A relação entre França e Líbia, que em 2011 foi uma vitória militar, em 2013 pode se tornar um fardo judicial para Nicolas Sarkozy. Dois juízes parisienses estão investigando os diferentes aspectos desse caso de Estado. Eles estão vendo a possibilidade de fazer uma audiência junto a ex-autoridades do Estado líbio, que sabem muito sobre os financiamentos ocultos que podem ter beneficiado os sarkozystas.
Com grande discrição, o histórico advogado do regime de Muammar Gaddafi na França, Marcel Ceccali, entrou em contato no final de abril com Serge Tournaire e René Grouman, os dois juízes encarregados do inquérito sobre um possível financiamento oculto da campanha de 2007 de Nicolas Sarkozy pelo ex-ditador. Uma investigação que foi aberta após as escandalosas acusações, ainda que não confirmadas, do intermediário Ziad Takieddine, elas mesmas inspiradas por aquelas proferidas em março de 2011 por Saif al-Islam, um dos filhos do "Guia" líbio.
Ceccaldi – que foi advogado de Takieddine – propõe aos magistrados que sejam trazidos para depor quatro ex-dignitários gaddafistas que conseguiram deixar a Líbia no momento da queda do regime, na primavera de 2011. Essas quatro pessoas teriam tido conhecimento dos fluxos financeiros que podem ter beneficiado políticos franceses.
Mandado de prisão da Interpol
São eles: Bashir Saleh, o ex-diretor do gabinete de Gaddafi, que estaria vivendo na África do Sul; Abdallah Mansour, um outro ex-conselheiro do ditador, refugiado em Níger; o general Abdelhafid Massoud, oficial superior do exército de Gaddafi, hoje na Argélia; e Sabri Shadi, ex-chefe da aviação civil líbia, morando no Líbano. As únicas exigências estabelecidas pelo advogado foram que seus clientes sejam ouvidos como testemunhas anônimas, e que a França não execute o mandado de prisão da Interpol contra eles, tornando possível sua prisão.
Essas quatro testemunhas poderiam confirmar a suspeita de financiamento político da campanha de Sarkozy. No entanto, Ceccaldi contesta a autenticidade de uma nota emitida pela Mediapart em abril de 2012 evocando os mesmos fatos. Segundo ele, trata-se de uma "falsificação grosseira". A nota, que não foi confirmada por nenhum de seus supostos signatários, passou a ser alvo de uma investigação à parte após uma queixa prestada por Sarkozy.
O processo judiciário também pode envolver o Partido Socialista (PS). A DCRI em 2012 teve conhecimento de informações, não confirmadas, sobre o financiamento do PS pelo clã Gaddafi em 2007. "Pessoas próximas de gaddafistas vieram me falar sobre isso, falando em uma soma de 5 milhões de euros, sem provas", confirma o ex-diretor da DCRI [agência de inteligência interna francesa], Bernard Squarcini, que garante ter "relatado o fato à DGSE" [agência de inteligência externa francesa].
Bashir Saleh recebeu todas as atenções do governo sarkozysta
O ex-ministro Roland Dumas teria servido de intermediário. Este último nega formalmente e declarou ao "Le Monde": "Recebi dinheiro para defender Gaddafi, em 2011, na condição de advogado. Essas foram as únicas somas que recebi das autoridades líbias".
Bashir Saleh, peça-chave no caso, que conhecia os segredos financeiros do regime gaddafista, recebeu todas as atenções do governo sarkozysta. Ele, que chegou à França no dia 23 de novembro de 2011, através da Tunísia, graças ao intermediário Alexandre Djouhri, foi cuidado por Bernard Squarcini, próximo de Nicolas Sarkozy.
Em duas notas confidenciais da Defesa de 7 de fevereiro de 2012, das quais o "Le Monde" teve conhecimento, Squarcini escreveu ao chefe de polícia de Paris pedindo-lhe para intervir a favor do casal Saleh. "Eu lhe seria grato se pudesse conceder uma autorização provisória de residência de seis meses" ao sr. e à sra. Saleh, escreveu o chefe da contra-espionagem. Não demorou. Já no dia seguinte, em 8 de fevereiro de 2012, Jean-Louis Fiamenghi, diretor do gabinete do chefe de polícia, escreveu ao diretor da polícia geral para lhe pedir que concedesse "uma autorização provisória de residência por uma duração de seis meses".
Já no mês de agosto de 2011, foi a DGSE que foi mobilizada para retirar da Líbia, durante uma operação clandestina marítima, a sra. Saleh e seus filhos. Squarcini não contesta ter cuidado da estadia de Saleh na França, mas nega ter tentado proteger um homem detentor de segredos inconfessáveis do círculo de Sarkozy: "Ele fez o papel de intermediário entre a célula diplomática do Eliseu e o Conselho Nacional de Transição (CNT), ele poderia ter permitido evitar a guerra civil".
Segundo Squarcini, "foi a pedido do Ministério das Relações Exteriores que fui ver Bashir Saleh por três vezes". Mas Bashir Saleh não manteve suas promessas de discrição, e conduziu uma atividade intensa na França. "Tive de chamá-lo para explicar que se ele faltasse com suas promessas, seria expulso do país", confirma Squarcini.
Saleh, que tinha cada passo seu seguido pela contra-espionagem, recorreu a Dubai para conseguir um passaporte (ele já tem um passaporte diplomático do Níger), contatou o advogado israelense do filho de Gaddafi, tentou comprar um imóvel em Garches (Hauts-de-Seine) no final de 2011, se encontrou com Nesrine Ben Ali, filha do ditador tunisiano, em Carrières-sur-Seine (Yvelines) em abril de 2012, foi até a Córsega, na casa do ex-deputado europeu (PRG) Michel Scarbonchi...
Segundo Squarcini, existem "notas sobre tudo isso na DCRI, na DGSE, no Ministério das Relações Exteriores, mas também na célula diplomática do Eliseu". Ele afirma que foi Jérôme Bonnafont, diretor do gabinete de Alain Juppé no Ministério das Relações Exteriores, que lhe "escreveu para que cuidassem de administrar Saleh". Entrevistado pelo "Le Monde", Bonnafont garante não ter "nenhuma lembrança do caso Saleh". No dia 28 de abril de 2012, a publicação da nota da Mediapart, em plena campanha presidencial, causou pânico na cúpula do Estado.
Atestado de moralidade
Será que os sarkozystas temem as revelações de Bashir Saleh, caso este venha a ser preso? Em todo caso, no dia 3 de maio, a 72 horas do segundo turno, Saleh foi retirado por meio de um avião particular partindo do aeroporto de Bourget e, segundo a DCRI, fretado pelo indefectível Alexandre Djouhri – que se recusou a responder ao "Le Monde".
Antes disso, no dia 29 de abril, Saleh emitiu um comunicado através do advogado Pierre Haik negando seu "conhecimento ou participação" de um financiamento oculto de Sarkozy. Haik nega ter agido seguindo ordens oficiais: "Foi o conselheiro do presidente de Togo, Charles Debbasch, que eu defendo, que me perguntou no início de 2012 se eu poderia resolver a história do mandado de prisão contra Saleh na França. Cuidei disso, depois ele sumiu em maio e nunca mais tive notícias suas".
Enquanto isso, o advogado obteve um atestado de moralidade de Dominique de Villepin (muito próximo de Djouhri). Em uma carta do dia 2 de abril de 2012, o ex-premiê "atesta que Bashir Saleh participou diversas vezes de negociações para encontrar um acordo entre as partes líbias ao longo da primavera e do verão de 2011".
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