Em junho de 2011, o então ministro do Interior da Islândia, Ögmundur Jónasson, recebeu uma mensagem urgente das autoridades norte-americanas. A mensagem dizia que hackers "estavam planejando realizar um ataque iminente contra os bancos de dados do governo islandês" e que o FBI enviaria agentes para investigar o caso, disse o ex-ministro Jónasson em entrevista concedida por telefone.
Mas quando "oito ou nove" agentes do FBI chegaram à Islândia, em agosto de 2011, Jónasson disse ter descoberto que eles não estavam investigando um ataque iminente de hackers, mas sim reunindo material sobre o WikiLeaks, grupo de ativistas que foi responsável pela publicação de milhares de documentos confidenciais durante os últimos três anos --e que tem muitos agentes operando na Islândia.
Jónasson pediu aos agentes para que deixassem o país pois eles haviam desvirtuado a finalidade de sua visita.
A operação realizada na Islândia fazia parte de uma ampla investigação sobre o WikiLeaks e seu fundador, Julian Assange, e tinha como objetivo definir o papel do criador e de sua criatura na divulgação de documentos militares e diplomáticos dos Estados Unidos em 2010. A operação de investigação estava reunindo discretamente material sobre os documentos vazados desde, pelo menos, outubro de 2010, seis meses após a prisão de Bradley Manning, soldado do exército dos Estados Unidos que é acusado de fornecer a maior parte dos documentos confidenciais ao WikiLeaks.
Até Manning ter ressurgido esta semana no papel de aliado de Edward J. Snowden, o ex-técnico em informática que vazou detalhes sobre o esquema de monitoramento de dados telefônicos e da internet orquestrado pela Agência de Segurança Nacional dos EUA, Assange parecia um homem esquecido. O WikiLeaks não fazia uma grande divulgação de informações há vários anos, suas fontes de financiamento tinham diminuído e vários arquitetos sêniores de seus sistemas tinham abandonado o site, citando disputas internas. O próprio Assange está escondido na embaixada do Equador em Londres, para onde ele fugiu na tentativa de evitar sua extradição para a Suécia, onde seria interrogado sobre acusações de abuso sexual.
Mas o governo dos Estados Unidos não se esqueceu de Assange. Entrevistas realizadas com agentes do governo norte-americano, com promotores e outras pessoas familiarizadas com a investigação sobre o WikiLeaks, bem como a análise de documentos judiciais, sugerem que Assange e o WikiLeaks estão sendo investigados por vários órgãos do governo dos EUA e também pelo tribunal do júri (encarregado de analisar e determinar se haverá ou não um posterior julgamento), que já intimou testemunhas.
Dezenas de milhares de páginas de provas foram recolhidas. E pelo menos outros quatro ex-membros do WikiLeaks foram contatados por autoridades dos Estados Unidos que estão tentando obter informações sobre Assange, disseram esses ex-membros do site, que falaram em condição de anonimato pois, segundo eles foram informados, o assunto é confidencial.
Em resposta às perguntas recentes formuladas pelo jornal "The New York Times" e por outros meios de comunicação, um porta-voz do Departamento de Justiça dos EUA confirmou que o órgão "está realizando uma investigação sobre questões que envolvem o WikiLeaks e que essa investigação está em andamento". Mas o porta-voz se recusou a fornecer mais detalhes sobre a questão.
A ação judicial contra o WikiLeaks pode colocar o governo norte-americano em um território legal complicado. O WikiLeaks é uma organização internacional e, ao contrário do soldado Manning e de Snowden, Assange e os outros membros do site não trabalham para o governo dos Estados Unidos nem para seus prestadores de serviços e, por isso, não poderiam ser acusados de espionagem.
O WikiLeaks afirma que funcionava como uma editora que divulgava informações de interesse público e que, em várias ocasiões, atuou como parceiro de órgãos de imprensa tradicionais, incluindo os jornais "The New York Times" e "The Guardian". Se o governo dos EUA acusar o WikiLeaks e Assange como co-conspiradores, estará argumentando que, ao contrário de seus parceiros, Assange e o pessoal que trabalhava no site não são jornalistas.
"Considerando-se a agressividade do governo em relação ao caso de Snowden, eu acredito que as autoridades norte-americanas darão continuidade ao caso de Assange respaldadas por uma teoria da conspiração, embora o WikiLeaks pareça ser elegível à proteção garantida pela Primeira Emenda", disse James C. Goodale, advogado que lida com casos relacionados à Primeira Emenda da Constituição dos EUA (que impede, entre outras coisas, que o Congresso restrinja a liberdade de expressão) e que já trabalhou para o "The Times" e é o autor de "Fighting for the Press" ("Lutando pela Imprensa", em tradução livre).
Goodale acrescentou que, até hoje, nenhum repórter foi processado com sucesso devido a uma acusação de conspiração, mas que as medidas recentes adotadas pelas autoridades, como a investigação de James Rosen, repórter da "Fox News", servem de evidência de que o governo dos EUA está "caminhando para criminalizar o processo de reportagem".
O jornal "The Times" nunca foi contatado como parte de uma investigação sobre o WikiLeaks, disse David E. McCraw, diretor jurídico-assistente da publicação. "Mas eu gostaria de observar que a lei de proteção proposta", disse ele, mencionando a nova legislação que o governo norte-americano diz ser um esforço para proteger os jornalistas contra processos judiciais, "tenta excluir da definição de organizações de notícias as editoras que fazem um trabalho similar ao do WikiLeaks".
Assange não quis conceder entrevista, mas disse em comunicado enviado ao "The Times" que o Departamento de Justiça dos EUA "e sua investigação realizada pelo FBI foram cegados por seu fervor em se ver livre das editoras que falam a verdade aos poderosos".
"Eles acreditam que as agências norte-americanas podem desprezar as leis, coagir pessoas a se tornarem informantes, roubar nossa propriedade e prender nossas supostas fontes de informação sem julgamento", acrescentou o comunicado de Assange.
Grande parte da investigação foi realizada em segredo, como ocorre com a maioria das investigações do FBI, mas algumas pistas emergiram. Em dezembro de 2010, o procurador dos EUA para o Distrito Leste da Virgínia solicitou informações sobre as contas no Twitter do soldado Manning, de Assange e de Birgitta Jonsdottir, ex-ativista do WikiLeaks e atual deputada do Parlamento da Islândia, entre outros.
Uma versão editada da intimação entregue a Birgitta citava uma cláusula específica relacionada à conspiração, que pode ter como alvo aqueles que supostamente ajudaram o soldado Manning.
Outras ordens judiciais foram divulgadas. Na semana passada, Herbert Snorrason, ex-membro do WikiLeaks que já foi bem próximo de Assange, escreveu em seu site que havia recebido intimações --divulgadas em 2 de maio passado-- que incluíam um mandado de busca entregue ao Google para acessar "todos os e-mails associados com a minha conta do Gmail, cada fragmento de informação que eles tinham a respeito da minha identidade e qualquer coisa que eu tivesse subido para algum um serviço do Google".
Segundo Snorrason, embora nenhuma razão tenha sido apresentada para a ampla apreensão de suas informações, ele acredita que a medida se deva "ao fato de eu ter tido uma conversa, ou algumas conversas, com um australiano de cabelos brancos", numa referência a Assange. Snorrason afirmou que pelo menos outra pessoa que fazia parte do círculo mais amplo de colaboradores do WikiLeaks passou por uma investigação semelhante na mesma época. "Esses tipos de ordens judiciais tiveram como alvo tantas pessoas que eu conheço que eu nem consigo imaginar", disse ele.
As audiências pré-julgamento relacionadas ao caso do soldado Manning também proporcionaram algumas dicas sobre essas investigações. De acordo com depoimentos concedidos em 2011 e 2012, durante essas audiências, conforme as transcrições feitas por Alexa O'Brien, ativista que estava presente no tribunal, o major Ashden Fein disse ao juiz, em nome do Ministério Público, que um arquivo do FBI contendo informações sobre Manning era "muito mais amplo" e abarcava uma quantidade muito maior de informações do que apenas o caso do soldado, além de conter testemunhos secretos concedidos diante do tribunal do júri. Ele disse que o arquivo continha 3.475 documentos e 42.135 páginas.
As atividades do FBI na Islândia oferecem, talvez, a visão mais clara sobre o interesse do governo dos EUA em Assange. Um jovem ativista da internet, Sigurdur Ingi Thordarson (conhecido como Siggi), disse este ano, durante uma sessão fechada do Parlamento da Islândia, que durante a visita do FBI ao país em 2011 ele estava cooperando com os agentes norte-americanos destacados para investigar o WikiLeaks.
"À época, ele se encontrava regularmente com Julian" em Ellingham Hall, uma mansão rural localizada na Inglaterra, onde Assange estava sendo mantido em prisão domiciliar, e "os agentes estavam tentando fazê-lo ir até lá usando uma escuta", disse Birgitta em uma entrevista. Não foi possível contatar Thordarson por meio dos números de telefone e do endereço de e-mail fornecidos por ele.
Não ficou claro até que ponto Thordarson colaborou com os investigadores norte-americanos, disse Birgitta. Alguns ativistas da Islândia acreditam que ele foi usado como um agente duplo por Assange, coletando informações sobre a investigação enquanto parecia estar cooperando com o FBI.
Os esforços do FBI deixaram os defensores do WikiLeaks da Islândia abalados. "A paranoia", disse Birgitta, "vai matar todos nós".
Assange alegou que há uma ligação entre as acusações feitas contra ele na Suécia e a investigação norte-americana, mas ele não apresentou provas sobre essa suposta ligação. De acordo com os termos do mandado de prisão de Assange, os Estados Unidos exigem o consentimento do Reino Unido para extraditá-lo e poder processá-lo --mesmo que ele seja extraditado antes para a Suécia.
Mas Assange e aqueles que o cercam estão convencidos de que, quer essa ligação exista ou não, ainda assim ele corre o risco de ser extraditado para os Estados Unidos.
"Julian está em uma situação extremamente injusta. Ele não foi acusado de nenhum crime em nenhum país, e os Estados Unidos continuam a tratá-lo como réu pronunciado ao se recusarem a discutir o status dessa investigação", disse Jennifer Robinson, membro da equipe jurídica de Assange em Londres, que acrescentou: "Ele está vivendo em uma terra de ninguém".
Não ficou claro por quanto tempo a investigação se estenderá nem se ela está ativa ou se está aberta apenas para o caso de futuros avanços. Mas uma ex-autoridade que já esteve envolvida no caso disse que qualquer investigação sobre o WikiLeaks provavelmente seria levada adiante por "um período excepcionalmente longo" antes que esforços fossem empreendidos para trazer Assange para os Estados Unidos.
O homem que esteve no centro do mais famoso vazamento de informações para a imprensa da história, que ficou conhecido como Pentagon Papers (Documentos do Pentágono), acredita que um dia Assange terá que responder judicialmente.
"Há pessoas que dizem que ele está sendo paranoico ou irracional, mas isso não significa que eles não vão continuar atrás dele", disse Daniel Ellsberg, que foi acusado de divulgar os Pentagon Papers.
Mas as acusações contra ele foram arquivadas depois que surgiram provas de que o governo havia instalado escutas ilegais para coletar informações. "Um tribunal do júri foi convocado, uma investigação está em andamento e eu ficarei bastante surpreso se eles não forem atrás dele."
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