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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Em uma guerra de resultados ambíguos, soldados dizem que tinham um trabalho a cumprir

O sargento Lucas C. Trammel, um canhoneiro de tanqye da 3ª Divisão de Infantaria, em uma base em Karbala, no Iraque, em dezembro de 2009
O sargento Lucas C. Trammell, um canhoneiro de tanque da 3ª Divisão de Infantaria, participou da tomada de Bagdá em 2003. Ele voltou em 2005, abandonando o tanque por patrulhas a pé na muito insegura Ramadi, e de novo em 2007, como guarda-costas para um comandante de batalhão, em Bagdá.

Ele matou o inimigo e perdeu amigos. Ele buscou tratamento para desordem de estresse pós-traumático. (“O Exército melhorou muito em permitir que você opine”, ele explicou.)

Trammell está de volta ao Iraque pela quarta vez, parte de uma força de apenas 50 mil que deixará de estar envolvida em combate em 31 de agosto. Ele é um dos milhares de soldados e oficiais para os quais o legado do Iraque, assim como o do Afeganistão, tem sido um recalibragem do que significa ser um americano em guerra atualmente.

A 3ª Divisão de Infantaria passou mais de quatro anos em uma guerra que ao todo durou 7,5 anos, mas que pode ainda não ter acabado. Esses soldados, bem mais do que quaisquer outros americanos, carregam os fardos pessoais e profissionais de um conflito que perdeu o apoio popular que tinha em casa.

Para aqueles que a travam, a guerra no Iraque não é uma causa gloriosa ou, como colocava uma velha propaganda, uma aventura. Atualmente não é nem mesmo uma discussão nacional divisora como o Vietnã. É um trabalho.

Mesmo com o encerramento formal das operações de combate neste mês, é um trabalho que permanece inacabado –dezenas de milhares de soldados permanecerão aqui por pelo menos outro ano– e um que, como muitos outros empregos, inspira muita emoção apenas entre aqueles que o exercem.

“Muitas pessoas em casa estão cansadas disto”, disse o sargento Trevino D. Lewis, sentado do lado de fora de uma academia de ginástica no Campo Liberdade, a base de terra cheia de escombros próxima do aeroporto de Bagdá, apresentando o mesmo argumento que muitos soldados. As pessoas em casa podem se desinteressar; eles não.

“Eu vejo como meu trabalho”, ele disse, recontando e desdenhando das mudanças de argumento a favor da guerra, desde as armas de destruição de massa que não existiam, passando pela derrubada de Saddam Hussein e chegando ao estabelecimento da democracia no mundo árabe. “É minha carreira.”

O senso de dever entre aqueles que servem aqui, ainda forte, é compensado pelo fato de que a guerra está diminuindo lentamente –ou, como colocou um oficial, se extinguindo– com resultados ambíguos.

A invasão deixou para trás uma democracia em uma parte autocrática do mundo, mas uma problemática, com controle incerto sobre sua segurança e destino.

“Se eu acho que as crianças que estão correndo por aqui terão um futuro melhor?” disse Trammell certa noite no Campo Karbala, fora da cidade sagrada xiita de mesmo nome. “Para ser honesto, eu realmente não me importo. Como uma nação, foi a coisa certa a ser feita? No final do dia, quando olho para trás, eu não perdi nenhum soldado no meu esquadrão. Isso é o que importa para mim.”

Para os soldados e oficiais da 3ª Divisão de Infantaria, a guerra no Iraque se transformou em algo que ninguém realmente previa quando a divisão cruzou a fronteira kuaitiana na noite de 19 de março de 2003: uma rotina.

No Vietnã, os soldados convocados serviam por um ano e voltavam para casa; os soldados profissionais das forças armadas totalmente voluntárias lutaram em Granada, Panamá ou na guerra do Golfo Pérsico com o conhecimento de que voltariam rapidamente e seriam recebidos como heróis.

Estes soldados no Iraque apenas continuaram retornando. Eles são veteranos não apenas de uma guerra, mas basicamente de quatro, cada uma cobrindo em sombras o arco em mudança constante do próprio Iraque: da invasão “choque e pavor” ao conflito sectário sangrento que se seguiu, do “aumento” de tropas do presidente George W. Bush ao desfecho do presidente Barack Obama.

Das dezenas de soldados entrevistados ao longo do curso de seu serviço, muitos disseram que a guerra valeu os sacrifícios pessoais que fizeram – ou os sacrifícios maiores dos mortos e feridos– mas não todos.

Para alguns, com o tempo a guerra perdeu o senso de propósito nacional, ou de sacrifício nacional, que poderia ajudar a amenizar as dificuldades daqueles aos quais foi pedido que a travassem.

“Eu perdi o nascimento do meu filho”, o sargento Christopher L. Schirmer disse sem rodeios enquanto montava guarda do lado de fora da prefeitura fortificada em Ash Shura, um vilarejo no norte do Iraque onde as brasas da insurreição nunca realmente apagaram.

Ele também disse que seu casamento acabou.

No lado de dentro, seu comandante de companhia bebia chá e escutava uma autoridade local se queixar de política, segurança, da mídia desleal e da necessidade de um banco.

Soldados como Schirmer são voluntários, depositando no banco seus salários isentos de impostos e desfrutando dos benefícios mais lucrativos já pagos aos militares. A maioria não busca solidariedade e nem se queixa mais do que qualquer pessoa que tivesse que viver e trabalhar em campos repletos de cascalho, na terra e sob calor intenso.

Schirmer usa uma lembrança do maior preço pago por outros: um bracelete com o nome gravado do sargento Paul R. Smith e a data em que ele morreu, 4 de abril de 2003, recebendo a Medalha de Honra. Schirmer estava lá naquele dia e falou com ele enquanto ele morria.

“Eu quero uma vida normal”, ele disse, “desfrutando as coisas pelas quais o Iraque pagou”.

Da intensidade do combate durante a invasão aos anos turbulentos que se seguiram, as atuais missões no Iraque são bem mais pacíficas, refletindo a mudança de combate para um papel consultivo que 50 mil soldados ainda executarão até o final de 2011.

Apesar dos soldados ainda removerem das estradas as bombas improvisadas e patrulharem as áreas rurais à procura de insurgentes, as missões atuais costumam envolver reuniões com autoridades locais ou burocratas. Os militares as chamam de KLEs, sigla em inglês para “engajamentos com líderes-chave”.

“Quase não vale a pena a viagem”, disse o sargento Rodney F. Martin, que está no esquadrão de Schirmer, na época baseado no sul de Mosul. “Envolve mais política agora.”

Martin tentou deixar o Exército após sua segunda passagem pelo Iraque, mas foi forçado a permanecer pela política conhecida como “stop loss”. A Primeira Brigada da 3ª Divisão de Infantaria foi na verdade a última unidade no Exército a ficar isenta da política, que foi revogada à medida que as pressões de pessoal diminuíram após o início da retirada no Iraque, de um pico de 170 mil soldados.

Mas quando Martin podia partir, ele se realistou –“As finanças não estavam tão boas”, ele explicou– e agora está de volta.

“Eu acho que fizemos tudo o que podíamos”, ele disse. “Eu estou um pouco esgotado.”

Alguns dos soldados mais jovens também se queixam. Aproximadamente metade de qualquer um dos batalhões da 3ª de Infantaria é composta de novos recrutas, que estão chegando ao Iraque pela primeira vez. Alguns anseiam pela ação da invasão ou pelo aumento de tropas ou pelo Afeganistão, entediados pela relativa calma do Iraque atual.

“Eu digo para eles: ‘Não foi fácil chegarmos até este ponto’”, disse Martin.

Mesmo quando a eleição deu lugar a um impasse político que permanece não resolvido, a retirada prosseguiu inalterada.

Em meados deste ano, a Primeira Brigada da 3ª de Infantaria, a força americana que tomou o Aeroporto Internacional Saddam Hussein no início de abril de 2003, começou a deixar as bases que brotaram ao redor de Bagdá e permanecem até hoje.

A mais recente, em julho, foi a Estação Mahmudiya de Segurança Conjunta, ao sul de Bagdá, em uma área antes conhecida como Triângulo da Morte.

Sob ordens rígidas, determinadas pelo Congresso, eles tiveram que realizar um inventário de tudo o que levaram e de tudo o que deixaram para trás: tendas, geradores, aparelhos de ar condicionado e até mesmo barreiras de proteção de concreto.

“Quatro mil novecentas e dezoito” barreiras de concreto, disse o tenente Jonathan C. Baker. Ele sabe porque teve que contá-las.

Entre as coisas removidas estava um memorial aos mortos, que antes ficava do lado de fora do centro de operações do campo, listando dezenas de soldados mortos ali desde 2003.

As ordens da companhia foram explícitas: documentar todos os memoriais e enviar para casa aqueles que pudessem ser movidos.

Um memorial não oficial permaneceu: a tinta que está desaparecendo em uma barreira de proteção, lembrando dois sargentos e quatro especialistas da Tropa E da 108ª de Cavalaria, parte da Guarda Nacional da Geórgia, que morreram durante o posicionamento da unidade em 2005-2006. O tempo e os elementos deixaram os nomes ilegíveis.

A barreira não podia ser movida, mas as ordens foram para apagar quaisquer traços da presença militar americana naquela que agora é uma base iraquiana. Dois dias depois, um remendo azul claro a cobria.

“Segundo nosso ponto de vista, é uma vitória aqui”, disse o capitão Alex Zerio, um oficial de batalhão supervisionando a transferência, com a base quase deserta. “Como você pode ver, estamos saindo daqui.”

Apesar de todo o apoio dos líderes da nação e do público para o uniforme que vestem, mesmo que não para a guerra em si, nenhum dos soldados que serviram no Iraque voltou para casa com desfiles de vitória.

“Não será como o Dia da Vitória”, disse o sargento Noel R. Sawyer, enquanto se preparava para sair em patrulha a oeste de Mosul, neste ano.

“Em vez de ser um momento definidor, ele vai se extinguir”, ele disse sobre o fim da guerra. “De certa forma, é uma droga, mas é bom.”

Enquanto seu veículo blindado deixava a principal base americana aqui em Mosul, a Base Marez de Operações Avançadas, uma placa alertava no portão: “Complacência Mata. Permaneça Alerta. Permaneça Vivo”.

Uma placa azul em seu veículo blindado, projetado para resistir aos explosivos improvisados plantados nas estradas –um veículo que não existia no início da guerra– dizia: “Nós estamos circulando com a permissão da polícia iraquiana”.

Ambas as placas eram indícios, símbolos, de quanto a guerra mudou, de quanto já diminuiu.

O Iraque permanece perigoso, com os soldados americanos correndo risco de ataques a cada dia, mas desde que o quarto período de serviço teve início no final do ano passado, a 3ª de Infantaria perdeu apenas 14 soldados, a maioria em acidentes. No geral, 44 soldados americanos morreram neste ano no Iraque, uma fração dos 4.415 mortos desde 2003.

Com as operações de combate praticamente encerradas – com a exceção dos ataques de contrainsurreição realizados pelas forças especiais americanas e iraquianas– os soldados da 3ª de Infantaria têm atuado em grande parte como treinadores e consultores.

“É como perguntar, está tudo bem?” disse Sawyer, descrevendo a transição gradual da transferência de autoridade para as problemáticas forças de segurança do Iraque.

Ele recuou, como um pai tirando as mãos da bicicleta do filho, “Está tudo bem? Está tudo bem?”

Ele recuou de novo, abriu um sorriso, e fez sinal de positivo com os polegares.

A ironia é que para muitos soldados e oficiais, o fim parece uma vitória, mesmo que uma desanimada, medida pelo progresso que foi conseguido desde os piores dias da violência.

“Nós não estamos fazendo isto por um desfile de vitória”, disse o coronel Roger Cloutier, comandante da Primeira Brigada, que após o fim oficial do combate, supervisionará a segurança de grande parte de Bagdá.

Mesmo assim, algum tipo de desfile estava em sua mente, sua ideia do que foi realizado após o pior derramamento de sangue, em 2006 e 2007.

“Quando eu vou para o centro de Bagdá e fico preso no trânsito, sem subir pela calçada ou andar na contramão, eu estou dirigindo como qualquer outra pessoa –e fico olhando para a direita e para a esquerda, e tem um sujeito vendendo peixe”, ele disse na Base Falcon de Operações Avançadas, uma base nos arredores de Bagdá.

“Ele tem um carrinho ambulante de peixe. Ele está cozinhando peixe. E há uma banca de melancia e então uma loja de aparelhos eletrônicos vizinha, e as pessoas estão por toda parte. E estou lá parado no trânsito pensando: ‘Cara, isto é inacreditável’. Isso é um desfile de vitória para mim.”

Então ele falou sobre seus filhos, com idades de 9, 14 e 16, soando como um pai que passou grande parte da vida deles no exterior.

“Eu quero que minha família possa olhar para mim e dizer, sabe o quê –eu estou ficando emotivo, pessoal– quando a América chamou, nós, como uma família, nos sacrificamos”, ele disse.

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