigas forças colonialistas Rússia e Grã-Bretanha, não é de se espantar que o poder do atual governo central afegão mal alcance além dos limites da cidade de Cabul.
Consequentemente, deveria-se considerar com seriedade se as relações dentro do Afeganistão seriam mais bem servidas por cantões descentralizados e predominantemente autônomos inspirados na Suíça ou no Plano Vance-Owen proposto em 1993 para a Bósnia, com Cabul servindo de distrito federal neutro que abrigue a sede do parlamento, as autoridades governamentais nacionais e o poder judiciário.
Esses critérios marcam um ponto de partida para a retirada gradual das tropas do Bundeswehr do Afeganistão. Como blocos de construção para o Pacto do Afeganistão e a próxima conferência internacional sobre o Afeganistão em 2010, essas referências devem ser usadas para desenvolver um plano de saída gradual que contenha, além das prioridades citadas, critérios quantitativos e qualitativos explícitos.
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