Hoje o ex-combatente João Pedro Ferreira, aos 93 anos, já não tem a mesma habilidade e postura do jovem militar que em 1944 participou da 2ª Guerra Mundial, mas na memória traz todos os momentos, de sofrimento, medo e de vitórias que ocorreram nos 239 dias de ação contínua contra o inimigo. A despedida foi no dia 1º de outubro de 1944. “A despedida foi uma coisa marcante porque vi o sofrimento das famílias naquele momento, mas eu já estava vivendo há cinco anos sem ver meus pais, então não foi tão pesado”, compara. Ele entrou no Exército em Ivaí, depois em Curitiba, Caçapava (SP) e foi de Ponta Grossa que ele ao Rio de Janeiro e depois para a Itália, rumo às inúmeras batalhas. “Eu já estava meio ‘Caxias’, tinha jurado bandeira e para mim isso era compromisso”, enfatiza.
Na viagem à Itália foram 18 dias em alto mar. “O meu compromisso com a bandeira foi tão sério, que não fui me despedir dos meus pais antes da viagem, para não correr o risco de ficar”, destaca. Na despedida, Ferreira viu momentos de desespero entre os companheiros e seus familiares. “A tristeza era muito grande, familiares desmaiavam, porque achavam que não voltaríamos”, fala. A música no momento da despedida é inesquecível, e tornou ainda mais dramático o cenário. “Porque choras mamãezinha, sei que vais ficar sozinha. Porque choras assim! Essas lágrimas não solta, aguarda a minha volta. Muita coragem e adeus”, canta.
Ferreira atuava era soldado, e atuava como especialista em telecomunicações, responsável pela comunicação entre comando e combatentes, através da central telefônica e dos rádios. “Eu ficava bem na retaguarda, lá atrás, mas toda a guerra passou por mim, pois transmitia todas as informações que vinham dos combatentes ao comando e vice-versa”, destaca. Os brasileiros foram vitoriosos já no primeiro combate. “Tomamos a cidade de Braga”. O segundo ataque foi o Morro San Quirico d’Orcia. “Lá morreu Pinto Duarte, que foi meu professor e que me convenceu a não prosseguir com o curso de cabo e me especializar em telecomunicações”, destaca. Eles tomaram várias cidades e logo chegou Monte Castelo. “Não foi fácil. O meu era o 6º Regimento de Infantaria (RI), e foi o primeiro a atacar, mas não conseguimos e tivemos que regredir, e então o 11º RI foi apoiar, e nosso comandante era muito valente e depois de muita luta eles se entregaram e conseguimos tomar o Monte Castelo”, conta.
Arrepios
Arrepios ele sentia ao caminhar entre os colegas mortos. Um dos momentos de medo, ele lembra de um dia que seguiu para reconstruir uma linha telefônica arrebentada na batalha. “E fui à noite para arrumar e no instante que fui cobrir a fiação, um colega tocou o telefone e levei aquele choque, e pensei o apavoro era tanto que pensei que eram os alemães que tinham me atacado, acabei até esquecendo a carabina e depois tive medo de voltar para pegar a arma, e esperei amanhecer para voltar para a casa dos italianos. O ferimento mais grave, foi de um estilhaço na cabeça, em Montese. “Mas foi superficial, eu vim de lá bom e estou bem até hoje. Eu rezava muito, e pela fé tinha certeza de que voltaria embora, como voltei”, dispara.
“17 mil alemães, dos mais bravos, com bandeiras brancas”
Ele revela que passou bastante tempo da guerra nas casas dos italianos. “Depois veio a neve, em dezembro, e o gelo durou até abril, e nesse período o exército ficou na defensiva, e muitos que tiveram que ficar nas casas matos, que é um buraco na terra, ficaram muito doentes, pois não podiam sair por causa da neve e dos ataques”, descreve. Os ataques recomeçaram em abril. Em Montese foi o último combate. “O 6º RI atacou, e fui com o general, tínhamos ordem para retrair, cercamos, vieram 17 mil alemães dos mais bravos, com bandeira branca, que se entregaram porque não tinha meios para vencerem”.
Em 13 de maio terminou a guerra na Itália. “Daí oito dias depois da vitória final soltaram a bomba no Japão, e nos preparamos para ir embora, e ficamos mais alguns dias nos quartéis italianos, passeando, paquerando as italianas e no dia 3 de julho saímos de volta para o Brasil”, relata. Foram 12 dias em navio de volta. Dos 25 mil homens que seguiram á batalha, mais de 400 morreram. “E cerca de quatro mil ficaram feridos, sem braço, sem perna, sem olho. Outros voltaram tuberculosos e muito machucados, morreram logo, outros ficaram loucos”, revela.
Orgulho da vitória e de 67 anos de casado
Orgulho. Essa é uma das palavras que Ferreira ainda guarda depois de tantas batalhas. “Eu fui e voltei para os meus pais, mas gostava muito do Exército”, completa. De volta a Ivaí, na casa dos pais, Ferreira então conheceu, Elvira, de Prudentópolis, e logo se casaram. “Foi a italiana que eu encontrei aqui para namorar, e tivemos um namoro muito bonito, com muito respeito, amor e nos preparamos muito bem”, conta. Eles completam no dia 21 de setembro 67 anos de casado, e uma família grande, de oito filhos. “Quando voltei para o Brasil e casei voltei então a trabalhar na lavoura”, diz. Aos 55 anos foi beneficiado pela lei da reforma dos militares. “E fui para o Rio de Janeiro para receber o benefício”, garante.
Ferreira recorda, ainda, do momento em que os combatentes chegaram ao Brasil, e foram recebidos com muitos aplausos e festa. “Não pudemos desfilar, porque a festa foi muito grande, e ainda hoje agradeço e muito a Deus por tudo”. O ex-combatente retornou a Ponta Grossa, já com a família formada, em 1984, e nos próximos dias segue a Cascavel, onde o casal irá morar com uma das filhas. “Agora os filhos irão cuidar de nós, não podemos mais ficar sozinhos”, explica.
Sem arrependimentos
Arrependimento é uma palavra que não faz parte da história de vida do ex-combatente. “Fui feliz na vida, e essas vitórias motivaram muitas outras na minha vida, e desde criança fui muito chegado com Deus, e isso sempre me fortaleceu”, destaca. Aos 93 anos, e com uma excelente memória, Ferreira lembra lugares que visitou e traz no peito, ainda, as duas medalhas: de Sangue e da Campanha, da Força Expedicionária Brasileira, que são os maiores símbolos do reconhecimento pelo trabalho e amor dispensado à pátria.
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