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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Guantánamo e espionagem: perversões do antiterrorismo

O caso Snowden continua a despertar o trauma do 11 de Setembro de 2001. E mostra o deterioramento das liberdades públicas que acompanhou a política antiterrorista nos Estados Unidos, mas também na Europa.

Ao longo das revelações sobre a extensão do dispositivo de inteligência americano e sobre o apoio ativo que ele encontrou entre certos aliados de Washington, foi-se descobrindo esse recuo da vigilância sobre valores democráticos fundamentais. Igualmente surpreendente foi a conformidade sobre o assunto --ou até indiferença-- de muitos políticos europeus. Até hoje, os Estados Unidos e a Alemanha foram os únicos países onde o "choque" Snowden desencadeou um verdadeiro debate sobre o equilíbrio a se encontrar entre segurança e liberdade.

Na França, poucas vozes se elevaram para pedir esclarecimentos, para aprofundar a questão de uma possível cumplicidade entre nossos serviços de inteligência e um aparelho securitário americano cujos abusos vêm sendo continuamente revelados. Como se o combate a um perigo terrorista --que a França sofreu de forma cruel em seu território nos anos 1980-1990, antes dos americanos-- desse carta branca definitiva a tudo aquilo que os governantes puderam iniciar desde 2001 em reação à ameaça da Al Qaeda.

Um Barack Obama na defensiva anunciou, no dia 9 de agosto, várias medidas de transparência, tentando restabelecer a "confiança" da opinião pública em relação aos métodos de vigilância empregados pela poderosa National Security Agency (NSA). O presidente americano não anunciou nada sobre um desmonte do Prism, programa graças ao qual massas enormes de metadados passaram por um pente fino. Ele afirma que o sistema não dá espaço para abusos. Segundo ele, o problema estaria na percepção do programa --e não em sua existência. A democracia americana comporta poderosos contrapoderes, que serão testados nessa questão como já foram, duramente, durante a presidência de George W. Bush.

A sinistra vitória póstuma de Bin Laden está lá, nessa marca aparentemente indelével deixada pela "guerra contra o terrorismo". A "guerra de necessidade" no Afeganistão e depois a "guerra de escolha" no Iraque produziram duas grandes corrupções: um recuo no direito internacional humanitário e o questionamento das proteções concedidas pelas convenções de Genebra. Foi o nascimento de um direito militar de exceção, negação do habeas corpus, e de uma legislação de exceção, o Patriot Act, que justifica a ação da NSA. A democracia americana deu à luz dois monstros gêmeos: Guantánamo e o Prism.

A mudança de Barack Obama é impressionante. Brilhante teórico da "guerra justa" diante do comitê do Nobel, ele se revelou um grande praticante de guerras secretas: o uso abundante de drones e de escutas eletrônicas no mundo inteiro. O admirador proclamado de Martin Luther King parece estar sempre atormentado por contradições inerentes ao papel de "comandante-chefe", tal como ele atribui a si mesmo.

Há dez anos, o intelectual americano Robert Kagan descrevia a Europa como uma "Vênus", em oposição ao "Marte" americano. Ela passa a impressão de estar assistindo de longe a esses dilemas, como se não lhe dissessem respeito. Isso seria esquecer que ela também foi corrompida em seus princípios pelos anos de antiterrorismo. Ela recebeu os voos secretos da CIA e abrigou prisões secretas da mesma agência, por onde transitavam detentos destinados a Guantánamo. A Europa alistou em suas operações antiterroristas os regimes menos fáceis, oferecendo-lhes uma aprovação ou até um status de aliados, até que alguns fossem derrubados por revoltas populares em 2011.

O chamado continente do "soft power" teria abdicado de muito nesse consentimento silencioso. Os britânicos em um papel de "mercenários" da equipe Bush, os alemães flertando com os métodos de escuta da antiga Stasi como parte de um acordo fechado em 2002 com Washington pelo chanceler Schröder, e os franceses recebendo no coração de Paris um centro secreto, a "Alliance Base", onde os serviços de seis países (Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Canadá, Austrália) cooperavam de perto, tal como descreveu em 2005 o jornal "Washington Post".

A DGSE [agência de inteligência externa francesa], que, como o "Le Monde" revelou em julho, dispõe de um programa de monitoramento parecido com o da NSA, ainda que menos poderoso, pode nessas condições ter ignorado os abusos de Washington? Ou até se diferenciado dele? Os dirigentes franceses preferiram se indignar com a espionagem americana em vez de se deter nessas questões.

O exame da década de esforços transatlânticos no "antiterrorismo" está longe de terminar, e é esse o principal mérito das revelações de Snowden. Além disso, como classificar este último? Uma nova dissidência em uma era digital? Um ingênuo instrumentalizado pela China e pela Rússia que lhe oferece "asilo" e provavelmente não ignora nada de seus arquivos? As novas ferramentas tecnológicas, a digitalização de tudo e de nossas vidas, vêm levantando continuamente questões profundas sobre a informação, a liberdade, o controle democrático sobre a vigilância operada pelos Estados e pelas empresas.

O terrorismo deve ser combatido, mas as democracias perderão a batalha se nisso sacrificarem a exigência de salvaguardas sólidas, de mecanismos de controle, garantindo a liberdade de cada um de se comunicar sem o medo de ser monitorado por razões obscuras. São essas garantias que distinguem as democracias dos regimes autoritários. Obama ressaltou isso, mencionando a propensão de "certos governos" não somente de monitorar sem limites, mas de "jogar seus próprios cidadãos na cadeia por algo que eles disseram na internet." Um lembrete útil e necessário, mas insuficiente para acabar com as suspeitas sobre as práticas de países democráticos que se pretendem exemplares.

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