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Aonde levarão os protestos em Moscou? O movimento de oposição, que vem pedindo a criação de um partido próprio, ainda está buscando um líder. Sua esperança é desafiar Vladimir Putin nas eleições presidenciais de março. Contudo, o homem forte russo recusa-se a dialogar com os manifestantes.
Alexei Kudrin apareceu em um grande protesto contra seu amigo e patrão de muitos anos, Vladimir Putin. Usando um chapéu de pele elegante e casaco caro, foi recebido com vaias pela multidão. Mas o que o ex-ministro das finanças russo tinha a dizer na manifestação do dia 24 de dezembro foi mais impressionante do que qualquer outro discurso daquele dia.
Ele também tinha votado contra o poderoso partido Rússia Unida nas recentes eleições parlamentares, informou aos manifestantes em Moscou. Ele acredita que a Rússia precisa de um partido grande e liberal; que novas eleições são inevitáveis e que a polícia, o sistema de justiça e a economia do país estão em urgente necessidade de reforma.
Kudrin, 51, foi ministro das finanças russo por dez anos e meio e também fez parte da equipe de governo como vice-ministro primeiro sob Vladimir Putin. Filho de oficial, Kudrin seguiu a carreira tradicional dos soviéticos de alta patente, estudando economia e depois trabalhando com Putin na prefeitura de São Petersburgo nos anos 90. Kudrin depois ajudou o homem forte da KGB a alçar voo em sua carreira em Moscou.
Ainda assim, Kudrin manteve ideias próprias. A revista "Euromoney" o nomeou "ministro das Finanças do ano" de 2010, após ele pagar a maior parte da dívida externa russa e conseguir manter o país praticamente incólume durante a crise financeira mundial.
Em setembro, quando Putin e o presidente Dimitri Medvedev anunciaram seu acordo por trás das cenas para novamente trocarem de papéis dentro do governo, Kudrin deixou clara sua desaprovação - e Medvedev demitiu-o do cargo.
"A Rússia despertou"
Teria Kudrin surgido no protesto do dia 24, contra a fraude na eleição, como um cavalo de Troia, enviado por Putin, como muitos em Moscou suspeitam? Afinal, o Kremlin não o colocou a cargo de formar um novo partido político para pacificar os russos liberais?
Vários fatores pesam contra essa teoria da conspiração. Kudrin imediatamente expôs a ideia do partido político como "artificial" e disse que, "na realidade, surgira para desacreditar as ideias liberais democráticas". Na manifestação no dia 24 de dezembro, ele se ofereceu como intermediador entre o governo os manifestantes, apesar de, pouco depois, Putin chamar os manifestantes de "trotskistas", sem ninguém entre eles com quem pudesse falar.?
Putin, então, propôs equipar as urnas com câmeras para as eleições de março, de forma a monitorar qualquer fraude eleitoral. "O que mais eles querem?", perguntou, em uma recusa clara - e arrogante - de dialogar com a oposição. É precisamente esse tipo de comportamento por parte do primeiro-ministro que continua a alimentar as chamas contra o Kremlin.
"A Rússia despertou", escreve o autor Victor Erofeyev. "Tão recentemente quanto este verão, o país estava roncando pacificamente, e a vida política parecia que continuaria dormente por anos". Subitamente, porém, diz ele, o tempo "está avançando loucamente".
Erofeyev está certo - Moscou não via manifestações de tamanha escala desde 1998. Na época, porém, foram às ruas aqueles afetados pela mudança abrupta do país para uma economia de mercado, pois não achavam que seriam capazes de sobreviver com os salários que recebiam.
As elites abandonam seu temor e indiferença
Desta vez, os manifestantes são membros afluentes da sociedade, que até agora eram contabilizados entre os defensores do sistema. No passado, eles talvez dessem um sorriso diante das tentativas desajeitadas de propaganda do regime de Putin, mas de outra forma continuavam quietos, se beneficiando da economia próspera.
Deixe que Putin prossiga e concorra à presidência no dia 4 de março, diz o professor Valery Solovei em Moscou. Se Putin não alcançar uma maioria absoluta no primeira turno, como é provável, ele de fato não tem o direito "de participar no segundo turno", diz Solovei, já que, nesta altura, estaria claro que ele e seu regime fracassaram como líderes de uma nação unificada.
Como Kudrin, Solovei não é qualquer um. Ele ensina no Instituto de Relações Internacionais em Moscou, a escola que produz os diplomatas russos. O exemplo de Solovei mostra claramente que a elite de Moscou livrou-se tanto de sua indiferença quanto do medo do Kremlin.
De acordo com uma pesquisa conduzida pelo Instituto Levada, 8% dos manifestantes são proprietários de empresas, 17%, gerentes, e 46% trabalhadores capacitados, tais como especialistas em computação, médicos e engenheiros.?
Vassily Moshakov está dentro dessa última categoria. Com suas calças de risca de giz e cabelos morenos penteados para trás, o engenheiro elétrico de 24 anos parece uma cópia de Kudrin, mas ele tem dúvidas quanto ao antigo ministro da Fazenda. "Kudrin representa o poder governante que agora está tentando se unir a nós", diz Morshakov. "Mas nós queremos caras novas".
Como impedir a volta do primeiro-ministro ao Kremlin e quem é capaz de liderar o movimento contra Putin? Os detratores do Kremlin discordam sobre as respostas a essas perguntas.
Sem candidato claro
O jornal moscovita "Novaya Gazeta" escreve que é difícil identificar um possível candidato da oposição entre os palestrantes mais aplaudidos na manifestação no dia 24 de dezembro. Todos são populares entre a classe média Rússia: o autor Boris Akunin, o jornalista de televisão Leonid Parfyonov e o cantor popular Yuri Shevchuk.
Uma razão significativa é que os três só apoiam o novo movimento por razões de "higiene" política, como diz Akunin. Eles não estão buscando instigar um levante contra o Kremlin e certamente não querem uma revolução parecida com a que ocorreu sete anos atrás na Ucrânia. Os dois cenários, dizem eles, seriam perigosos demais, considerando a falta de educação do povo russo.
Enquanto isso, políticos de oposição famosos, tais como o vice-primeiro-ministro Boris Nemtsov e o ex-primeiro-ministro Mikhail Kasyanov, não se deram muito bem nas pesquisas de opinião conduzidas entre os manifestantes. Essa tendência leva o cientista político Fyodor Lukyano a descrever "uma divisão não apenas entre o povo e o Kremlin, mas também entre os que falam no palco e seu público, que prefere a excitação dos comícios e o poder da internet".
De fato, Morkashov, o engenheiro, fica em silêncio por um tempo quando perguntado quem teria maior chance de concorrer contra Putin como candidato da oposição. "O importante é mostrar nossa insatisfação, e depois as coisas mudarão", diz ele esperançoso.
Essa ingenuidade atrai zombarias do outro grupo de manifestantes, do lado que gostaria de finalmente tornar o atual "levante sem dentes" em uma força para criar um partido político poderoso, com seu próprio candidato presidencial.
Situação difícil para a classe média
Isso dificilmente será possível até março, porém, o que deixa uma alternativa não tão radical, como a sugestão do professor Solovei: forçar Putin a uma eleição de um turno. O candidato que deve desafiar o primeiro-ministro, porém, seria o líder do partido comunista, Gennady Zyuganov, cujo partido superou até o de Putin nas eleições de 4 de dezembro nas principais cidades.
Forçada a escolher entre um comunista e um ex-oficial da KGB, a classe média russa ficaria em uma posição desagradável. Contudo, a ativista de direitos humanos Marina Litvinovitch diz que "não importa". Os comunistas não são mais um perigo, acredita, e não há mais chance de voltarem à Rússia de outrora.
Enquanto isso, diante do ressentimento crescente entre dezenas de milhares de eleitores, Putin recorreu aos velhos truques do Kremlin. Na semana passada, ele tirou do cargo Vladislav Surkov, o arquiteto da "democracia administrada" da Rússia.
Surkov há muito é considerado eminência parda de Moscou e vinha trabalhando sob as ordens de Putin para acirrar o controle sobre a televisão nacional. Ele fundou as organizações Nashi, de juventude pró-Putin, e a jovem guarda e criou partidos políticos marionetes para cumprirem as ordens do Kremlin.
A decisão de Putin de nomear Surkov como um dos seis vices do primeiro-ministro pode parecer uma promoção, mas na realidade é uma remoção, uma punição pelo fracasso de Surkov em impedir a queda de popularidade de Putin e criar um partido político que representasse os interesses da classe média urbana.
Previsão de repressão
Putin fez concessões nos últimos dias - as grandes manifestações no centro de Moscou não teriam sido possíveis de outra forma - mas em todos os outros quesitos, ele manteve seu curso, recusando-se a fazer novas eleições para o parlamento russo. Presumivelmente, ele notou que os protestos mais distantes da capital já decaíram, apesar de manter seus esforços para desacreditar a oposição. Por exemplo, foram divulgadas conversas telefônicas grampeadas nas quais o político Boris Nemtsov falava mal de colegas membros da oposição.
O ex-assessor de Putin Andrei Illariono, que atualmente mora nos Estados Unidos, não acredita que Putin desistirá. Ele teme algum tipo de golpe e chega a prever assassinatos de membros da oposição e ataques terroristas - circunstâncias que Putin então usaria como base para declarar um estado de emergência.
Correm muitos rumores em todos os níveis da política de Moscou. Alguns dizem que, após a eleição presidencial em março, Putin vai suprimir violentamente as manifestações e revogar as meias reformas de Medvedev, pois os radicais em seu governo culpam Medvedev por gerar os atuais protestos com suas críticas sobre as condições na Rússia. Duas recentes nomeações de Putin -do radical Sergei Ivanov como seu novo chefe de gabinete no Kremlin e do embaixador anti-Otan Dmitry Rogozin como vice-primeiro-ministro responsável pelos militares e pela indústria da defesa- parecem confirmar essa linha de pensamento. Outros, porém, esperam que a escala dos protestos force Putin a fazer reformas em massa.
Kudrin, o ex-ministro das finanças, duvida que Putin conseguirá novamente controlar a situação. Kudrin não se deixou afetar pelas vaias da multidão na manifestação no dia 24 de dezembro e agora uniu-se às fileiras dos que fazem política de oposição da forma moderna: via Twitter. "Amigos, agora eu também tuíto", dizia sua primeira mensagem na semana passada.
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