Sede do GCHQ, em Cheltenham, Gloucestershire |
O Reino Unido não é um Estado autoritário de vigilância como a China. Mas é um país onde a vigilância se tornou parte do cotidiano. Os olhos frios do aparato de segurança vigiam tudo o que se move --nas estações de metrô e hospitais, nos cruzamentos e nos ônibus. A Autoridade da Indústria de Segurança Britânica (BSIA, na sigla em inglês) estimou recentemente que pode haver até 5,9 milhões de câmeras de vigilância no país --ou 1 câmera para cada 11 britânicos. A maioria não foi instalada pelo governo, mas por empresas privadas e pelos cidadãos. É de se perguntar quem teria tempo para olhar essas imagens.
Apesar de ocorrer um estouro ocasional de resistência na ilha, a maioria aceita a vigilância como o preço da liberdade. E, diferente da Alemanha, muitos jornalistas estão acostumados a defender seu governo, particularmente quando se trata do interesse global do Reino Unido e sua suposta segurança nacional. Dan Hodges, um blogueiro com laços com o Partido Trabalhista, repetiu os sentimentos de muitos do mundo político de Westminster após a detenção de David Miranda, o companheiro do jornalista do "The Guardian", Glenn Greenwald, que foi importante na exposição da amplitude das atividades de vigilância do GCHQ e da NSA (a Agência de Segurança Nacional americana). Hodges escreveu: "O que nós honestamente esperamos que as autoridades britânicas façam? Deem a ele uma piscadela e digam 'Pode ir, filho, faça uma boa viagem'?"
Jornalistas se curvam aos interesses nacionais
É impressionante ver quantos britânicos confiam cega e acriticamente no trabalho de seu serviço de inteligência. Alguns ainda veem o GCHQ como o clube de cavalheiros afáveis em paletós de tweed surrados que decifraram a máquina de código nazista Enigma na Segunda Guerra Mundial. A maioria das pessoas se une instintivamente em torno de seu governo em questões chave de política de defesa, soberania e autonomia --apesar da ameaça à "segurança nacional" do Reino Unido que emana de Edward Snowden ser nada mais que uma alegação no momento. As pessoas no poder em Westminster se acostumaram aos jornalistas se curvarem aos interesses nacionais quando se trata de questões de inteligência.
Os espiões esperam subserviência e discrição por parte da imprensa do país, e costumam receber o que querem. Não há outra explicação para a naturalidade com que as autoridades do governo e funcionários do GCHQ contataram o editor-chefe do "The Guardian", Alan Rusbridger, para exigir a entrega ou destruição dos discos rígidos. O que é surpreendente é a autoconfiança que leva os poderosos a acreditarem que nada disso jamais viria à tona. Segundo o jornal, após os discos rígidos terem sido destruídos no porão do "The Guardian", um agente da inteligência brincou: "Nós podemos cancelar os helicópteros pretos".
Essas palavras refletem a necessidade do governo de proximidade sociável. Os jornalistas devem evitar essas tentativas de bajulação por parte dos poderosos, mesmo que signifique que ocasionalmente lhes seja negada informação e histórias exclusivas por fontes da inteligência. As horas que Miranda passou sendo interrogado no Aeroporto de Heathrow e a destruição dos discos rígidos no portão do "The Guardian" mostram que as autoridades de segurança britânicas levam a sério a guerra de informação que foi iniciada.
Relacionamento aconchegante
É uma guerra que também gira em torno de dissuasão e intimidação. O comentário do agente sobre os helicópteros pretos pode ter sido feito como piada, mas não parece tão irreal no país. Por que mais o governo, como Rusbridger descreve em detalhes, continua exercendo pressão sobre o jornal tanto tempo depois dos vazamentos de Snowden se tornarem públicos?
E por que mais destruiria os discos rígidos, mesmo sendo óbvio que os dados nos discos já foram copiados para outros dispositivos de armazenamento? O incidente oferece aos britânicos a primeira oportunidade para repensarem no relacionamento aconchegante com seu serviço de inteligência.
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