Alerta de legisladores americanos sobre infiltração do Hezbollah no Exército libanês ameaça US$ 100 milhões em ajuda militar
No início deste mês, soldados israelenses podavam uma árvore na fronteira norte de seu país, quando teve início um tiroteio com soldados libaneses localizados em cima da cerca divisória, que deixou um israelense e quatro libaneses mortos.
A briga parece ter sido acidental, mas rapidamente detonou uma guerra de palavras em Washington e Beirute, com o alerta por parte de legisladores americanos de que há infiltração do Hezbollah no Exército libanês e a ameaça de cortar os US$ 100 milhões em ajuda militar ao país.
Essa é uma situação que já aconteceu anteriormente – no Iêmen, Paquistão e outros países que recebem ajuda militar americana, mas são atingidos por insurreições e movimentos militantes – e provavelmente irá se repetir. Os americanos querem ajudar os seus aliados no Oriente Médio enquanto insistem que grupos militantes como o Hezbollah, partido xiita libanês considerado terrorista por EUA e Israel, sejam rigorosamente cortados. Mas a realidade em solo quase sempre exige compromissos difíceis que podem parecer, do ponto de vista de Washington, como concessões perigosas ao inimigo.
Facções
O Líbano, por exemplo, é uma formado por inúmeras seitas e facções políticas, das quais o Exército faz o precário papel de intermediário. Ninguém pode evitar trabalhar, em algum nível, com o Hezbollah, a mais poderosa força militar e política do país. A alternativa, as facções pró-Ocidente do Líbano, dizem, é muito pior.
“Devemos minar o Exército e dar todo o país para o Hezbollah?”, disse Paul Salem, diretor do Centro Carnegie Oriente Médio, em Beirute.
Até agora, o Departamento de Estado defendeu energicamente a ajuda militar ao Líbano, dizendo que a presença do Exército no sul ajuda a manter o país estável e que a retirada do dinheiro poderia criar um vácuo perigoso. Mas o debate provavelmente será retomado, especialmente à luz do ressurgimento da influência da Síria no Líbano e a relativa fraqueza das facções políticas mais seculares e aliadas do Ocidente.
“Devemos minar o Exército e dar todo o país para o Hezbollah?”, disse Paul Salem, diretor do Centro Carnegie Oriente Médio, em Beirute.
Até agora, o Departamento de Estado defendeu energicamente a ajuda militar ao Líbano, dizendo que a presença do Exército no sul ajuda a manter o país estável e que a retirada do dinheiro poderia criar um vácuo perigoso. Mas o debate provavelmente será retomado, especialmente à luz do ressurgimento da influência da Síria no Líbano e a relativa fraqueza das facções políticas mais seculares e aliadas do Ocidente.
Armamento libanês, incluindo um tanque americano M60, no aeroporto de Beirute, no Líbano |
O governo do presidente George W. Bush deu apoio retórico forte à aliança anti-Síria do Líbano e, em 2006, a guerra de 34 dias entre Israel e o Hezbollah reforçou a noção de que o Líbano precisava de uma força militar forte como uma alternativa nacional para a milícia do grupo xiita. A ajuda militar americana começou a fluir para o Líbano pela primeira vez em décadas.
Mas mais tarde naquele ano, o governo de coalizão do Líbano ruiu em meio a um confronto entre os principais partidos políticos do país. Quando a violência eclodiu em maio de 2008, os Estados Unidos e outros países ocidentais ficaram de lado enquanto seus aliados libaneses sofreram uma derrota humilhante por parte do Hezbollah.
Aliados em Washington
Como resultado, os aliados libaneses de Washington encontraram-se com uma arma apontada para suas cabeças. Reconhecendo que o governo Bush estava disposto a apoiá-los com vigor, eles começaram a se comprometer e se mover em direção à reconciliação com a Síria, que apoia o Hezbollah. Mesmo o primeiro-ministro Saad Hariri, que liderou a acusação contra a Síria, agora se curva à realidade política e foi a Damasco, capital da Síria, quatro vezes no ano passado.
O Exército libanês, entretanto, manteve com tamanho afinco a sua intenção de se preservar como uma instituição neutra que agora se tornou impotente. Durante os combates em maio de 2008, por exemplo, os soldados sentavam-se em seus carros americanos e assistiam, não querendo tomar partido.
Isso levou alguns membros do Congresso americano favoráveis a Israel a questionar a utilidade da ajuda militar ao Líbano. Quando houve o conflito na fronteira este mês, alguns parlamentares americanos foram mais longe e repetiram o que as autoridades israelenses diziam: que o crescente poder do Hezbollah no Líbano parecia ser a extensão do seu controle sobre o Exército.
Há pouca evidência disso. O Exército ainda é amplamente comandado por generais cristãos que foram treinados nos Estados Unidos. Como o próprio Líbano, o Exército mantém um mosaico de filiações políticas. O que os políticos americanos muitas vezes não conseguem entender é que, mesmo os libaneses pró-Ocidente tendem a considerar Israel – que, reiteradamente, invadiu e bombardeou o seu vizinho do norte – como uma força hostil. Soldados no sul do Líbano estão autorizados a abrir fogo se virem violações do cessar-fogo da ONU, que pôs fim à guerra de 2006.
Presença militar
Outro ponto muitas vezes esquecido no Ocidente é que a simples presença do Exército no sul do Líbano é uma novidade. As tropas foram destacadas no local – com a permissão do Hezbollah –, nos termos do cessar-fogo mediado pela Organização das Nações Unidas em 2006. Foi a primeira vez que soldados libaneses defenderam a fronteira sul, nas últimas décadas, graças às interrupções da guerra civil de 15 anos do Líbano e da longa ocupação militar síria.
Para muitos libaneses, ter suas próprias forças militares na fronteira foi um momento de grande orgulho nacional. Para muitos, era um possível primeiro passo para desarmar o Hezbollah, que tem justificado o seu arsenal, em parte, pela incapacidade das Forças Armadas libanesas de defender o país contra Israel.
O Exército já provou a sua utilidade – tanto para o Líbano quanto para o Ocidente – de outras maneiras. No verão de 2007, ele lutou contra o Fatah al-Islam, um grupo militante ligado à Al-Qaeda, em um acampamento de refugiados palestinos no norte do Líbano. Esse episódio também destacou a quantidade lamentavelmente insuficiente de pessoal no Exército. Sem armas de precisão ou helicópteros de combate, o Exército teve de recorrer a bombas lançadas à mão a partir de helicópteros da era do Vietnã, e o conflito se arrastou por meses. Mesmo agora, muitos no Líbano se ressentem dos Estados Unidos não fornecerem equipamento mais avançado necessário para o Exército local.
Bloqueio
Nesse contexto, não surpreende que as ameaças americanas de bloquear a ajuda militar ao Líbano tenham atraído respostas irritadas de líderes libaneses. Recentemente, o ministro da Defesa, Elias Murr, disse que se a ajuda americana for condicionada ao Líbano não usar suas armas contra Israel ela será rejeitada.
Os comentários de Murr podem ser parcialmente exagerados, mas parece provável que, quando confrontado com as alternativas – deixar o Líbano com a oferta de apoio militar da Rússia, da Síria ou do Irã – o Congresso americano provavelmente irá se afastar de suas ameaças de abandonar o Exército do Líbano.
O mesmo padrão pode ser visto em outros países em todo o Oriente Médio: um Exército nacional imperfeito não é o ideal, mas é geralmente melhor do que o caos ou um vácuo que pode ser preenchido por insurgentes suicidas e seus Estados patronos. Como se quisesse provar esse argumento, no dia 14 de agosto o Exército libanês matou dois membros do Fatah al-Islam.
Para Washington, pequenas vitórias como esta podem valer o custo da ajuda militar, mesmo que o objetivo maior de desarmar grupos militantes – incluindo o Hezbollah – esteja fora de alcance.
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