Antes da violência desta semana no Cairo, o governo israelense estava discretamente satisfeito com a derrubada do presidente Mohamed Morsi e com a repressão à Irmandade Muçulmana, que sempre foi hostil em relação a Israel. Mas agora as mortes em massa deixaram Israel na posição desconfortável de ser um espectador da crise que se desdobra no Egito, apesar de um com muito em jogo no resultado.
"Eu acho que o mundo todo deve apoiar Sissi", disse Ehud Barak, um ex-primeiro-ministro e ministro da Defesa de Israel, no programa "Fareed Zakaria GPS" da "CNN", no último fim de semana, referindo-se ao comandante militar egípcio, o general Abdel-Fattah el-Sissi, que derrubou Morsi, um islamita, no mês passado.
Após o derramamento de sangue desta semana, em consequência da remoção pelos militares dos acampamentos de protesto da Irmandade Muçulmana na capital egípcia, não houve expressões de apoio, oficiais ou não, a El-Sissi.
As autoridades israelenses não comentam publicamente sobre os assuntos internos do Egito, tanto antes quanto depois dos eventos brutais desta semana, uma política que reflete tanto a fragilidade quanto a necessidade das relações de Israel com seu vizinho estrategicamente importante.
"Qualquer coisa que dissermos será usada contra nós", disse uma autoridade israelense, falando sob a condição de anonimato devido ao que descreveu como "volatilidade" da situação diplomática. "Se condenarmos a violência, seremos acusados de apoiar a Irmandade Muçulmana", ele disse, referindo-se aos rumores que já circulam a respeito. "E se dissermos que não condenamos, então parecerá que Israel está em conluio com o exército egípcio."
Ele acrescentou: "Isso não significa que não temos nossa própria opinião e interesses".
O principal interesse de Israel, segundo as autoridades e especialistas daqui, é um Egito estável que possa preservar o tratado de paz de 1979 do país e restaurar a ordem ao longo da fronteira na Península do Sinai, onde grupos militantes islâmicos estão enfrentando as forças egípcias e cada vez mais ameaçando Israel.
Na terça-feira, os militares israelenses usaram seu sistema antimísseis Domo de Ferro para defender pela primeira vez o balneário de Eilat, no sul, interceptando um foguete que teria sido disparado do outro lado da fronteira, no Sinai. Um grupo militante reivindicou a responsabilidade pelo ataque com foguete, dizendo ser uma vingança pela morte, dias antes, de quatro de seus membros no norte do Sinai, em um ataque por aeronaves não tripuladas. O grupo acusou Israel de ter realizado o ataque, apesar de oficiais militares egípcios negaram a ocorrência de qualquer violação do espaço aéreo do país pelos militares israelenses.
Neste mês, Israel fechou o pequeno aeroporto de Eilat por cerca de duas horas, depois que o Egito alertou sobre um ataque potencial a partir do Sinai. Na ocasião, especialistas israelenses disseram que o episódio mostrou a maior cooperação em segurança entre os dois lados. Contatos entre Israel e o Egito há muito são conduzidos principalmente pelos canais militares e de inteligência.
Mas analistas daqui disseram que as tensões ao longo da fronteira poderiam arrastar Israel para o Sinai, complicando ainda mais as relações com o Egito.
Israel vê as forças armadas egípcias como a única força capaz de estabilizar o país profundamente dividido, e o tratado de paz entre Israel e Egito prevê uma ajuda econômica e militar americana de US$ 1,5 bilhão por ano ao Egito, grande parte dela destinada às forças armadas egípcias.
Antes do início do ataque militar aos acampamentos de protesto no Cairo na quarta-feira, a mesma autoridade israelense que falou sob a condição de anonimato sobre os interesses de Israel, disse que este estava falando com seus "amigos" no Congresso americano, na Casa Branca e em outras entidades relevantes que não era do interesse de ninguém cortar a ajuda ao Egito, um passo que ele disse que enfraqueceria o exército egípcio e minaria os esforços para estabilizar a situação.
Após o ataque, a mesma autoridades relutou em discutir esses esforços e se eles continuariam.
As mortes em massa também têm o potencial de desestabilizar as áreas palestinas, enquanto Israel e os palestinos retomam as negociações de paz.
Na cidade de Hebron, na Cisjordânia, na sexta-feira, apoiadores do Hamas, o grupo militante islâmico, e outros ativistas palestinos realizaram protestos contra as mortes no Cairo e em apoio a Morsi após as orações do meio-dia. Os manifestantes entraram em choque com os oficiais de segurança da Autoridade Palestina em várias partes da cidade. Também houve relatos de protestos em Ramallah, a sede da Autoridade Palestina.
Em Jerusalém, centenas de membros do Movimento Islâmico de Israel realizaram uma manifestação do lado de fora da Mesquita de Al Aqsa e acusaram El-Sissi, o comandante egípcio, de colaborar com os Estados Unidos e de matar egípcios em nome dos judeus, segundo a "Rádio Israel".
Em Gaza, controlada pelo Hamas, que é uma ramificação da Irmandade Muçulmana, os egípcios mortos foram homenageados nas orações de sexta-feira.
"Eu acho que o interesse israelense é bem claro", disse Efraim Inbar, diretor do Centro Begin-Sadat para Estudos Estratégicos, na Universidade Bar-Ilan, em Israel. "O único fator que pode fornecer esse tipo de estabilidade são os militares egípcios."
Danny Yatom, um ex-chefe da agência de inteligência israelense Mossad, disse para a "Rádio Israel" na sexta-feira que "não há dúvida de que Israel prefere o exército em vez da Irmandade Muçulmana, e um regime secular em vez de um regime religioso" no Egito.
Mark Heller, um especialista em relações regionais e internacionais no Instituto para Estudos de Segurança Nacional da Universidade de Tel Aviv, disse que até mesmo Hosni Mubarak, o presidente autocrático do Egito que foi derrubado na revolução de 2011, não era um amigo de Israel. Não havia uma paz calorosa, apenas um relacionamento baseado em interesses convergentes, disse Heller, acrescentando que a paz "significava evitar um confronto".
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