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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Novo governo chinês sinaliza fim de sistema que pune dissidentes sem julgamento

Xi Jinping

Quão adepto de reformas é o novo líder da China, Xi Jinping? O anúncio, feito em janeiro, de que no final deste ano a China vai parar de usar, ou até mesmo abolir, a "Reeducação pelo Trabalho" – o notório sistema instituído em meados da década de 1950 e inspirado nos gulags soviéticos – pode oferecer uma pista importante.

Apesar de o governo chinês não ter fornecido detalhes sobre o que pretende fazer, provavelmente o arquipélago da reeducação – formado por cerca de 350 campos de trabalho com aproximadamente 160 mil detentos – não deve ser fechado em breve. Possivelmente os campos continuarão abrigando os presos condenados por crimes como abuso de drogas, prostituição e pequenos delitos.

Mas a mudança proposta pode colocar um ponto final no maior sistema de detenção administrativa da China, que impõe punições unicamente por meio de decisões administrativas, sem qualquer julgamento.

O Laojiao, como é chamado em chinês o sistema de reeducação pelo trabalho, é teoricamente reservado a quem comete crimes menores, que não se qualificam para receber punições criminais. Sob o governo de Mao, a maioria dos presos do Laojiao eram vítimas de expurgos políticos. A partir da década de 1980, os detentos do Laojiao eram principalmente pequenos criminosos e infratores que cometeram delitos menores, incluindo menores de idade.

Mas durante muito tempo a polícia também tem utilizado esse sistema prisional como uma ferramenta conveniente na repressão a dissidentes e para prender críticos do governo, além de autores de petições, delatores, ativistas dos direitos humanos, membros de igrejas cristãs clandestinas ou de seitas religiosas proibidas e outras pessoas consideradas como uma "ameaça" à ordem pública.

Uma "ameaça" desse tipo era Tang Hui, condenado no início de agosto de 2012 a 18 meses no Laojiao por protestar contra as sentenças leves demais concedidas para as pessoas que sequestraram estupraram e obrigaram sua filha de 11 anos a se prostituir.

O caso de Tang foi o que teve a maior repercussão dentre os vários casos que desencadearam, no ano passado, indignação nacional em relação aos campos de Reeducação pelo Trabalho, graças ao recém-descoberto poder dos microblogs pelos cidadãos chineses. Tang foi solto em 10 de agosto passado.

As condições nos campos de reeducação são terríveis: os abusos físicos cometidos pelos guardas e pelos criminosos nos quais eles confiam para impor a "ordem" são comuns, assim como são comuns as longas horas de trabalho árduo, sem nenhum dia de descanso. Há também a corrupção institucionalizada, um sistema de assistência médica deficiente e o que o Ministério da Justiça chama de "mortes anormais".

A declaração oficial mais abrangente sobre o destino da Reeducação pelo Trabalho emitida desde janeiro, feita por Chen Jiping, líder político e responsável pelos assuntos legais do partido, sugere que o sistema será totalmente eliminado até o final de 2013. O que virá depois permanece incerto. O governo supostamente havia considerado a criação de um sistema de detenção administrativa um pouco mais brando – mas um "Laojiao-light" não significaria muito progresso.

Alguns advogados ressaltaram que a Reeducação pelo Trabalho é ilegal de acordo com a atual Constituição e as obrigações da China como parte do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1998. Em vez desse sistema, eles defendem que o Judiciário chinês deveria criar tribunais especiais para lidar com delitos menores.

Independentemente de qual opção venha a ser escolhida, qualquer melhoria feita na teoria pode ser rapidamente anulada na prática caso não seja acompanhada de reformas legais mais abrangentes. Após a China ter abolido o crime de "contrarrevolução", em 1997, no que então foi saudado como um grande avanço, a única mudança real foi o fato de os criminosos políticos passarem a ser condenados por crimes relacionados à "segurança do Estado", em vez de "contrarrevolução".

O Prêmio Nobel da Paz, Liu Xiaobo, que cumpre uma pena de 11 anos por "incitar a subversão do poder estatal e do sistema socialista", pode comprovar isso. Da mesma maneira, quando em 2003 o governo aboliu outro tipo de sistema de detenção administrativa, as autoridades locais começaram a confinar alguns "encrenqueiros" em "prisões secretas" ilegais e em hospitais psiquiátricos.

No entanto, ao transformar a abolição do Laojiao em sua primeira iniciativa no plano jurídico, Xi Jinping pode estar sinalizando que não tem a intenção de conceder ao aparato de segurança chinês influência para além de suas atribuições relacionadas à aplicação das leis.

Seu antecessor, Hu Jintao, que era avesso a riscos, permitiu que o aparato de segurança da China sequestrasse sua agenda, que visava promover uma "sociedade harmoniosa" e, em vez disso, criasse um sólido projeto para a "preservação da estabilidade", que provavelmente alimentou tantos conflitos quantos foram esmagados. Agora, o aparato de segurança foi politicamente rebaixado e sua cabeça foi removida do alto escalão do Partido Comunista, o Comitê Permanente do Politburo.

Abolir a Reeducação pelo Trabalho por si só não eliminará os muitos defeitos do sistema chinês de justiça criminal nem colocará um fim à repressão aos críticos do governo.

No entanto, a medida seria um importante passo adiante, pois removeria o que tem se mantido durante décadas como um obstáculo incapacitante para o cumprimento de uma exigência fundamental para qualquer sistema que respeite o Estado de Direito: que nenhum acusado de um crime possa ser privado de sua liberdade sem receber antes um julgamento justo em um tribunal. Seria um bom começo.

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