A incapacidade do tecido industrial de absorver o êxodo rural e a política de favoritismo da comunidade alauíta desestabilizaram Homs
Exército Sírio Livre (ESL) defende suas posições em Homs |
“Por que os habitantes de Homs colocam um televisor sobre o outro quando assistem ao noticiário?”, começa uma dessas piadas. “Para ver as pernas da apresentadora”. Os estereótipos nesse sentido são tão resistentes, que, segundo o site da revista americana “Foreign Policy”, recentemente um partidário do regime perguntou recentemente em seu perfil do Twitter: “Por que os moradores de Homs estão se revoltando? Porque eles se cansaram das piadas sobre eles”.
Hoje, a terceira maior cidade da Síria, com 1,5 milhão de habitantes, não tem mais vontade de rir. De todas as províncias do país, foi ela que mais sofreu com a revolta. Em novembro, os ativistas locais lamentavam mais de 1.100 mortos. Levando em conta a intensificação da repressão, com um bombardeio sobre bairros rebeldes como Baba Amro praticamente ininterrupto desde o começo do mês de fevereiro, é provável que esse número tenha dobrado ou até triplicado. Os vídeos e as fotos enviadas pelos militantes mostram fragmentos de cidades fantasmas, alvo de projeteis e de explosões. Como se chegou a esse ponto? Por que Homs se tornou um campo de batalha, enquanto Damasco e Aleppo ainda hesitam em se engajar nos protestos?
Para os especialistas em Síria, a resposta é primeiramente demográfica. Na segunda metade do século 20, a cidade de Homs, situada no cruzamento dos principais eixos de circulação do país (a rota da Turquia ao norte, a de Damasco 160 quilômetros ao sul, o corredor para o porto de Tartous a oeste e o caminho do Líbano, a 35 quilômetros) atraiu milhares de jovens camponeses expulsos de suas terras pelo fracasso da reforma agrária. Um fluxo que o tecido industrial local, especialmente as refinarias e a fábrica de automóveis do Irã Khodro Company, não conseguiu absorver. “O êxodo rural pauperizou a cidade”, analisa um diplomata alocado em Damasco. “Um cinturão de miséria se formou em torno do centro histórico. A burguesia foi pega de surpresa. Foi por isso que as revoltas se instauraram tão rápido”.
Entre os bairros informais, que emergiram nos anos 1960-1970, figura Baba Amro, a atual fortaleza do Exército Sírio Livre (ESL), povoado principalmente por sunitas. Na época, era uma área de pequenos tráficos, um reduto de contrabandistas, conectado a Trípoli, a grande cidade líbia vizinha, também sunita. “Os filhos da alta sociedade de Homs eram proibidos de transitar nesse setor mal afamado”, lembra um nativo da cidade. “Era como... a periferia de Paris, hoje em dia”.
A frustração dos recém-chegados, condenados a trabalhos informais, foi ainda maior pelo fato de que os imigrantes alauítas conseguiam empregos sem dificuldades. Os adeptos desse ramo do xiismo, ao qual pertence o clã Assad, eram facilmente recrutados pela Academia Militar, fundada durante o domínio francês, a exemplo de Hafez, o pai do atual chefe do Estado, que se formou ali em 1955. A maior parte dos postos do aparelho administrativo instaurado na época eram reservados a eles. “Os nativos de Homs, em sua maior parte cristãos e sunitas, tiveram a sensação de que o partido Baath e os alauítas estavam lhes confiscando a cidade,” explica o cientista político Salam Kawakibi. “O mesmo fenômeno se deu em Damasco. Mas, como essa era uma cidade imensa, teve um efeito de diluição. A apropriação do regime pareceu mais suportável.”
As escolhas de Bashar al-Assad intensificaram as tensões, bem como a nomeação de um de seus amigos, Iyad Ghazal, para o posto de governador de Homs, em 2005. Esse ex-diretor da companhia Ferrovias da Síria elaborou um plano de desenvolvimento faraônico, chamado de “Homs Dream”. O projeto, que previa a construção de gigantescas torres de escritório, foi conduzido à base de pauladas e de propinas. “Houve apreensões de terras e expulsões arbitrárias”, diz Kawakibi. “Ghazal se comportou como o padrinho da máfia. Ele colocou o povo contra ele mesmo.”
Quando Deraa iniciou o movimento de protestos, em meados de março de 2011, Homs seguiu seus passos alguns dias depois. Centenas de milhares de habitantes foram se manifestar na praça do relógio, coração da cidade. A mobilização pretendia ser pacífica e unitária, no espírito dessa cidade heterogênea, uma espécie de Síria em miniatura, onde as comunidades sempre viveram em harmonia.
Mas Bashar al-Assad sabia do risco que representava a propagação das revoltas em uma cidade do porte de Homs. Depois de tentar apaziguar seus opositores destituindo Iyad Ghazal, ele lançou seus soldados e milicianos contra a massa. Objetivo: fazer com que Homs desviasse de sua obstinada linha de não violência. Durante o verão, houve um grande número de assassinatos e sequestros em condições misteriosas. Os corpos de quatro alauítas foram encontrados em julho com os olhos perfurados. Lojas situadas em bairros controlados pelos insurgentes foram devastadas. O fantasma do sectarismo pairava sobre o laboratório da revolução. Em reação, a comunidade alauíta deixou a cidade.
Em setembro, revoltados com os banhos de sangue, dezenas de soldados jogaram fora seus uniformes e se refugiaram na cidade de Rastan, norte de Homs. Nascia o ESL. Bombardeados pelas forças regulares, os desertores se refugiaram em Baba Amro, da qual fizeram sua fortaleza. “Homs se tornou a capital da revolução sem querer”, diz Kawakibi. “Foi a crescente repressão do regime, tomando conta de todas as cidades, que determinou o que vem acontecendo hoje.”
Se Baba Amro cair, a tocha da revolução será assumida por Idlib. Um bastião do ESL, na fronteira com a Turquia, já cercada pelos snipers do regime.
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