segunda-feira, 8 de outubro de 2012
Der Spiegel: Berlim vivem boom imobiliário
Berlim já foi uma exceção à regra de que as cidades badaladas têm propriedade e aluguéis caros. Mas esses dias estão acabando rapidamente. Uma nova onda de investidores privados levou a preços exorbitantes, forçando os moradores de baixa renda para a periferia da cidade.
O homem dinamarquês que está tomando Berlim dos berlinenses prefere ficar descalço em seu escritório todo branco num loft do bairro de Kreuzberg, mas hoje está usando sandálias. “Oi, eu sou o Jørn”, diz ele. Seu sobrenome, Taekker, tornou-se sinônimo de especulação imobiliária na capital alemã. Mas para Katrin Lompscher, membro do Partido de Esquerda no parlamento de Berlim, é um “símbolo do mal”.
Valeria Fiori, natural de Milão, sobe as escadas para o escritório de Taekker no quinto andar da rua Paul Lincke Ufer, que corre ao longo de um canal em Kreuzberg. Não há elevador. Fiori fica um pouco sem fôlego ao chegar ao escritório. Ela tem 61 anos e chegou a Berlim na quinta-feira (4) de Milão. Ela já tem três apartamentos em Berlim, e agora está comprando um quarto de Taekker. “Eu tenho mais confiança na Alemanha do que na Itália”, diz ela, acrescentando que não passou a vida inteira economizando dinheiro para que a crise do euro destrua sua aposentadoria.
A poucos passos de distância da rua, três dos inquilinos Taekker estão sentados em sua varanda na cobertura. Eles não querem divulgar seus nomes para o jornal, então vamos chamá-los de Torsten, Henning e Jakob. “Nós realmente não temos nada a ver com tudo isso”, diz Torsten. O prédio onde moram tornou-se uma propriedade de investimento, como muitos outros na área. “Nós só moramos aqui”, diz Henning.
Por um longo tempo, eles não souberam que um investidor dinamarquês que quase foi à falência na crise financeira havia adquirido o prédio. Tampouco sabiam que esse investidor está agora vendendo apartamentos no prédio, um a um, muitas vezes para compradores comuns do sul da Europa que, incentivados pela crise do euro, estão tentando colocar suas poupanças num lugar mais seguro – e que seus apartamentos também podem estar no mercado.
Da maneira que Torsten, Henning e Jakob veem a situação, seu prédio se tornou o cenário de múltiplas crises globais econômicas. Da forma como os outros veem, o que está acontecendo na capital alemã em 2012 é, simplesmente, um boom imobiliário.
Neste ambiente estranho, dois tipos de pessoas estão entrando em conflito: por um lado, há os estrangeiros, ou novos berlinenses, que estão à procura de algo para comprar. Por outro lado, há os moradores locais, os antigos berlinenses, que se perguntam quanto tempo ainda vão conseguir ficar. Os do primeiro grupo tendem a olhar para cima ao andar nas ruas, verificando edifícios e procurando bons investimentos. Os do segundo estão apenas tentando chegar em casa.
Apesar das diferenças, todos estão ansiosos. Os estrangeiros estão preocupados com suas modestas economias, que esperam transformar num imóvel bem valorizado antes que o euro entre em colapso. Enquanto isso, os berlinenses nativos estão preocupados com a cidade que chamam de lar. E essa ansiedade, que afeta toda a Alemanha e muitos outros países europeus, está se transformando numa espécie de euforia no mercado imobiliário de Berlim.
Torsten, um dos inquilinos de Taekker, diz: “eles estão tentando tirar nossa cidade de nós”.
Valeria Fiori, uma dos clientes Taeker, diz: “os preços ainda são atraentes em Berlim, e é um bom investimento”.
O próprio Taekker diz: “eu amo Berlim. As coisas estão melhorando para Berlim”.
O mercado está em um estado de intoxicação. Os preços dos imóveis residenciais em Berlim subiram 32% desde 2007, o que é significativamente mais do que no resto da Alemanha. Houve cerca de 32 mil transações imobiliárias em Berlim em 2011, um aumento de 20% em relação ao ano anterior, e a tendência é de que isso continue. No mesmo período, as vendas aumentaram em 28%, de 8,7 bilhões de euros (US$ 11,2 bilhões) para 11,1 bilhões de euros.
De acordo com o índice de aluguel alemão, os preços médios subiram 4% ao ano desde 2009, o que se traduz em maiores lucros para os proprietários de imóveis. Na Alemanha e em outros lugares, as pessoas estão juntando seu patrimônio, tomando empréstimos a taxas de juros historicamente baixas e investindo no mercado imobiliário, de preferência em Berlim, onde os preços ainda são bem menores do que em Hamburgo e Munique, mesmo com o boom atual. Consultas de compra cresceram 500% desde 2007 no Immobilienscout24, um site de imóveis amplamente utilizado na Alemanha.
O Kiez Graefe, um dos bairros responsáveis pela imagem de “pobre mas atraente” que transformou Berlim numa marca mundial, abriga o edifício onde fica o escritório de Taekker. O logotipo Taekker, com as letras A e E coladas, aparece em muitas esquinas e algumas obras.
Enquanto os antigos berlinenses pronunciam o nome como uma maldição, os berlinenses novos o veem como uma promessa. “No entanto, mais um edifício caiu nas mãos de Taekker”, diz o ativista local do inquilinato Martin Breger. A rua inteira foi “Taekkerada”, acrescenta. Existe até um site chamado Taekkerwatch que se intitula como um “site de autoajuda para locatários afetados pela privatização de apartamentos pelo grupo de empresas Taekker em Berlim”. Os potenciais compradores, no entanto, usam o site para ficar a par das propriedades que Taekker está prestes a colocar no mercado.
“É claro que estamos invadindo o bairro. Entendo porque as pessoas se sentem ansiosas”, diz Taekker, 56, cuja empresa possui 3.500 unidades residenciais na cidade. Em sua própria estimativa, ele é um dos maiores investidores privados do mercado de Berlim. Usando seus jeans e camiseta velha característicos, ele não parece diferente dos berlinenses cujos apartamentos que ele está comprando. Taekker se vê como um capitalista com boas maneiras. “É óbvio que estamos aqui para ganhar dinheiro, mas estamos fazendo isso de uma forma eticamente correta, no âmbito da lei”, diz ele.
A empresa expandiu seu portfólio de Berlim desde meados da primeira década dos anos 2000, em geral focada em prédios construídos no final dos século19 e início do século 20 nos bairros de Friedrichshain, Mitte, Prenzlauer Berg e Kreuzberg.
Quando questionado sobre o que o levou para a Alemanha, Taekker diz: “eu estava procurando novas opções de investimento na Europa”. Ele está sentado em uma sala de conferência cercada por vidro. Centenas de fichários brancos se enfileiram pelas paredes do escritório, cada um com um endereço na lombada: Böckhstrasse 13, Dieffenbachstrasse 38, Maybachufer 47. Os endereços, todos em bairros bons, têm um som mágico para os novos berlinenses.
Taekker é carpinteiro e engenheiro civil por formação. Em Berlim, ele descobriu o que tinha encontrado em Copenhague uma década atrás: “uma cidade com um governo de esquerda e não muito dinheiro, mas com uma atmosfera fantástica e muitos prédios antigos bonitos e baratos”. Depois da virada do milênio, quando os preços estavam altos, Taekker vendeu mais de 70 prédios em Copenhague. Em seguida ele foi à procura de um novo lugar para aplicar a mesma estratégia simples: comprar por pouco e vender por muito quando chega o boom.
Por um tempo, Taekker investigou propriedades em Nuuk, capital da Groenlândia, mas sentiu que Berlim tinha mais potencial. “Eu não conseguia entender por que os preços eram tão baixos”, diz ele. “Alguém deve ter esquecido alguma coisa.” Quando Taekker fala sobre o seu trabalho, soa como um jogo de banco imobiliário global, no qual os jogadores tem como objetivo ocupar as propriedades certas, cobrar aluguel, esperar pela sorte dos dados, vender e seguir em frente.
Marcel Magdeburg, um corretor que trabalha para Taekker, está dirigindo um Smart azul para ir a um compromisso. O carro miniatura de dois lugares é perfeito para ele, porque seu trabalho muitas vezes exige estacionar de forma criativa. Magdeburg cresceu em Potsdam, nos arredores de Berlim, e trabalha para Taekker há cinco anos, vendendo ou alugando imóveis residenciais em toda a cidade. Seus dias se resumem a dirigir bastante, subir escadas e mostrar cômodos vazios para potenciais compradores ou inquilinos.
Magdeburg, falando na língua dos corretores, diz coisas como: “a demanda no segmento de vendas cresceu muito este ano”. Mas ele ocasionalmente volta à conversação comum em alemão e diz coisas como: “meus amigos, é uma loucura. Às vezes você vê pessoas jogando o dinheiro sobre a mesa. É difícil acreditar, mas é verdade. Pense nos refugiados do euro do sul da Europa. Há muitos deles hoje em dia”.
Ele mostrou algumas propriedades de investimento para um berlinense com tatuagens em um dos braços. O homem compra apartamentos pequenos e os aluga para temporada, uma prática que o Senado de Berlim está tentando impedir com novas leis. Até recentemente, ele trabalhava como instrutor físico. Mas agora se tornou um investidor experiente que parece saber os aspectos legais de ser um proprietário de imóveis em Berlim.
A alta em Berlim – ansiosamente aguardada por muitos desde a reunificação alemã, mas temida por outros – parece ter finalmente chegado. Os compradores estrangeiros, que agora compõem 30% do mercado, também ajudam a aumentar ainda mais a demanda. A maioria dos estrangeiros que investe agora em Berlim são italianos, espanhóis, russos, britânicos ou franceses.
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