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terça-feira, 4 de junho de 2013

O que aconteceu com o tribunal penal de Haia?

O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia decidiu absolver duas autoridades de segurança sérvias, Jovica Stanisic e Franko Simatovic. A absolvição faz parte de uma série de anulações dramáticas por parte do tribunal no último ano, e se enquadra na evolução de uma instituição que surgiu guinchando, rugiu por pouco tempo e parece que sairá de cena com um gemido.

Stanisic e Simatovic tiveram grande participação em criar, treinar, armar, financiar e dirigir vários grupos paramilitares responsáveis por grande número dos crimes na Croácia e na Bósnia-Herzegovina. O raciocínio tortuoso do veredicto de 800 páginas do tribunal serve como uma leitura fascinante: ele afirma que os crimes foram cometidos e os descreve em detalhes excruciantes. Ele cita vítimas, dá nome aos perpetradores e, na maioria dos casos, detalha as ligações entre as partes acusadas e os perpetradores diretos.

Então ele se recusa a condenar, com base de que a evidência não mostra que o apoio fornecido aos criminosos foi "voltado especificamente ao cometimento dos crimes".

Apesar de a câmara afirmar que o empreendimento criminoso conjunto de criação de uma população etnicamente homogênea existia, ela rejeita a teoria de que contribuições concretas para a realização desse empreendimento por parte deles constituem culpa. Em vez disso, ela aplica um padrão que exige um tipo de evidência que nenhum grande criminoso produziu em algum conflito: documentação indicando instruções específicas para que os crimes fossem cometidos.

A estreiteza do padrão é sugerida por uma sentença desconcertante no veredicto: a maioria do tribunal "considera a referência de Stanisic às mortes, em seu comentário de que 'nós os exterminaremos completamente', como vaga demais para ser usada em apoio à alegação de que Stanisic compartilhava a intenção de promover o suposto propósito criminoso comum".

Como o tribunal chegou ao ponto onde, abandonando a ambição de fornecer justiça às vítimas, paz à região e um grau de verdade à história da violência na antiga Iugoslávia, agora está exonerando as pessoas que dirigiram grande parte dos empreendimentos secretos para cometimento dos crimes?

A resposta está em parte na decisão da câmara de apelações, em fevereiro, de absolver o general Momcilo Perisic, o chefe do Estado-Maior do Exército iugoslavo, que foi acusado de facilitar os crimes cometidos pelo Exército sérvio-bósnio. O promotor argumentou que ao armar, financiar e fornecer inteligência e oficiais à força, Perisic tornou possível genocídio e crimes contra a humanidade. A câmara de apelações apontou que na ausência de evidência específica de que Perisic tinha a intenção de que a assistência fosse usada para o cometimento de crimes, sua condenação não podia ser mantida.

Este é o padrão de "direção específica" introduzido neste ano pelo presidente da câmara, Theodor Meron, um norte-americano, e citado como a principal autoridade na decisão de absolvição.

Em uma decisão relacionada em novembro passado, a câmara de apelações decidiu absolver Ante Gotovina e Mladen Markac, dois generais croatas acusados de incitar a população civil sérvia a fugir da Croácia por meio do uso indiscriminado de força militar. Basicamente, a câmara de apelações (também presidida pelo juiz Meron) apontou que não existe um padrão legal que permita aos tribunais distinguir entre alvos militares legítimos e ilegítimos.

Essas anulações dramáticas ocorrem após uma década de jurisprudência do TPI para a ex-Iugoslávia buscando estabelecer o estado de direito sobre as atividades militares e paramilitares em conflitos armados. Juntamente com várias outras condenações, as em primeira instância de Perisic, Gotovina e Markac pareciam marcos na determinação da responsabilidade do comando e da proteção de civis.

As grandes condenações após 2000 ocorreram após uma seca inicial no tribunal que, fundado em 1993, passou anos com um número baixo de casos, orçamento inadequado e nenhum poder para obrigar a presença de suspeitos e testemunhas. Ele se esforçou ao longo dos anos 90 tentando criar um precedente por meio de processos contra oficiais de baixa patente.

As mudanças de regime na Sérvia e na Croácia em 2000 deram ao tribunal acesso a suspeitos mais proeminentes, e promotores ambiciosos buscaram revelar e processar as cadeias de comando por trás dos crimes em grande escala da guerra. O tribunal julgou e às vezes condenou chefes de Estado, importantes generais e perpetradores proeminentes. Suas condenações incluíam grandes precedentes para o crime de genocídio, para o status da violência sexual como uma violação da lei internacional e pela atribuição de responsabilidade pelos grandes crimes.

Quando o tribunal emitiu seus últimos indiciamentos em 2005, muitos observadores se sentiram à vontade para argumentar que eles representavam um esforço bem-sucedido para levar o estado de direito a um campo onde ele raramente ousou pisar.

Provavelmente nós não saberemos completamente os motivos para os juízes terem decidido reverter o curso na etapa final do tribunal até que ele tenha fechado suas portas e os principais envolvidos lancem seus livros de memórias. Uma possibilidade é a de que apesar do estabelecimento de padrões legais parecer adequado para Estados pequenos e à margem, como os envolvidos no conflito iugoslavo, ele ameaçava a flexibilidade de Estados mais poderosos se envolverem em conflitos no futuro.

As bases rejeitadas de responsabilidade nas três principais absolvições no ano passado incluíram visar alvos civis e armar e financiar as forças que cometeram os crimes. Elas não se esforçam para ver as implicações que precedentes como esse teriam para a atividade de Estados poderosos em países como a Síria e o Afeganistão.

Parte desse raciocínio poderia parecer um convite para os teóricos de conspiração procurarem influências sinistras na tomada de decisão do tribunal. Mas nenhuma conspiração é necessária para explicar que os juízes representam os Estados que os indicaram ao tribunal, e que o direito é uma profissão conservadora. Para um observador externo, parece que o Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia estava a caminho de estabelecer um precedente inovador, viu as implicações e voltou atrás.

A rodada final de jurisprudência do tribunal traça um fim triste para a história de um tribunal que foi fundado com pouca esperança, encorajou algumas pessoas e então jogou tudo fora.

*Eric Gordy leciona política e sociologia do Sudeste Europeu na University College London. Seu livro mais recente é "Guilt, Responsibility and Denial: The Past at Stake in Post-Milosevic Serbia"

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