Sergei Guriev |
Guriev: Fazia meses que eu estava sob pressão. Há três anos, minha esposa já tinha previsto que as coisas evoluiriam dessa maneira, apesar do relaxamento das tensões políticas sob o então presidente e atual primeiro-ministro, Dmitry Medvedev. Ela não queria que nossos filhos crescessem em um país sem liberdade. Por isso, ela decidiu se mudar para Paris. Eu, por outro lado, ainda tinha esperanças.
Spiegel: Na época, você fazia parte de um pequeno grupo de pessoas que moldaram a política econômica de Medvedev. Quando você decidiu fugir?
Guriev: O momento decisivo ocorreu no final de abril, quando os investigadores apareceram no meu escritório com um mandado de busca e apreenderam todos os meus e-mails desde 2008 --no total, 45 gigabytes. Os mesmos erros, em termos de nomes e de ortografia, estavam presentes tanto na ordem judicial quanto nos documentos apresentados pelos investigadores. Em outras palavras: o tribunal em questão simplesmente copiou os documentos dos investigadores, com suas acusações absurdas, e continuará a fazer esse tipo de coisa no futuro. Eu senti que, para mim, seria muito perigoso ficar na Rússia.
Spiegel: Do que você estava com medo?
Guriev: Que eu fosse impedido de deixar a Rússia e, num próximo momento, que eu fosse preso. Eu sou um patriota e eu amo o meu país. Mas eu não estou disposto a desistir de minha liberdade. Paris é melhor do que Krasnokamensk.
Spiegel: Essa é a cidade siberiana localizada perto da fronteira com a China onde o magnata do petróleo Mikhail Khodorkovsky foi mantido em um campo de prisioneiros durante muitos anos. Agora você está sendo acusado de ter recebido dinheiro de Khodorkovsky para preparar um relatório pericial recomendando a libertação dele.
Guriev: Isso é ridículo. Em 2003, a Nova Escola de Economia (NES), de Moscou, recebeu US$ 50 mil (€ 37,5 mil) de um sócio de Khodorkovsky. Eu não recebi um único centavo desse dinheiro. À época, eu era professor visitante na Universidade de Princeton e eu só me tornei reitor da NES um ano depois. Além disso, eu preparei o laudo pericial, em 2011, para o então presidente Medvedev, juntamente com colegas meus.
Spiegel: Um deles foi Otto Luchterhandt, um jurista alemão.
Guriev: Ele, pelo menos, ainda não foi visitado pelo pessoal de Moscou. Agora, a Rússia está proibindo a entrada de um dos peritos estrangeiros.
Spiegel: Como é que a Nova Escola de Economia foi financiada?
Guriev: Nós somos uma universidade particular. Nós financiamos nossas atividades por meio de mensalidades e de doações da Rússia e do exterior.
Spiegel: É óbvio que o Kremlin não gosta disso. Você está decepcionado com o fato de Medvedev não ter sido capaz ou não ter demonstrado o desejo de protegê-lo?
Guriev: Prefiro não comentar sobre isso. Ele está em uma situação difícil. Ninguém mais parece mencionar a modernização que ele prometeu. (O presidente) Vladimir Putin decide tudo.
Spiegel: Sergey Markov, cientista político que tem laços com o Kremlin, praticamente acusou você de traição por causa de suas ideias sobre a privatização de empresas estatais --ideias que Medvedev adotou--, e ele descreveu você como o cerne intelectual da oposição a Putin. Você pretende derrubar Putin?
Guriev: Claro que não. Sou um acadêmico, não um político.
Spiegel: Será que estamos certos em supor que a razão pela qual o Kremlin adotou você como alvo não tem tanto a ver com sua simpatia por Mikhail Khodorkovsky, mas sim com seu apoio ao líder da oposição, Alexei Navalny, que atualmente está sendo julgado?
Guriev: Navalny apenas deu uma palestra em nossa universidade. Nem ele nem os outros membros da oposição receberam sequer um centavo de nossa universidade.
Spiegel: Mas você doou dinheiro seu para Navalny?
Guriev: Sim. Não é proibido. Doei o equivalente a € 250, juntamente com a minha esposa. Eu não sou um homem rico. Eu estava tentando enviar a mensagem de que eu apoio a campanha anticorrupção de Navalny. Apenas 16 pessoas se atreveram a doar publicamente para ele, incluindo o magnata do setor financeiro Alexander Lebedev. Ele e a maioria dos outros doadores têm tido problemas com o governo.
Spiegel: Será que Navalny tem o perfil necessário para ser presidente da Rússia?
Guriev: O que me impressiona é que ele não tem medo. Ele está preparado para lutar até o fim e ir para a prisão por suas convicções. Eu não estou disposto a fazer isso. Navalny é, de longe, o mais impressionante dentre todos os políticos da oposição. É exatamente por isso que eles agora estão tentando realizar um julgamento de fachada contra ele, que poderá colocá-lo atrás das grades por alguns anos, embora as acusações contra ele sejam infundadas. Eu não tenho certeza de quem venceria se eleições livres fossem realizadas e Putin e Navalny tivessem que se enfrentar em debates na televisão. O problema é que Putin nunca participou desses debates.
Spiegel: Navalny não tem nenhuma experiência em cargos políticos. Ele simpatiza com os nacionalistas, e quando ele exige que Putin e sua equipe sejam jogados na prisão, ele está provocando diretamente uma reação dura por parte do Kremlin.
Guriev: Eu não gosto desse tipo de destempero. Eu também não concordo com ele em relação a outras questões. Eu não gosto do fato de ele querer introduzir um imposto progressivo nem de que ele tenha sido um dos que marcharam à frente da "Marcha Russa", realizada pelos nacionalistas. Nós tivemos discussões acaloradas a respeito disso. Navalny mudou sua posição e não compareceu à marcha dos nacionalistas no ano passado. Como todo político, ele está evoluindo.
Spiegel: Três dias depois de Putin ter sido reeleito, em março de 2012, você disse que o presidente sabia claramente a diferença entre o destino do ex-primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, e do ex-ditador líbio Muamar Gaddafi. O que você quis dizer com isso?
Guriev: Berlusconi foi tirado do cargo pelo voto e está curtindo a vida. Mas Gaddafi agarrou-se ao poder por tanto tempo que uma revolução acabou arrancando-o de seu gabinete e ele foi morto.
Spiegel: O que você não gosta em relação a Vladimir Putin?
Guriev: O problema não é Putin ou Medvedev. São as políticas que Putin tem adotado desde seu retorno ao Kremlin. Eu ainda gosto de muitas de suas promessas de campanha, de seus artigos programáticos e de seus decretos iniciais. Por exemplo, logo depois que ele assumiu o cargo havia uma conversa sobre fazer a colocação da Rússia avançar na lista dos países mais amigáveis em termos de políticas para fazer negócios. Mas, como isso não está acontecendo, a fuga de capitais está em ascensão, e as ações das empresas russas estão significativamente desvalorizadas em comparação com as ações brasileiras ou polonesas, por exemplo. Os investidores não têm confiança na Rússia.
Spiegel: Será que o Kremlin tem um plano geral para neutralizar todos os que não concordam com Putin?
Guriev: Alguns pensam que sim. Como Putin apoia o premiê Medvedev, não há pressão sobre o próprio Medvedev. Mas Medvedev pisou em muitos calos durante os quatro anos de sua presidência. É bem possível que alguns dos ataques aos projetos dele e de seus seguidores sejam realmente apenas uma espécie de vingança indireta contra ele.
Spiegel: Quanto tempo Medvedev será capaz de sobreviver politicamente?
Guriev: Isso depende inteiramente de Putin. Com certeza é estranho ouvir Medvedev, como chefe do governo, afirmando que este governo vai deixar o poder mais cedo ou mais tarde.
Spiegel: Por que Putin, depois de uma vitória eleitoral em que ele oficialmente obteve 63,6% dos votos, precisa reprimir seus opositores?
Guriev: Evidentemente, ele mesmo não acredita nesse apoio. Putin tem medo da crescente insatisfação da população. Isso leva a uma situação paradoxal: apesar de as eleições terem acabado, Putin ainda está lutando contra a oposição ao decretar, constantemente, novas leis repressivas.
Spiegel: Também temos notado que há uma crescente insatisfação com Putin dentro da elite do poder em Moscou.
Guriev: Muitas pessoas poderosas ficaram desanimadas. Por exemplo: em relação à lei que proíbe os norte-americanos de adotarem órfãos russos. Essa foi uma vingança contra uma lei dos Estados Unidos que proíbe a entrada em território norte-americano de funcionários russos envolvidos em violações dos direitos humanos. Na Rússia, as mulheres do Pussy Riot foram enviadas para campos de prisioneiros durante dois anos por seu ato de protesto em uma igreja. Logo em seguida, foi aprovada uma lei contra a propaganda gay, o que só alimenta a homofobia. Sob essas condições, como é que os altos funcionários do governo supostamente conseguirão atrair investimentos estrangeiros?
Spiegel: Os críticos de sua política econômica querem menos privatizações e mais investimentos por parte do governo em estradas e portos e em ações sociais. Eles o acusam de defender o capitalismo "irresponsável".
Guriev: Eu também sou a favor de melhores estradas e boa infraestrutura. E eu estou contente com o fato de nós sermos o país-sede da Copa do Mundo de 2018 e das Olimpíadas de Inverno do ano que vem. Eu apenas me oponho à enorme quantidade de dinheiro do contribuinte que está sendo roubada no processo. Quando o dinheiro do orçamento nacional é indiscriminadamente bombeado para a economia e para os serviços sociais, a inflação aumenta e, em seguida, o crescimento econômico diminui. Se isso ocorrer, a Rússia será ameaçada com uma recessão e, no pior dos casos, teria o mesmo destino da União Soviética: o colapso.
Spiegel: Como a corrupção pode ser controlada?
Guriev: A Rússia precisa de reformas que tornarão nosso país mais democrático: eleições livres e justas, liberdade de imprensa, liberdade de manifestação e liberdade para a criação de novos partidos.
Spiegel: Medvedev queria facilitar o lançamento de novos partidos com um dos últimos projetos que ele sancionou e transformou em lei...
Guriev: ...lei que acaba de ser completamente diluída. O Ministério da Justiça suspendeu o registro do Partido da Aliança do Povo, por exemplo, que está alinhado com Navalny.
Spiegel: Um dos investigadores que revistaram seu escritório disse que você deve ser grato por não ter tido o mesmo destino do vencedor soviético do Prêmio Nobel da Paz e físico nuclear Andrei Sakharov, que foi banido para a região do Volga durante vários anos. Essa ameaça soa como um elogio para você?
Guriev: Eu não sou um dissidente. Eu não preciso de escândalos e eu não estou buscando construir uma carreira política. Eu perdi muita coisa como resultado de minha fuga. Eu gosto de Paris, mas eu não falo francês. Mesmo assim, eu vou conseguir sobreviver.
A mídia ocidental, em vez de se cansar em entrevistar dissidentes politicos pró-ocidentais russos com o objectivo de dengrir a imagem do pais, deveria era entrevistar mais pessoas como Snowden para estes revelarão a bela imagem do governo americano. Seria uma boa ideia
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